Um ano depois ainda à espera de saber quem é o culpado

Matou 14 pessoas e mudou a vida a dezenas de outras. Investigações estão em fase adiantada
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O surto de legionela em Vila Franca de Xira foi o terceiro maior do mundo, com 14 mortes e 402 pessoas infetadas. Mas um ano depois ainda se aguarda o resultado das investigações da Polícia Judiciária (PJ) e do Ministério Público (MP), que dizem estar numa fase adiantada. Os que sofrem as consequências da infeção provocada pela bactéria e os que perderam família querem ajuda e saber quem é o culpado.

Rosa Taxeiro, 57 anos, foi uma das primeiras doentes a ser internada no Hospital de Vila Franca de Xira. Esteve internada dez dias com pneumonia, em dezembro teve uma recaída e acabou nos cuidados intensivos. "Disseram que fiquei mal curada. Recuperei, mas não estou normal. Sinto um cansaço enorme, até para subir umas simples escadas, e uma dor debaixo do pulmão direito. Sou asmática e atacou-me mais. O médico disse para não apanhar frio. Só se não sair de casa, mas tenho de trabalhar." Não apresentou queixa. "Não quero dinheiro, a saúde sei que já a perdi. Mas acho que devíamos ter acesso a seguimento gratuito e aos exames e medicamentos que precisamos", lamenta.

Rita Chorão, que apresentou queixa-crime, fala em nome de Manuel, 66 anos. Foi a tia que a avisou de que o pai estava doente quando o ouviu aos gritos em casa, alucinado pelas febres altas. "Ficou muito confuso, tem de ser seguido na neurologia. As convulsões devem ter provocado demência. Não pode viver sozinho. Tivemos de trocar de casa para que ele fique connosco. Fui várias vezes à Segurança Social pedir ajuda, um lar para onde possa ir, mas como recebe um pouco mais de 600 euros dizem que não há vagas de emergência." Rita lamenta a falta de ajuda: "Deviam encontrar uma solução imediata para os que ficaram dependentes, no limiar da pobreza, porque perderam o emprego, vão ficar a tomar remédios para toda a vida."

Jorge Ribeiro, presidente da União das Freguesias da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, explica que os moradores "sentem um vazio porque não há responsáveis. Há um sentimento de culpa solteira, de que o Estado está a falhar."

José António Gomes, presidente da Junta de Vialonga, diz que "as pessoas continuam à espera de saber a quem vão pedir responsabilidades pelo que sofreram".

Processo em fase adiantada

O relatório da Direção-Geral da Saúde, de 15 de dezembro do ano passado, referia que "ficou demonstrada a correspondência da estirpe de bactérias isoladas numa das torres de arrefecimento de uma unidade fabril local com a estirpe identificada em secreções brônquicas de doentes". Finaliza dizendo que "foram remetidos ao Ministério Público os elementos que poderão eventualmente consubstanciar a prática de um crime de poluição".

A Procuradoria-Geral da República diz que "o inquérito está em investigação e os trabalhos já se encontram numa fase avançada". Ao processo do MP foram juntas 211 queixas de lesados diretos e defamiliares. Na PJ, "o processo está numa fase adiantada e dentro de pouco tempo deverá estar concluído", adianta ao DN fonte próxima do processo.

Caso exista um culpado provado, a pena pode ir até nove anos de prisão, adianta Paulo José Rocha, presidente da delegação da Ordem dos Advogados em Vila Franca de Xira. As indemnizações "para uma situação de dano vida para uma pessoa com 50 anos andam à volta dos cem mil a 150 mil euros. Tudo o resto é abaixo deste valor".

Fábricas já foram inspecionadas

As empresas em Vila Franca de Xira estão abrangidas pelo regime de emissões industriais, de 2013, que nada tem que ver a qualidade do ar interior. Para funcionarem têm de ter uma licença ambiental, emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente, a quem remetem relatórios anuais com várias informações, incluindo sobre legionela. A realização das análises tem de ser feita por empresas certificadas.

À Inspeção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) cabe a fiscalização anual para as empresas consideradas de elevado risco e de três em três para as restantes, para verificação das condições da licença. "Todas as empresas tinham sido inspecionadas dentro do prazo e antes do surto. Não havia indícios de incumprimento. Já voltaram a ser inspecionadas depois disso", diz ao DN Nuno Banza, inspetor-geral da IGAMAOT.

O responsável explica que "existe um documento de referência da União Europeia para os operadores com torres de refrigeração que identifica a legionela como um aspeto de risco. Não é suposto haver. Qualquer presença deve levar a atuação imediata". Com o surto, a inspeção voltou ao terreno e detetou legionela numa das torres. Toda informação foi entregue, na altura, à PJ. Uma possível contraordenação está suspensa até prova da existência ou não de crime.

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