Um ano de pensos rápidos. Faltam medidas de fundo
Um país mais exigente, com a população mais sensibilizada para a questão dos incêndios florestais. E uma resposta satisfatória da Provedoria de Justiça aos processos de indemnização aos feridos graves e familiares das pessoas que morreram nos fogos do ano passado em junho e outubro, que provocaram pelo menos 116 vítimas (uma das pessoas internadas em estado grave morreu na quinta-feira).
Estes três pontos são dos poucos em que a atuação do governo, ou entidades a que atribuiu responsabilidades, recebe elogios quando se fala da resposta às catástrofes do ano passado que além da centena de mortes provocaram cerca de 300 feridos e queimaram perto de 100 mil hectares de floresta.
As críticas ouvidas pelo DN são sobre vários temas: a falta de uma estratégia para a gestão da floresta nacional - cuja reforma foi aprovada há um ano, mas pouco avançou -, os atrasos na reconstrução de casas, nomeadamente de segunda habitação, e a reestruturação do dispositivo de combate aos fogos que não avançou.
Queixas que nem os dados avançados ao DN pelo Ministério da Administração Interna sobre os sistemas de prevenção de socorro disponibilizados (como os alertas por mensagem e o "oficial de segurança da aldeia"), o aumento de meios aéreos e humanos (além do reforço das equipas de companhias de intervenção de proteção e socorro da GNR, neste ano o dispositivo aéreo é maior, existindo permanentemente 17 que compara com seis do período 2013-2017), e os divulgados pelo Ministério do Planeamento sobre as casas já reconstruídas (157 em 261), investimentos aprovados para recuperar e reforçar infraestruturas municipais (15,4 milhões de euros) atenuam. E também não satisfazem os agricultores as verbas já disponibilizadas pelo Ministério da Agricultura que garante já ter apoiado cerca de 25 mil com uma verba total de 82 milhões de euros.
CDS quer explicações
No final da semana, o CDS-PP manteve as críticas que tem vindo a fazer ao governo e, pela voz da presidente do partido, Assunção Cristas, anunciou que tinha enviado ao governo mais de 80 perguntas, dirigidas a sete ministérios e ao primeiro-ministro. Entre as questões que decidiu destacar, Assunção Cristas começou pela exigência de saber "quantos portugueses ainda se encontram sem acesso às telecomunicações" e a "que se deve a lista de espera em instalação apresentada nos relatórios da ANACOM sobre a reposição das comunicações nas áreas ardidas".
O número de casas de primeira habitação que já foram entregues aos proprietários depois das obras e o prazo previsto para a entrega das 104 em fase de obra foram outras questões destacadas pela presidente do CDS-PP, que quer também saber quantas casas de segunda habitação têm obras contratualizadas com os municípios. A limpeza das florestas foi outro dos tópicos apontados.
Preocupações que reúnem o consenso partidário e que ilustram, dizem os deputados ouvidos pelo DN, que num ano se devia ter feito muito mais.
"Além da questão das cativações às autarquias e da criação de zonas de servidão onde os agricultores não vão poder produzir, a questão das segundas habitações é outro ponto que nos preocupa", adiantou ao DN o deputado João Dias, do PCP. Para este partido o Estado também devia comparticipar na reconstrução destas casas que "muitas vezes são de primeira habitação e não de segunda. Muitas estão a ajudar a fixar pessoas no interior e não as recuperar é contribuir para o despovoamento", acrescentou João Dias.
Pensos rápidos
As medidas anunciadas pelo governo após um Conselho de Ministros extraordinário, em outubro (ver textos ao lado), pouco acrescentaram à necessária mudança na gestão da floresta e no planeamento de combate aos incêndios. Para algumas das pessoas ouvidas são "pensos rápidos".
"O governo tem feito um esforço grande para ter os meios necessários. Houve um reforço dos meios humanos, do equipamento para as corporações de bombeiros, há mais antenas móveis e sistemas de redundância. Mas, na perspetiva do Bloco de Esquerda, são medidas de apenas pensos rápidos, pois era preciso uma reestruturação do sistema de proteção civil e a sua profissionalização", frisou ao DN Sandra Cunha. A deputada defende que "já se devia estar a trabalhar no longo prazo" no âmbito da proteção civil.
Também Telmo Correia (CDS-PP) acusa o governo de ter prometido apresentar uma lei da proteção civil e de até agora não o ter feito. "Há muitos aspetos estruturais que não foram resolvidos", sublinhou, acrescentando que há uma constatação que tem de se fazer um ano após os incêndios de Pedrógão: "O país mudou. A exigência que há é muito maior. Percebeu-se que houve incúria e incompetência. As pessoas hoje estão mais exigentes."
Luís Lagos, da Associação das Vítimas do Maior Incêndio de Sempre em Portugal, concorda com o deputado centrista na parte da mudança de mentalidades. "O país hoje está mais atento e exigente", reconheceu, queixando-se de que os apoios aos agricultores não têm sido tão rápidos como seria expectável e até diz serem discriminatórios. "O senhor ministro [Capoulas Santos] gosta de dizer que apoiou 20 mil agricultores, não é verdade. Apoiou 20 mil proprietários, o que é diferente. A nossa esperança está na negociação do próximo quadro comunitário de apoio. Portugal tem de defender a coesão territorial", concluiu.
Também Fernando Tavares Pereira, do Movimento Associativo de Apoio às Vítimas dos Incêndios de Midões (Tábua), defende que os trabalhadores da agricultura deviam ser mais apoiados: "As pessoas estão desprezadas. O governo tem feito alguma coisa, mas nada do que diz."
Falta reflexão
Se no caso dos apoios à agricultura e nos investimentos para a recuperação da floresta existem críticas à atuação do executivo - "medidas foram tomadas a quente e muitas até podem ter efeitos contrários como o corte raso que se fez nas árvores e matas", alertou o deputado do PSD Maurício Marques -, também na área da proteção civil se reconhece que se apostou em decisões conjunturais em vez de se ter decisões estruturais.
"Faltou fazer uma reflexão alargada sobre um sistema de Proteção Civil em geral e dos bombeiros em particular", começou por dizer ao DN Duarte Caldeira, ex-presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses e da Escola Nacional de Bombeiros. "É verdade que há mais meios humanos e técnicos, mas isso resulta maioritariamente do alargamento da presença da GNR, embora com sacrifício do dispositivo nacional", acrescentou o presidente do Conselho Diretivo do Centro de Estudo e Intervenção em Proteção Civil.
Já o atual presidente da Liga dos Bombeiros lamenta que as pretensões da sua instituição não tenham sido atendidas. "Defendemos mais autonomia para os bombeiros, até para podermos ser responsabilizados pelas falhas. Continuamos com insuficiência em termos de equipamentos, viaturas. Ao fim de um ano, os bombeiros não receberam nada de novo", frisou, dizendo que está preocupado é com a falta de "planeamento e ordenamento da floresta.
Ou seja, são necessárias mudanças na gestão da floresta e na organização da proteção civil. Ou como disse ao DN Luís Lagos: "O que se tem estado a fazer são os primeiros socorros, a emergência. Quando o que precisamos é de um tratamento aprofundado."