Só Eanes fez do Palácio a sua casa
Foi Marcelo, enquanto jornalista, que deu a notícia ao gabinete presidencial da gravidez de Manuela Eanes
Quando subiu a rampa de entrada para o Palácio de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa estava sozinho. Os filhos, que tinham assistido à cerimónia de tomada de posse na Assembleia da República, não o acompanharam. Com este gesto, Marcelo vincou, mais uma vez, que a sua presidência se circunscreve a si e que o palácio será um espaço exclusivamente de trabalho.
Com exceção de Ramalho Eanes, essa foi também a escolha de Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva. Antes Spínola e Costa Gomes tinham residido em palácio cor-de--rosa por razões de segurança, durante o tempestuoso período pós--25 de Abril. Muito antes, na I República, os presidentes pagavam uma renda avultada para ali morar.
A imagem do dia da posse de Cavaco, em 2006, em que este entra no palácio de mão dada com a primeira-dama, Maria Cavaco Silva, e todos os filhos, quase prenunciava que a numerosa família poderia animar as frias paredes do edifício com 457 anos, mas a residência na Rua do Possolo continuou a ser a sua casa. "Nunca foi ponderada essa possibilidade. O professor e a sua mulher sempre tiveram uma ideia muito clara do limite entre a vida familiar e a vida profissional", recorda um ex-membro do seu gabinete.
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Privacidade, conforto e vontade de manter a vida pessoal separada do rodopio de atividades que uma Presidência da República implica são as razões mais invocadas por colaboradores de Sampaio e Soares. "Simplesmente o Dr. Mário Soares gostava de morar na sua casa. Não havia outra razão especial", recorda Alfredo Barroso, que foi chefe da casa civil de Soares. A chamada ala residencial era, nessa altura, constituída por uma suite presidencial e outros dois quartos. "A única pequena adaptação que se fez foi num piso acima, numa sala que tinha sido o ateliê do rei D. Carlos, o qual Maria Barroso arranjou e decorou e que era onde oferecia chá às visitas", acrescenta Alfredo Barroso. Essa divisão é conhecida por sala de bilhar, pois tem também uma mesa desse jogo.
"No palácio não se tem privacidade nenhuma. Há sempre empregados, funcionários, seguranças. Tanto Mário Soares como Jorge Sampaio tinham muitos amigos, com quem gostavam de estar e isso era mais fácil nas suas casas", salienta Pedro Reis, que acompanhou ambos os chefes de Estado. O ex-assessor de Belém lembra que "nenhum considerou sequer a hipótese" de ali viver, "até por uma questão de conforto.
Pedro Reis recorda que a ala residencial também foi "bastante útil" para Soares. "Gostava de dormir a sua tradicional sesta. Tinha de ser num quarto escuro e quente. Bastavam uns 45 minutos e ficava como novo."
Piscina para os filhos
Ramalho Eanes, a sua mulher, Manuela, e o filho mais velho, Manuel, passaram a residir em permanência no Palácio de Belém, pouco depois da sua eleição, em junho de 1976.
A moradia da família, no bairro lisboeta da Madredeus, era diariamente cercada por populares, uns apoiantes, outros não tanto. "Estávamos num período à beira da guerra civil e a casa era muito vulnerável, Para a tornar segura tinha de ser feito um investimento avultado. A família não tinha nenhuma tranquilidade", recorda um ex-colaborador da casa civil. Com um filho de 4 anos, Eanes instalou-se no palácio, depois de umas pequenas obras de restauro. O velho palácio ganhava uma alma nova. Ainda maior quando se soube que outro filho estava a caminho. O staff de Eanes recebeu a notícia... por Marcelo Rebelo de Sousa, ao tempo diretor do jornal O Semanário.
"Telefonou-nos a perguntar se era verdade que Manuela Eanes estava à espera do segundo filho. Ninguém sabia de nada, mas para o Marcelo estar a perguntar era porque devia haver alguma coisa. Não confirmámos e dissemos-lhe que o contactaríamos mais tarde. Perguntou-se ao presidente e ele olhou-nos com um invulgar sorriso no rosto. "Sim, é verdade", confirmou." Miguel nasceu a 20 de outubro de 1977. "A área pessoal era separada dos gabinetes de trabalho, mas por vezes ouvia-se choros do bebé. O general ficava logo de sobreaviso, mas sabia que a Dra. Manuela estava perto", relata esse colaborador. As crianças brincavam e andavam de bicicleta no jardim e até foi construída uma pequena piscina. "Era uma casa com vida, onde morava uma família perfeitamente normal", salienta.