SEF paga hotel a motorista para levar diretora a casa

Finanças estão a avaliar um pedido feito pelo SEF para pagar uma casa de função à diretora adjunta, regalia que a lei não permite. Ministério da Administração Interna dá aval à decisão de custear deslocações de Cristina Gatões.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) autorizou a sua diretora adjunta, Cristina Gatões, a usar carro e motorista do serviço nas deslocações para casa, em Coimbra, uma situação não prevista na lei. A direção deste serviço de segurança, liderado por Carlos Moreira, paga ainda hotel, ajudas de custo e horas extraordinárias ao motorista para que a dirigente vá de Oeiras, onde se encontra a sede do SEF, pernoitar a sua casa durante a semana de trabalho. O Ministério da Administração Interna (MAI) tem conhecimento da situação e apoia a decisão. Os sindicatos do SEF estão divididos: o dos inspetores concorda, o dos funcionários considera a situação, que dura desde que a diretora tomou posse, em novembro passado, "no mínimo, moralmente discutível".

Questionado pelo DN, o SEF confirma as despesas em causa, que "reportam ao alojamento do motorista que acompanha a diretora nacional adjunta à sua residência oficial" e alega que se trata de uma medida provisória até que as Finanças autorizem, excecionalmente, a atribuição a Cristina Gatões de uma casa de função, em Oeiras. A dirigente, inspetora do SEF desde 1992, explica o Serviço, "tem residência oficial em Coimbra, pelo que foi necessário adotar esta solução em virtude de se encontrar ainda em curso o procedimento para a atribuição da casa de função, o qual foi despoletado no final de novembro junto da Unidade de Gestão Patrimonial da SGMAI e posteriormente na Direção-Geral do Tesouro e Finanças do Ministério das Finanças". O DN contactou o gabinete de Mário Centeno para saber do estado do processo, mas este ainda se encontra em análise pela referida Unidade de Gestão, segundo fonte oficial.

No entanto, se derem luz verde a esta pretensão, as Finanças estarão a abrir uma exceção. De acordo com o estatuto de pessoal do SEF, só "têm direito a habitação por conta do Estado ou atribuição de um subsídio de residência o diretor-geral e os diretores regionais". Nada previsto para os adjuntos.

Esta legislação permite ao "pessoal de investigação e fiscalização que seja colocado ou deslocado em localidade fora da área da sua residência permanente e não possua habitação por conta do Estado, o direito a um subsídio de residência mensal" cujo valor "é igual ao da renda efetivamente paga, até ao limite de 175 euros, atualizável por portaria dos ministros da Administração Interna e das Finanças". O DN sabe que Cristina Gatões quer um apartamento, perto da sede, no Taguspark de Oeiras, cuja renda é significativamente superior a esse valor.

Contactados pelo DN, outros responsáveis do SEF não esconderam a sua surpresa com o caso. "O estatuto de pessoal é claro", afirma uma destas fontes, sublinhando que "é inédito e impensável permitir a utilização de um motorista do serviço, pagando-lhe até hotel, para uma deslocação pessoal". Estas fontes questionam como será justificada a despesa, para a qual desconhecem cabimentação orçamental definida, alertando para as consequências para o SEF, caso o Tribunal de Contas ou a Inspeção--Geral da Administração Interna (IGAI) façam uma auditoria. "A única aproximada seria o pagamento de deslocações, mas essas teriam de ser em serviço, o que não é claramente o caso", assinalam.

Direito às deslocações

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, por seu turno, garante que é tudo dentro da lei. "Trata-se de despesas com prévia cabimentação orçamental, pelo que estão contempladas na Lei de Enquadramento Orçamental e no Regime da Administração Financeira do Estado". Segundo informações recolhidas pelo DN, estas deslocações estariam a ser justificadas, irregularmente, como despesas de serviço. O Ministério da Administração Interna nega, mas não diz como estão a ser justificadas no orçamento.

Os sindicatos mais representativos do SEF estão divididos na sua opinião sobre o caso. O Sindicato da Carreira de Inspeção e Fiscalização (SCIF), que representa a inspetora Gatões, frisa que "em caso algum se podem permitir no SEF irregularidades formais, nomeada- mente quanto à imputação de despesas", mas que, "tanto quanto o SCIF sabe, neste caso não se verificou nenhuma irregularidade".

O presidente, Acácio Pereira, sublinha ainda que "em nenhuma situação os inspetores do SEF podem ser prejudicados na sua carreira profissional pelo facto de não viverem em Lisboa". E que "o único critério para a nomeação de altos cargos no SEF deve ser a competência e as qualidades profissionais". Classifica ainda de "absolutamente lamentável a incompetência da Direção-Geral do Tesouro e Finanças do Ministério das Finanças, ao não atribuir, desde novembro, uma casa de função à diretora nacional adjunta. Com isto não só está a sacrificar gratuitamente um alto cargo no seu dia-a-dia, como indiretamente está a aumentar as despesas do Estado para obviar à incompetência do Ministério das Finanças".

Incómodo com a situação

Com mais dúvidas sobre a legalidade da situação está o Sindicato dos Funcionários do SEF (SINSEF): "Que seja do nosso conhecimento, o Decreto-Lei 290A-2001 [estatuto do pessoal do SEF] não foi revogado e é bem claro quanto a quem tem direito a casa de função", diz a presidente, Manuela Niza.

Esta dirigente sindical não esconde o "incómodo" que causa esta situação entre os funcionários. "Pelo que sabemos, o seu enquadramento legal pode ser duvidoso, mas é também, no mínimo, moralmente discutível. Está em causa um aproveitamento dos bens do Estado", assevera.

A resposta do SEF foi enviada ao DN com conhecimento do Ministério da Administração Interna. Solicitado a revelar a sua posição sobre o assunto, o gabinete de Eduardo Cabrita não respondeu.

Um inspetora com sete vidas

Conhecida por ser uma inspetora determinada e ambiciosa, Cristina Isabel Gatões Batista é conhecida no setor da segurança pela "Gatões das sete vidas", por ter "sobrevivido", tal como os gatos a quedas, a alguns casos polémicos. Dois deles foram recentemente contados pela revista Visão (cuja veracidade o DN também confirmou): a atual diretora-adjunta assinou um cartão de residência, com todos os campos em branco, quando dirigia a delegação do SEF em Coimbra, o que foi uma grave quebra de segurança. A outra situação, segundo a Visão, reporta a 2016 quando Cristina Gatões, contrariando um parecer de segurança do serviço, autorizou vistos para dois líbios que, alegadamente, vinham a Portugal tirar um curso de piloto.

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