SEF suspende inspetora depois de ignorar primeiros sinais de corrupção
A inspetora que o SEF suspendeu este mês por indícios de corrupção, já tinha sido alvo de um processo disciplinar interno desencadeado pela anterior direção, mas que o novo diretor, Carlos Moreira, mandou arquivar em outubro de 2017, ignorando os indícios criminais já aí detetados. A funcionária terá sido, desta vez, apanhada em flagrante a receber dinheiro de um advogado - que já tinha também sido referenciado no anterior processo - quando estava a ser investigada pelo Ministério Público (MP) no âmbito de um inquérito criminal.
O procedimento disciplinar interno foi conduzido de 2016 a 2017 e detetou, além de factos que podiam configurar crimes de corrupção, várias irregularidades na concessão de vistos, apontando responsabilidades até ao topo do SEF, incluindo uma subdiretora regional e um subdiretor nacional. Carlos Moreira, recebeu o inquérito concluído assim que tomou posse e, conforme o DN noticiou, mandou-o arquivar, isentando todos os visados de sanções, permitindo a continuação da atividade criminosa, pelo menos, por parte desta inspetora. O SEF nunca explicou a decisão, que teve o apoio do ministro da Administração Interna.
Confrontado com esta situação, o SEF alega apenas que o arquivamento "foi fundamentado, atentos os factos apurados à época" e que o processo disciplinar desta inspetora "tinha factualidade diversa daquela que culminou na sua recente constituição como arguida". No entanto, de acordo com os factos apurados pelo DN, logo nessa altura os indícios criminais já eram suficientemente fortes para levarem à abertura de uma investigação criminal ou, pelo menos, o envio desta informação ao MP.
A inspetora foi coordenadora do posto de atendimento de Alverca e, segundo o que foi apurado pela inspeção do SEF no âmbito do inquérito disciplinar, concedeu autorizações de residência a estrangeiros que não reuniam os requisitos legais, incluindo a um paquistanês que estava proibido de entrar no espaço Shengen. Conforme o DN noticiou na altura do arquivamento - que obrigou o ministro da Administração Interna a prestar esclarecimentos no parlamento - o SEF não chegou a cumprir o que era proposto pelo coordenador do Gabinete de Inspeção, nem no que dizia respeito às sanções disciplinares, nem a extração de certidões sobre os indícios de corrupção detetados e o seu envio ao MP.
Só que, nessa altura, a coordenadora já estava a ser investigada noutro processo, liderado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Loures, por factos semelhantes aos detetados na inspeção interna, nomeadamente receber dinheiro ilícito para a concessão de vistos. Foi no âmbito deste processo-crime que, no passado dia 15 de maio, o SEF anunciou que tinha suspendido de funções a inspetora "no âmbito de uma investigação criminal em que se investigam indícios da prática dos crimes de corrupção, auxílio à imigração ilegal, abuso de poder e prevaricação".
Auditoria em curso
O DN questionou o gabinete do ministro Eduardo Cabrita, que não enviou resposta, e a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), que desde 2016 tem aberta, sem conclusões, uma auditoria a estas irregularidades na concessão de vistos. "A auditoria ainda corre os seus termos, não se vislumbrando, por ora, uma data para o seu encerramento", diz o gabinete da Inspetora-Geral, a juíza desembargadora Margarida Blasco, já reconduzida este ano. Explica que esta auditoria "visa, fundamentalmente, saber se algum funcionário do SEF colocou, na sua relação com os cidadãos, em crise, gravemente, direitos fundamentais e, acessoriamente, indagará outros procedimentos. Caso se verifique a existência de más práticas ou práticas de crimes, emitirá recomendações e apresentará propostas de abertura de processos de natureza disciplinar nas Forças e Serviços de Segurança e demais serviços tutelados pelo MAI e monitorizará, de forma indireta, eventualmente, as participações ao MP".
O Gabinete de Inspeção do SEF, à data, que conduziu o inquérito durante um ano (2016/2017) e reuniu 15 volumes de provas, acusou sete funcionários, entre os quais um ex-diretor nacional adjunto, Luís Gouveia (até dezembro de 2015), outra a ex-subdiretora regional de Lisboa, Paula Maria Azevedo Cristina (depois Diretora Regional da Madeira). Ambos foram, já por esta direção, autorizados a exercerem cargos no estrangeiro: Luís Gouveia na Representação Permanente Portuguesa, em Bruxelas, Paula Cristina na Frontex. Caso as sanções propostas tivessem sido deferidas pela direção, ficariam impedidos de ser nomeados para estas comissões de serviço.