Roseta quer que seja possível votar contra. Porque há sempre alguém que diz não
A deputada do PS defende que se admita na eleição de pessoas na Assembleia da República o que se tornou possível em Lisboa. Pretexto: a eleição de Fernando Negrão
É mesmo assim. No Parlamento, os boletins de voto para a eleição secreta de pessoas não têm um quadrado que permita ao deputado votar "contra". Nem quando se trata de eleições para órgãos externos à Assembleia da República - várias, desde o Provedor de Justiça a juízes do Tribunal Constitucional, passando por representantes em várias outras entidades - nem quando se trata da eleição de um líder parlamentar.
Fernando Negrão, no PSD - que hoje se estreará como líder parlamentar num debate quinzenal com o primeiro-ministro - foi há dias presenteado pela sua bancada com 32 votos brancos e 21 nulos. Mas mesmo assim considerou-se eleito, com os 35 votos favoráveis que lhe restaram, porque o boletim não permitia nenhum voto claramente "contra". Em teoria, não havendo a possibilidade desses votos "contra", Negrão até poderia ser eleito com apenas um voto a favor - o seu? -, com os restantes 88 deputados da bancada do PSD a votarem em branco ou a anularem o voto.
No Parlamento, na eleição de pessoas para órgãos externos - ou até para órgãos internos, como o próprio cargo de presidente da Assembleia da República - os chumbos só ocorrem por falta de um número mínimo de votos favoráveis necessários legalmente (por exemplo: dois terços dos deputados) e nunca porque o número de votos contra é superior ao número de votos a favor. Tem acontecido recentemente com a candidatura do PS ao Conselho Superior de Segurança Interna. Jorge Lacão foi chumbado duas vezes por não ter tido dois terços de votos a favor e depois dele um outro deputado socialista, Fernando Anastácio.
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O caso de Negrão levou a deputada do PS Helena Roseta - uma das mais veteranas deputadas no Parlamento, fundadora da democracia enquanto deputada constituinte - a sugerir, em declarações ao DN, que os trabalhos de revisão do regimento da Assembleia da República, agora a iniciarem-se, mudem os boletins de votos, nomeadamente quando se trata de eleger pessoas para órgãos externos à AR (porque internamente os partidos organizam-se como quiserem).
"As pessoas têm de ter a liberdade de votar contra, é uma questão de transparência", diz - e assumindo, logo de seguida, na primeira pessoa, o que acontece quando essa possibilidade não existe: "Eu já tive de riscar um boletim todo porque não podia votar contra."
Segundo conta, foi essa situação - que, como se viu no caso de Negrão, pode provocar problemas de legitimidade dos eleitos, fragilizando-os - que a levou a mudar os métodos na Assembleia Municipal de Lisboa, a que preside desde 2013, eleita como cabeça de lista do PS. Porque "mudando os métodos, mudam os resultados", Helena Roseta dinamizou uma mudança de práticas no "parlamento" da capital, fazendo com que nos boletins de votos para a eleição de pessoas passasse a ser possível o voto contra. E, segundo conta, não houve daí nenhum mal ao mundo. As votações continuaram a ser feitas como eram feitas antes. Da mudança não resultou qualquer bloqueio.
Roseta faz esta proposta no contexto de um processo de alterações do regimento da Assembleia da República que Ferro Rodrigues quer iniciar. Uma matéria que está em debate é a das votações por bancada, para evitar eventuais votações contrárias por bancada às que se verificam por votos nominais, dado o quórum na sala.
Também foi consensualizado o esforço para que o agendamento de iniciativas legislativas seja feito quando as propostas já deram entrada ou dão entrada durante a conferência de líderes em que sejam agendadas (e assim não se agendem para o plenários diplomas antes destes verdadeiramente existirem).
Sem consenso permanecem ainda os prazos para os agendamentos potestativos (agendamentos impostos apesar de terem oposição maioritária).