‘Ronaldo do Ecofin’ promete ser “crítico” à frente do Eurogrupo
Sem grande surpresa, Mário Centeno, o ministro das Finanças português, anunciou ontem que está na corrida à presidência do Eurogrupo. E aparece como favorito, à frente da letã Dana Reizniece-Ozola, do luxemburguês Pierre Gramegna, e do eslovaco Peter Kazmir, tendo conseguido o apoio dos líderes europeus, de acordo com o Financial Times. O “Ronaldo do Ecofin”, como lhe chamou o ministro alemão Wolfgang Schäuble, promete dar um “contributo construtivo, crítico às vezes” para a construção europeia e reforço do bloco do euro. A candidatura portuguesa procura estabelecer consensos e “reunir todos” à volta dos desafios que a moeda única europeia enfrenta, defende António Costa, que se multiplica em contactos de última hora para garantir a eleição.
A eleição “é positiva e prestigiante para o país. É um bom prémio para Mário Centeno, que tem atuado num contexto difícil”, defende Bagão Félix, antigo ministro das Finanças, em declarações ao DN/Dinheiro Vivo. Mas nem tudo serão rosas para o ministro português: a condução das contas públicas de Portugal vai ficar ainda mais sob os holofotes das críticas. O presidente do Eurogrupo terá responsabilidades acrescidas no seu próprio país. “Poderá ser um desafio para Centeno gerir a tensão entre o papel de ministro das Finanças desafiador das regras europeias, e o de presidente do Eurogrupo que deve defender essas mesmas regras. Será um problema, terá de ponderar como gerir, nomeadamente entre o que defenderá lá fora e cá dentro”, acrescenta Daniel Bessa, antigo ministro da Economia.
Não vai ser fácil a Mário Centeno “conciliar” as funções de ministro e de presidente do Eurogrupo. “Vai depender de como vai conseguir funcionar com os seus secretários de Estado”, considera Bagão Félix.
Mas a exigência relativamente a Portugal irá aumentar com a eventual eleição de Mário Centeno para líder do Eurogrupo? “A exigência será igual à de outros países. Ser exigente relativamente a um país com uma dívida pública de 130% do PIB é natural”, explica Luís Campos e Cunha. “É importante para Portugal ter este destaque a nível internacional. Já tivemos Durão Barroso com dois mandatos à frente da Comissão Europeia e temos agora António Guterres a liderar a ONU”, deixa claro o também antigo ministro das Finanças.
Consensos
“É com espírito construtivo” que abraço este desafio. “É possível conciliar” as políticas de consolidação orçamental com o “fortalecimento da economia e do tecido social. Vamos ter esse contributo construtivo, crítico às vezes, que permite encontrar caminhos alternativos”, garantiu Mário Centeno na conferência de imprensa em que anunciou formalmente a sua candidatura à presidência do Eurogrupo, o órgão que coordena as políticas orçamentais e económicas dos países da União Europeia.
Questionado sobre como vai conciliar o cargo com algumas posições críticas que tem assumido em relação às regras europeias, nomeadamente para o cálculo do saldo estrutural para efeitos do défice, o ministro garantiu que nunca abdicará das suas posições mas procurará “sempre consensos” e dar o seu “contributo construtivo para encontrar caminhos alternativos”. “Já demonstrámos [governo português] que sabemos como fazer. E trazer isso para um nível europeu será seguramente um desafio que abraçaremos com todo o gosto”, acrescentou, reforçando a ideia de que também “na Europa é possível aliar objetivos de consolidação orçamental ao crescimento económico inclusivo”. “O euro deve ser um instrumento que promova a convergência económica e social”, defendeu. E o que é que o país ganha caso venha a ser eleito? A resposta veio pronta: irá “projetar” e “afirmar “a posição de Portugal na zona euro e no contexto europeu”.
Na carta de motivação que apresentou em Bruxelas para formalizar a candidatura, Centeno defende uma reforma da instituição, cuja estrutura “tem de tornar-se mais resiliente, promover a convergência económica e ir ao encontro das expectativas” dos cidadãos. Pretende maior integração entre os países da zona euro, com mecanismos que respondam convenientemente às crises e promovam o crescimento económico. “O futuro presidente do Eurogrupo deve também promover a implementação de um quadro de supervisão orçamental totalmente credível e de mecanismos de coordenação política mais robustos (…) Como mostra o meu percurso como ministro português das Finanças, estou profundamente comprometido com a implementação do Pacto de Estabilidade e Crescimento”. Uma posição que não deverá ser bem recebida pelas forças políticas - BE e PCP - que suportam o governo português.
FT diz que é o favorito
O ministro português é apontado como o favorito para suceder ao holandês Jeroen Dijsselbloem, escreve o Financial Times . António Costa não se poupa a esforços e, para garantir apoios, reuniu, na quarta-feira, com os chefes de Estado de Itália, França e Alemanha, à margem da cimeira União Europeia/União Africana, na Costa do Marfim. E vai manter uma agenda intensa de contactos internacionais nos próximos dias. Hoje, em São Bento, o primeiro-ministro recebe a meio da tarde a comissária europeia para a política regional, a romena Corina Cretu, seguindo-se uma reunião com o vice-presidente da Comissão Europeia, o holandês Frans Timmermens.
“É positivo termos uma visão diferente da de Dijsselbloem [o atual presidente]”. “Como não acredito que a austeridade permanente funcione, tudo o que seja uma porta aberta para que assim não seja, é bom”, afirmou ao Negócios o economista João Ferreira do Amaral. “Mas o poder dele é limitado: ou seja, é positivo, mas não alterará o essencial das políticas da zona euro.”
“A Europa estaria mal se cada vez que muda uma pessoa, a política pudesse mudar”, defende João Ferreira do Amaral. “Nos últimos anos, empolou-se demasiado a função do presidente do Eurogrupo. Fica a sensação de que o lugar vale mais do que realmente vale”, conclui Bagão Félix. Segunda-feira vai-se saber quem ganha.