Professores sem trabalho vão formar desempregados
Há 800 lugares para formadores no Instituto de Emprego e Formação Profissional. Uma oportunidade que está a ser aproveitada pelos professores sem escola para continuarem a fazer aquilo que sabem: ensinar. O concurso está a decorrer (acabaram de ser publicadas as listas dos candidatos que passam à fase de entrevistas) e os selecionados vão dar cursos de educação e formação que dão equivalência ao 6.º, 9.º e 12.º anos, a quem está à procura de emprego. "No fundo trata-se de sair do desemprego para formar desempregados, mas alguém tem de o fazer", aponta Juliana Anjo, professora de História e formadora do IEFP desde o ano passado.
O concurso que está a decorrer, obrigada a que os candidatos não estejam vinculados a nenhuma entidade empregadora, ou seja, não podem ser professores com horários incompletos a tentar preencher as horas em falta. A primeira fase do concurso foi, no entanto, exclusiva para professores do quadro que não têm turmas atribuídas e depois aberto a todos os formadores ou professores.
Quem concorre fica ordenado numa lista pelo tempo de serviço (como acontece nas contratações do Ministério da Educação) e depois vão sendo chamados de acordo com essa ordem e à medida que os centros de emprego vão precisando dos formadores. Ou seja, apesar de existirem 869 vagas estas referem-se ao período entre 2016 e 2018 e os professores podem ser chamados ao longo deste tempo. Tal como explica a nota do lançamento do concurso: "O número de vagas referido (...) será sucessivamente preenchido durante o período 2016-2018 pelos candidatos selecionados." Foi isto que aconteceu a Juliana Anjo. Concorreu em 2012 para as vagas dos centros de emprego, mas apenas foi chamada em 2015.
A professora de 36 anos e está neste momento num contrato transitório à espera dos resultados deste concurso. "Tive um contrato de um ano em 2015 e agora temos um contrato de janeiro a abril que é quando começam as vinculações dos novos colocados."
De acordo com os documentos do IEFP estes formadores ganham 14,40 euros por hora e serão contratados para 30 horas de formação semanal, em média. O que dá um ordenado ilíquido de 1728 euros mensais. Mais elevado do que o valor pago aos contratados anuais e com horário completo (1500 euros).
Das 869 vagas a concurso, a maioria é para a área de Português (139), segue-se Matemática (135) e depois Inglês (112). O Norte e Lisboa são as duas áreas onde há mais lugares disponíveis. O IEFP espera que os formadores sejam responsáveis pelo "desenvolvimento de formação profissional" e de "atividades extramonitoragem, nomeadamente, planificação e organização da formação" ou "desenvolvimento de atividades de diagnóstico e de avaliação dos formandos".
Juliana dá aulas de "cidadania com variantes de acordo com o nível da formação, se for de equivalência ao 6.º, 9.º ou 12.º anos. Por exemplo, até ao 9.º ano chama-se cidadania e empregabilidade e depois é cultura, língua e cidadania". Estes cursos dão um certificado de "equivalência a uma escolaridade a quem frequenta como também tem a vertente profissional. Os formandos são todos recrutados via centro de emprego, mas podem já não estar a receber subsídio", explica a formadora do Porto.
Alternativa às escolas
Com uma colocação cada vez mais difícil nas escolas públicas, Juliana viu, tal como milhares de outros colegas, no recrutamento do IEFP a solução ideal. "Permite-nos manter ligados à área de formação e ainda conta para o tempo de serviço. Quando tiver oportunidade volto para a escola", admite.
Embora reconheça que se sente bem a dar formação a adultos. "Tem muito que ver com a motivação de cada um. Dar formação a adultos tem coisas positivas e negativas, como dar aulas a crianças e a jovens também tem coisas boas e más." Um dos inconvenientes para os formadores do centro de emprego são as deslocações. "Estou sediada no Porto, mas acabei de chegar de Cinfães de uma formação", aponta Juliana Anjo. No entanto, esta contratada do IEFP lembra que, quando dava aulas, a "falta de estabilidade também me obrigava a completar horário em mais do que um local".
Aliás, foi essa instabilidade que a obrigou a recusar uma escola na semana passada. Era "um contrato precário e enquanto a escola não der estabilidade não volto. Vou dar aulas oito horas para depois não ter dinheiro para comer, nem tempo de serviço suficiente?", questiona.
Por isso, a professora mantém-se nos centros de emprego. "Até concorri a 20 centros de emprego porque as vagas não são muitas e não quero arriscar, porque o que eu gosto é de dar aulas e esta é uma outra saída profissional dentro da área." Juliana espera que estes contratos sucessivos lhe deem tempo de serviço suficiente para chegar a um horário bom numa escola. "É um trampolim para uma situação melhor e já vi outros fazerem isso."
Calendários incompatíveis
Apesar de esta ser uma oportunidade cada vez mais atrativa para os professores desempregados - recorde-se que dos 26 730 que concorreram às escolas, apenas ficaram colocados, em setembro, 3782 - ainda há arestas a limar, aponta o presidente da Associação Nacional dos Professores Contratados (ANVPC). Uma delas é a precariedade, "trata-se apenas de contratos anuais", refere César Israel Paulo.
Outra questão é a data dos concursos. As contratações das escolas são feitas com base nos anos letivos e as do IEFP em anos civis. "Os concursos estão desfasados em datas e podiam ser articulados. Porque os professores que concorrem ao IEFP não podem ter vínculos com o Ministério da Educação", aponta o dirigente.
Também a área geográfica a que os formadores ficam afetos e que "são muito grandes" e "a carga burocrática a que estão sujeitos", merecem críticas por parte da ANVPC. "Ao contrário do trabalho nas escolas, nos centros de emprego não há horas de serviço no contrato para preparar os módulos. Os formadores têm de fazer esse trabalho fora do horário."