Portugal sobe para o top 3 mundial da doação de órgãos

Ao nível do número de transplantes, estamos no sexto lugar de uma lista liderada pela Espanha

Portugal subiu de quarto para terceiro país do mundo com mais dadores de órgãos para transplantação. Tendo em conta o relatório sobre transplantes do Conselho da Europa, com dados de 2016, o nosso país tem 32,7 dadores falecidos por milhão de habitantes (mais 1,7 do que no ano anterior), apenas ultrapassado pela Espanha (43,8 dadores por milhão de pessoas) e Croácia (39,5). Já ao nível do número de transplantes, apesar de termos subido de 77,2 para 79 doentes transplantados por milhão de habitantes, estamos em sexto lugar de uma tabela também liderada por Espanha. A principal explicação para esta diferença tem que ver com o facto de termos dadores cada vez mais velhos, o que faz que a qualidade dos órgãos aproveitáveis para transplantação desça. Ao todo, no ano passado fizemos 864 transplantes, mais 40 do que em 2015.

A coordenadora Nacional de Transplantação adiantou ao DN, no dia em que a Comissão Europeia publicou um relatório sobre o impacto dos planos de ação na transplantação nos países europeus, que entre 2008 e 2016 Portugal teve um aumento de 22% na doação, o que nos coloca em terceiro lugar a nível europeu e mundial (à frente, por exemplo, dos Estados Unidos da América, que têm 30,8 dadores falecidos por milhão de habitantes). Em 2009, conseguimos mesmo ser o segundo país do mundo a ter 30 dadores por milhão de habitantes.

Um resultado que muito se ficou a dever à aplicação de um modelo semelhante ao espanhol, líder nesta área. "A nossa mais-valia é o modelo de organização, com pessoas treinadas, desde os coordenadores hospitalares de doação [figura criada em 2008, com formação específica para a deteção e avaliação de potenciais dadores de órgãos e tecidos para transplantação, preferencialmente das áreas dos cuidados intensivos, urgência, emergência e anestesia] até aos cinco gabinetes de colheita e transplantação, nos grandes hospitais, que coordenam a ligação com os centros de transplantação", frisa Ana França, que faz parte do Instituto do Sangue e Transplantação.

Em Portugal, como na maioria dos países europeus, existe um consentimento presumido, o que equivale a dizer que são considerados como potenciais dadores todos os cidadãos que morram numa unidade de saúde e que não tenham manifestado, num registo nacional criado em 1994, ser não dadores. "Sempre que há possibilidade de doação, a família é consultada. Nos casos em que os potenciais dadores se registaram, o processo de doação não avança. Mas o que se nota é que temos uma população muito solidária", adianta Ana França, que explica ainda a razão para a esmagadora maioria dos dadores continuarem a ser os falecidos: "Porque só é possível usar órgãos de dadores vivos (onde Portugal ocupa o 8.º lugar na lista dos países europeus) nos transplantes de rim e numa parte do fígado."

Mas o que justifica que sejam aproveitados muito menos órgãos do que os que estão disponíveis para colheita? "Tem que ver com a qualidade dos órgãos", justifica a coordenadora da Transplantação. "Temos dadores mais velhos, o que faz que muitas vezes o único órgão aproveitável seja o fígado. O coração, por exemplo, é mais exposto à idade e temos sempre de ter em atenção a recuperação do recetor." Facto que explica que Portugal esteja no top 3 de transplantes de fígado (com 26,4 transplantes por milhão de habitantes), apenas atrás da Croácia (28 por milhão de pessoas) e quase iguais à Bélgica (26,5 por milhão). Por outro lado, nos transplantes cardíacos somos o 12.º país na lista europeia, com 4,1 transplantes por milhão de habitantes.

Destaque para a organização

Eduardo Barroso lidera o Centro Hepato-Bilio-Pancreático e Transplantação do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, e só no ano passado fez 134 transplantes de fígado. Este ano já realizou 117 - "somos o único centro a nível europeu, tirando os ingleses, a alcançar a fasquia dos cem transplantes por ano" -, três dos quais no último fim de semana, exemplos de como a idade não afeta a qualidade dos órgãos nesta área. "Um deles era de um dador com quase 80 anos, com provas de função hepática normais. É de facto um órgão mais usado porque também o conseguimos aproveitar em idades mais avançadas. Por exemplo, temos um fígado transplantado pela nossa equipa que já vai nos 120 anos", ilustra Eduardo Barroso.

A nível local, o cirurgião destaca a organização das escalas da sua equipa para justificar os bons resultados - "com o regime de financiamento que temos, só recebemos se fizermos os transplantes, portanto temos a obrigação moral de não falhar um dador"-, e a nível nacional destaca o sucesso da criação dos coordenadores hospitalares. "A nível pessoal, a minha principal preocupação era formar, garantir o futuro. Agora o meu principal receio é que instituições estrangeiras venham roubar os nossos especialistas", faz questão de realçar.

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