Portugal irritado com apoio de Ban Ki-moon a uma mulher na ONU
Líder das Nações Unidos quer ver uma mulher no cargo que ocupa. Ministro dos Negócios Estrangeiros não gostou
A duas semanas da terceira votação informal sobre os 11 candidatos a secretário-geral das Nações Unidas, o atual líder da organização decidiu mudar as regras do jogo e entrar na campanha. "Já é tempo" de ter uma mulher à frente da ONU, disse Ban Ki-moon, sem apontar nomes. Na corrida estão seis homens, entre eles António Guterres, e cinco mulheres.
O governo português não gostou e ao DN o ministro dos Negócios Estrangeiros respondeu: "Como o próprio disse, não compete ao secretário-geral em funções escolher o próximo." Augusto Santos Silva referia-se às afirmações de Ban Ki--moon, em maio durante uma visita a Portugal, quando se recusou a responder se o ex-primeiro-ministro teria boas possibilidades de atingir o cargo por considerar que tinha de ser imparcial. "Como secretário-geral tenho de ser neutral e imparcial neste processo, mas estou confiante no novo processo de escolha do meu sucessor, que é muito transparente, pelo que espero francamente que funcione", sublinhou na altura o sul-coreano ao Expresso.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
Uma posição que agora decidiu mudar. "Temos muitas líderes mulheres distintas e eminentes em governos nacionais ou em outras organizações ou mesmo em comunidades empresariais, políticas e culturais, e em todos os aspetos da nossa vida. Não existe nenhuma razão para que isso não aconteça nas Nações Unidas", comentou ontem, nos EUA, Ban Ki-moon, que está na reta final do seu segundo mandato de cinco anos e cujo o sucessor é conhecido entre setembro e outubro.
Diplomatas portugueses e especialistas no tema da ONU também revelaram indignação com a posição do líder das Nações Unidas. "É uma declaração infeliz e que jamais deveria ser proferida por alguém que deveria ser imparcial e manter a neutralidade e muito menos num momento como este, em que já estamos nesta fase avançada da votação", disse ao DN o embaixador Francisco Seixas da Costa.
Para o antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus entre 1995 e 2001, de um governo chefiado por Guterres, a entrada de Ban Ki-moon na campanha não deverá influenciar a escolha. E a Guterres deixa um conselho: "Não deve tomar posição, esta declaração veta-se a si própria, basta-se a si própria. Guterres deve ignorá-la e não lhe dar qualquer valor."
Apesar de admitir tratar-se de uma tentativa de pressão para a eleição de uma mulher, na opinião de Mónica Ferro, especialista no sistema da ONU e cooperação internacional, as polémicas declarações de Ban Ki-moon não irão prejudicar a candidatura de Guterres. A ex-deputada do PSD, no entanto, não esconde o desagrado que lhe causaram: "Ban Ki-moon tem toda a legitimidade e dever de promover a paridade entre géneros nas nomeações da organização. Mas teve dez anos para o fazer e não o fez. Com ele não houve nenhuma inversão da prática das Nações Unidas. Poderia ter nomeado para vice-secretário-geral uma mulher e não o fez. Por isso entendo esta posição como uma declaração de final de mandato, não uma declaração de guerra contra Guterres, mas sim uma forma de dizer "fiz tudo para que fosse nomeada uma mulher"."
Mónica Ferro considera que o antigo Alto Comissário da ONU para os Refugiados tem a noção plena de que existe um "grupo de pressão" de Estados, organizações não-governamentais e entidades da sociedade civil que querem uma mulher á frente da ONU e têm-se mobilizado nesse sentido. "É natural que possam ter sensibilizado Ban Ki-Moon para este objetivo", conclui.
Em 70 anos as Nações Unidas tiveram oito secretários-gerais, todos homens, apesar da carta da ONU, assinada em São Francisco a 26 de Junho de 1945, ser o primeiro tratado internacional a afirmar a igualdade entre homens e mulheres.
De acordo com as mesmas declarações, Ban Ki-moon frisou que a decisão de escolher o próximo líder das Nações Unidas não será sua, recordando que compete aos 15 Estados-membros do Conselho de Segurança recomendarem um candidato e a respetiva aprovação aos 193 membros da Assembleia-geral. Nas duas votações informais já realizadas ( a 21 de julho e 5 de agosto), António Guterres foi o candidato mais apoiado.