Portugal ao lado da Colômbia pela paz

Marcelo Rebelo de Sousa transmitiu pessoalmente ao presidente colombiano o apoio incondicional de Portugal no processo de paz. E sentiu que Juan Manuel Santos está otimista
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Cartagena das Índias, Colômbia, uma e meia da tarde. Os termómetros marcam mais de 30 graus. A humidade ronda os 80%. Fica difícil escolher qual dos dois fatores é o mais insuportável. Em frente ao Centro de Convenções de Cartagena, onde decorre neste ano a XXV Cimeira Ibero-Americana, duas tendas improvisadas estragam a paisagem para as muralhas que guardam a cidade velha. A frase "acampamento pela paz", inscrita em duas faixas, não pede mais explicações. O que não significa que não haja ainda na Colômbia muita pergunta sem resposta.

Alexandra é uma das 12 pessoas que estão a participar numa espécie de mesa-redonda em que se discute o processo de paz na Colômbia e sobretudo uma saída para este impasse. O conflito com as FARC, que durava há mais de 50 anos, teve fim anunciado quando o presidente Juan Manuel Santos anunciou um acordo que terminaria de vez com uma guerra que matou milhares de pessoas. Mas então porque falhou a consulta popular? Alexandra tem várias explicações. "Houve muita desinformação, muita manipulação dos media", explica esta ativista, assumindo, ao mesmo tempo, que houve outros fatores que contribuíram para a rejeição do povo colombiano a este processo de paz. "Tentaram assustar as pessoas com questões homofóbicas e, sobretudo, com a ideia de que a Colômbia poderia vir a tornar-se um regime castro/chavista." A isto acresce uma explicação ainda mais básica. A de que "muita gente assumiu que o sim estava garantido e, quando pensávamos que a mensagem estava ser passada nas universidades e em vários sítios, afinal não estava. Pensávamos que estávamos todos na mesma frequência e não foi isso que aconteceu".

"É sempre o povo que morre"

Roman Redondo, 62 anos, é o líder de um dos 42 movimentos que, por toda a Colômbia, se têm batido pelo processo de paz. Montou acampamento com os companheiros de luta em Cartagena das Índias no dia seguinte ao não no referendo de dia 2 de outubro. Tem a revolta na voz. Não pede, exige. Não usa de diplomacia nas palavras, grita se for preciso. Roman é um homem revoltado com a situação a que a Colômbia chegou e por isso veio para a rua, para "mostrar o nosso clamor, em representação do povo colombiano". A mensagem tem tanto de simples como de difícil execução: "Dizemos não a mais guerra neste país e por isso exigimos ao governo e às FARC que se entendam rapidamente."

O acampamento, onde há sempre alguém dia e noite, não parece despertar muito a atenção das centenas de jornalistas que estão por este dia em Cartagena das Índias para acompanhar a Cimeira Ibero-Americana. Ainda assim, há sempre um ou outro canal de televisão que por ali passa e dá voz a pessoas como Roman Redondo. Ele fala a todos e a todos transmite a mesma mensagem. "Na Colômbia é sempre o povo que morre. Se são guerrilheiros é o povo que morre. Se são soldados rasos é o povo que morre. Se são vítimas inocentes é o povo que morre. Já chega", atira revoltado. "A Colômbia pode ser um país próspero, mas para isso é fundamental ter paz."

O presidente colombiano não podia estar mais de acordo. Já em plena Cimeira Ibero-Americana, num debate que juntou também Marcelo Rebelo de Sousa, Juan Manuel Santos voltou a deixar aberta a porta a um novo referendo, mas lembrou que "há outras formas de ouvir o povo" e que "o mais importante é decidir qual será a melhor forma de não polarizar o país". Com o processo negocial em curso entre o governo e as FARC, o presidente colombiano mostrou-se confiante de que surgirá "um acordo melhor ainda do que o primeiro, mais reforçado e mais justo para todas as partes".

PR da Colômbia otimista

O assunto era inevitável. Antes de chegar à Cimeira Ibero-Americana, Marcelo Rebelo de Sousa tinha encontro marcado com o presidente da Colômbia dentro das muralhas de Cartagena. Foram vários os chefes de Estado e de governo que por lá passaram para falar com o mais recente prémio Nobel da Paz. Quando Marcelo chegou à Casa Marquês Valdehoyos, o rei de Espanha tinha acabado de sair.

O encontro entre Marcelo e Juan Manuel Santos durou pouco mais de 20 minutos. O suficiente para o Presidente da República transmitir ao homólogo colombiano toda a solidariedade e apoio de Portugal ao processo de paz. No final, num curto passeio pelas ruas de Cartagena, Marcelo deixava escapar que tinha encontrado o presidente colombiano "otimista". "Moderadamente otimista, mas otimista. Não irritantemente otimista, como eu costumo dizer." A boa disposição de Marcelo Rebelo de Sousa era a prova evidente de que o encontro tinha de facto corrido bem. "Correu muito, muito bem", explicou o Presidente da República depois aos jornalistas. "Falámos naturalmente do processo de paz na Colômbia e o presidente Juan Manuel Santos já conhecia perfeitamente a nossa posição." Sem querer comentar a política interna colombiana nem tão-pouco revelar o que lhe disse o presidente colombiano, Marcelo lá acabou por dizer que é "desejável que este processo chegue ao fim com sucesso" e que para tal vai ser preciso usar de toda a "política, diplomacia e até alguma criatividade para que isso aconteça".

Juan Manuel Santos em Portugal

Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou o encontro para convidar o presidente da Colômbia a visitar Portugal. "Ele aceitou. Agora só falta acertar a data", revelou. Em 20 minutos os dois chefes de Estado tiveram ainda tempo para trocar impressões sobre as relações económicas entre os dois países, assumindo o compromisso de trabalharem em conjunto para reforçar esses laços. Falou-se de empreendedorismo e o Presidente da República aproveitou para contar a Juan Manuel Santos que há um jovem português na Colômbia que desenvolveu, através de uma startup , um negócio de comércio digital que está neste momento em franco crescimento.

Até amanhã, o Presidente da República e o primeiro-ministro, que chegou ontem à noite à Colômbia, participam na Cimeira Ibero-Americana. Depois partem para Brasília, onde decorre neste ano a cimeira da CPLP.

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