Portas é só mais um na melhor profissão em Portugal: ex-ministro

Centrista é o quinto governante que cessou funções em 2015 a ir para o privado. Mota-Engil tem historial de contratar políticos

A ida de Paulo Portas para a Mota--Engil está longe de ser um caso único no carrossel das contratações governo/setor privado. Diz-se no mundo empresarial que a melhor profissão em Portugal é ser ex-ministro. Nos últimos anos centenas de políticos saíram do governo para grandes empresas no setor privado. O último executivo PSD-CDS só cessou funções em novembro, mas uma mão-cheia de governantes já arranjou emprego no privado.

Antes de Paulo Portas o caso mais mediático foi o da ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, que em março se tornou administradora não executiva da consultora britânica Arrow Global. Nesse mês, o ex-ministro da economia António Pires de Lima integrou o conselho de administração da Media Capital.

Encontrar emprego compatível pode ser um problema. Pires de Lima lembra ao DN que "era ministro da economia", logo "é difícil encontrar uma área sobre a qual não se possa alegar, ou maldosamente insinuar, incompatibilidades morais". Quanto à avaliação ética e legal, o ex-ministro garante que, "para além do cumprimento de critérios formais [e no caso da Media Capital não existia qualquer incompatibilidade], o que prevalece como critério tem de ser a minha consciência".

Também Maria Luís já tinha contado em entrevista ao DN como ficou impressionada com a "dinâmica" da Arrow, quando visitou a empresa em Manchester, e que, no seu entender, a ética não é uma questão de tempo. "Não me sentiria liberta dessa obrigação ética por passarem três ou quatro anos."
A ida para o privado também aconteceu com dois ex-secretários de Estado: Sérgio Monteiro (Transportes), que foi contratado pelo Fundo de Resolução para vender o Novo Banco (onde aufere 30 mil euros/mês) e Paulo Núncio (Assuntos Fiscais), que foi contratado como consultor da sociedade de advogados Morais Leitão.

Núncio explicou ao DN que, apesar de ter ido para a Morais Leitão apenas dois meses após sair do governo, "como é evidente" não se ocupa de nenhum dossiês que tenha tutelado como governante.
A lei das incompatibilidades permite uma interpretação subjetiva. Segundo a legislação, "os titulares de órgãos de soberania e de cargos políticos não podem exercer, pelo período de três anos contado da data da cessação das respetivas funções, cargos em empresas privadas que prossigam atividades no setor por eles diretamente tutelado".

Voltando a Paulo Portas, os críticos destacam o facto de ter andado a fazer diplomacia económica no governo, tendo mesmo levado a Mota-Engil seis vezes àquela região do globo entre 2012 e 2015 - e agora ir criar um conselho estratégico da construtora para a América Latina. Ainda assim, Paulo Portas disse logo depois de ser conhecida a sua ida para a Mota-Engil que a lei foi "escrupulosamente cumprida".

Falta de moral e ética

Portas escapa à lei, mas não às críticas do antigo líder parlamentar do PSD Pacheco Pereira, que no programa Quadratura do Círculo considerou a ida do ex-governante para a Mota-Engil como "uma das coisas que pior faz à política e à democracia em Portugal". Pacheco disse que não está a discutir "questões de legalidade", mas "de moral política".

antigo dirigente do PSD comparou Portas a Sócrates, definiu o ato como "sem vergonha" e disse: "Vamos deixar-nos de coisas: o que ele vai ser é lobista. Qual o cargo que Portas vai ter na Mota-Engil? Ser lobista na América Latina e isso depois de lá ter estado como lobista no Estado."
Ao DN, o constitucionalista e ex--deputado do PSD Jorge Bacelar Gouveia explica que, no caso de Portas, "no plano jurídico não há nenhuma incompatibilidade". Porém, defende que há "um problema ético, porque um político quando deixa de exercer funções no público pode passar informação privilegiada para a empresa e neste caso a empresa contratou-o sabendo que tinha esses conhecimentos e informações".

Bacelar Gouveia diz que Portas terá sempre o "dever de sigilo", mas será "sempre difícil de provar" se utiliza ou não informações privilegiadas. "Não o conheço como pessoa, não sei se o vai fazer, espero que não o faça", acrescentou.

Já o ex-ministro socialista Jorge Coelho - que passou a presidir a empresa sete anos após ter deixado de ser governante - desvalorizou no mesmo programa a contratação do ex-líder centrista por parte da Mota--Engil, dizendo que Portas fez um "bom trabalho em defesa das empresas" e que não o viu a "defender mais esta ou aquela empresa".

A Mota-Engil tem outros exemplos no passado e até com ligação direta à pasta que tutelavam. O ex--secretário de Estado das Obras Públicas Luís Parreirão (no executivo PS de Guterres) foi administrador da construtora após passar pelo governo. O mesmo aconteceu com Valente de Oliveira (PSD), que deixou de ser ministro das Obras Públicas em 2003 e se tornou administrador da Mota-Engil em 2006.

Política em exclusividade

Mas o excesso de zelo estará a prejudicar a política? Ao DN, António Pires de Lima queixa-se de que "com o adensar das insinuações político-populistas ou um eventual aperto de regras formais de incompatibilidades a política é, e será, cada vez mais, uma atividade exclusiva para profissionais e "impossível" para quem tenha outra vida profissional". O ex-ministro da Economia acrescenta: "Se isso é bom ou mau para a política, deixo ao juízo dos leitores."

Para já isso não tem impedido passagens do governo para grandes empresas. Há várias histórias na política portuguesa: o difícil é escolher. No verão de 2009, ainda estava Manuel Pinho a recuperar da sua demissão - na sequência do gesto taurino que fez no Parlamento - quando a sua mulher recebeu uma chamada do empresário Joe Berardo.

Pinho, que chegou a ser apelidado de "ministro das Renováveis", começou em 2010 a dar aulas na Universidade Columbia, instituição que recebeu da EDP cerca de três milhões de euros.

A mesma EDP contratou António Mexia em 2005, um ano após este ter deixado o cargo de ministro das Obras Públicas (governo PSD). Também para a área da energia foi o ex-ministro socialista Pina Moura, que se tornou presidente da espanhola Iberdrola cinco anos após tutelar a pasta da Economia.

Quanto a ministros das Finanças que saltaram para a banca, há vários casos: Luís Campos e Cunha, para o Banif em 2006, Guilherme d"Oliveira Martins, para o BPN Efisa em 2003 (PS), ou Miguel Cadilhe (PSD), para o BPA em 1990.

Muitas vezes, não são as transições mais rápidas as mais polémicas. Ferreira do Amaral (PSD) é alvo de críticas por ter negociado, enquanto ministro das Obras Públicas, a concessão da Ponte Vasco da Gama com a Lusoponte e, dez anos depois (2005), ter-se tornado presidente da empresa.

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