Influência de Ramalho Eanes e a maior crise no PS

Feitios. Os primeiros presidente e primeiro-ministro eleitos acabaram por transformar os seus desentendimentos políticos num ressentimento mútuo
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Os perfis de Soares e Eanes não podiam ser mais contrastados. Em 1976, um advogado que sempre foi político apoiava para Belém um general que, no dizer de José António Saraiva , "[personificava] o "apartidarismo do exército", encarnando o "militar puro"" (O 25 de Abril Visto da História). No 25 de Novembro emergira, como rosto dos vencedores, Ramalho Eanes, que se tornaria o óbvio candidato presidencial do PS e dos partidos à sua direita. E numa das raras vezes em que Sá Carneiro se antecipou a Soares foi nessa candidatura: ao ser informado por Marcelo Rebelo de Sousa de que o PS ia apoiar Eanes, esqueceu de que estava a defender Pires Veloso na reunião e, conta Maria João Avillez, "num volte-face inesperado" de quem "não resiste à jogada tática de se antecipar" (Sá Carneiro - Solidão e Poder), não só convence o PSD a propor aquele nome como informa a agência noticiosa (ANOP). Na manhã seguinte, escreve Miguel Pinheiro, "a notícia da decisão do PPD foi a primeira coisa que Mário Soares ouviu ao acordar. O líder do PS ficou furioso. E Ramalho Eanes também" (Sá Carneiro).

"Ainda jovem", "figura austera e opaca, que seguiu uma estratégia de combinação de forças, conforme as circunstâncias", "a sua ação provocou uma forte reação dos líderes dos dois maiores partidos, que tinham esperado ter nele uma espécie de [presidente] Carmona", regista Rui Ramos, na sua História de Portugal. Além de não convidar Soares a tentar formar terceiro gabinete, Eanes optou pelos governos de iniciativa presidencial, estando então, como sublinham André Freire e Marco Lisi, "escorado na ideia de "responsabilidade política" dos governos perante o PR, que vigorará até à revisão constitucional de 1982" (Os Anos de Abril): o liderado por Nobre da Costa (ministro da Indústria no I Governo de Soares) nem chegou ao poder, ao ser aprovada a moção de rejeição do programa, avançada pelo PS; o de Mota Pinto (ministro do Comércio no mesmo Executivo) caiu em junho de 1979; e o de Maria de Lourdes Pintasilgo foi empossado só para assegurar a transição até às legislativas antecipadas de 1979.

Numa época em que havia quem, em vez do sistema misto parlamentar-presidencial (que evoluiria para parlamentar mitigado), defendesse o presidencialismo, o líder socialista deparava com a crescente influência eanista no interior do PS, a ponto de "em algumas [secções do partido terem] já substituído o [seu] retrato de secretário-geral pelo do presidente Eanes" (Um Político Assume-se) - e a aversão mútua passará a ser constante.

No final de 1980, a recandidatura do Chefe do Estado tinha já o apoio expresso dos socialistas, mas quando Eanes declara, após as legislativas, que defende um modelo de sociedade próximo da AD (PSD-CDS-PPM), foi a gota de água que Mário Soares esperava para romper, enviando-lhe uma carta em que sustentava: "Vossa Excelência derrotou-se a si próprio." Ou, em Soares Responde a Artur Portela, dizia que "o seu perfil de homem político é a hesitação e a ambiguidade" e aquela posição "foi um ato de puro oportunismo político, que enraiveceu os militantes do PS" (Um Político Assume-se). Até a diretora do Diabo (e uma das figuras mais famosas da direita à época), Vera Lagoa, no seu livro Eanes Nunca Mais, referia essa "caça aos votos de direita depois da infantil colagem à AD na célebre conferência de imprensa".

A Comissão Nacional do PS, contra o entendimento do líder, cuja posição é defendida por Almeida Santos e contestada por Salgado Zenha, resolve manter o apoio a Eanes contra Soares Carneiro - "homem (...] retraído, esfíngico, rebuscado na linguagem, com um passado de ligação ao anterior regime" (Como se Faz Um Presidente), mas a esperança da direita. Depois, como não conseguiu convencer a direção, autossuspendeu-se das funções de secretário-geral para não ter de participar na campanha. Após a vitória folgada de Eanes, começou "nova fase da política portuguesa, com a coligação AD enfraquecida e uma ala do PS dita eanista vencedora, triunfalista e mais ou menos alinhada com o presidente " (Um Político Assume-se). As contas serão ajustadas no IV Congresso, em maio de 1981, com os apoiantes de Soares contra o Secretariado Nacional - que, derrotado, irá originar o Ex-Secretariado, grupo em que se destacam, além de Zenha, os futuros líderes Constâncio, Sampaio e Guterres.

Os próximos episódios (as críticas de Eanes ao Governo do Bloco Central, a formação do PRD e o apoio à candidatura presidencial de Zenha) transformou esses diferendos, no dizer de Joaquim Vieira, "de divergência política em ressentimento pessoal" (Uma Vida).

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