Papéis do Panamá. Prescrições e prova ilegal ameaçam caso
Depois da divulgação de nomes de personalidade portuguesas envolvidas no escândalo dos Papéis do Panamá, as autoridades portuguesas terão de pedir os documentos que o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICJI)tem na mão se quiser avançar com um inquérito judicial. O DN sabe, no entanto, que a Autoridade Tributária já solicitou a lista dos nomes que são citados nesta investigação, que pode ser travada por uma barreira legal: a prova deve ser considerada ilegal, a que se juntam prescrições de alguns dos casos, explicaram-nos. Isto porque os dados resultam da quebra do sigilo fiscal e bancário, através de uma fuga de informação que juntou cerca de 11,5 milhões de documentos ligados a quase quatro décadas de atividade da empresa panamiana Mossack Fonseca, com detalhes sobre mais de 214 mil empresas offshore, em mais de 200 países e territórios.
Na sexta-feira à noite, a TVI e o Expresso (que através dos seus jornalistas Rui Araújo e Micael Pereira fazem parte deste consórcio) divulgaram nomes de portugueses - como o presidente não executivo da Bial, Luís Portela, o ex-líder do Benfica, Manuel Vilarinho, o gestor Ilídio Pinto e ainda dados sobre um suposto "saco azul"do Grupo Espírito Santo - referindo ainda que na lista dos 240 portugueses estão nomes de ex-ministros e outros políticos. Para já, é certo que a Procuradoria-Geral da República (PGR) poderá abrir um inquérito.
"Existem ainda poucos dados disponíveis para uma opinião definitiva, mas à primeira vista parece-me que estes documentos, atendendo ao modo como terão sido obtidos, não poderão em Portugal servir como prova", explica o advogado Rui Patrício. Que acrescenta: "Quanto à abertura de processos, a questão é mais discutível, mas julgo que o Ministério Público (MP) poderá abrir processos, embora a validade da prova que vier a ser obtida (porque potencialmente contaminada pela invalidade da "prova originária" que leva à abertura) também possa ser questionada. Esta segunda questão tem que ser vista caso a caso e prova a prova, porque o efeito de contaminação não deve em regra ser avaliado globalmente, mas individualmente", concluiu o advogado especialista em crime económico e financeiro.
O advogado João Caiado Guerreiro admite que o passo mais importante será o de perceber "a forma de aquisição desses documentos, a data dos factos (por questões de prescrição dos crimes)". E alerta: "O MP tem de ter em atenção que há coisas que não eram legais nos anos 70, 80 ou 90 e que agora são ou vice versa". O fiscalista, porém, admite que "mais sumarentos" serão os nomes de ex-ministros porque "aí já poderá alargar-se o âmbito de evasão fiscal para corrupção", cujos prazos de prescrição são muito mais alargados que os quatro anos do primeiro caso.
No plano nacional, a investigação deu a conhecer um "saco azul" do Grupo Espírito Santo (GES), liderado por Ricardo Salgado, fundado em 1993 e cuja gestão foi entregue à Mossack Fonseca em 2007. Bem como uma lista de 13 escritórios de advogados portugueses. Identificada, para já, estará a sociedade Abreu Advogados. Sociedade essa que conta com o ex-líder social democrata Marques Mendes como consultor jurídico. O DN tentou falar com José Eduardo Martins, sócio do escritório, mas sem sucesso. Já fonte oficial da Bial remeteu explicações para as declarações dadas já por Luís Portela ao Expresso: "no que diz respeito a questões fiscais, quer eu quer a Bial cumprimos escrupulosamente os preceitos aplicáveis". Ao DN, Manuel Vilarinho denuncia que isto é um caso de pirataria informática e quem usa um objeto furtado é um recetador!".
Perante estes novos dados, a PGR repetiu - ipsis verbis - o que já tinha dito no início da semana: "O Ministério Público está a acompanhar a situação, recolhendo elementos e procedendo à respetiva análise. Se desses elementos resultarem factos suscetíveis de integrar a prática de crimes, o Ministério Público, como sempre, não deixará de agir em conformidade". Contactado pelo DN, fonte do Ministério das Finanças não faz comentários adicionais sobre o pedido que fez ao CIJI dos nomes de portugueses, nem sobre os nomes que vieram a público, porque está obrigado a dever de sigilo fiscal. Na quinta-feira, a Autoridade Tributária garantiu ter pedido o nome dos portugueses que constam na lista.
O executivo de António Costa espera que sejam facultadas todas as informações relevantes para as omissões de deveres fiscais. Sem comentar os casos mais recentes, fonte do governo remeteu a resposta para as declarações do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, que assegurou na quinta-feira que já foram solicitados os documentos e que serão "utilizados todos os mecanismos legais no sentido de serem tributados os rendimentos que devam imposto em Portugal". O governante está convicto de que "a administração fiscal detém os meios legais suficientes para agir".
No mesmo sentido, o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, já garantiu que o governo que as situações que envolvam Portugal serão remetidas para a justiça. O Bloco também não deixará passar o assunto em claro e está a ponderar novas iniciativas, depois da discussão no Parlamento sobre paraísos fiscais.