"Pai" do SNS prepara propostas ao parlamento para melhorar carreiras

No dia do SNS, com os enfermeiros na rua, António Arnaut defende estabilidade. Médicos criticam subfinanciamento crónico
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António Arnaut - que, enquanto ministro dos Assuntos Sociais, foi o principal impulsionador da criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), em 1979 - revelou ao DN que está a preparar um projeto legislativo para apresentar ao governo, cujo principal foco será a estabilização e valorização das carreiras dos profissionais do setor. Um passo que considerou "essencial" para garantir a sobrevivência do sistema que ajudou a implementar. "Mais ainda do que o Orçamento do Estado".

"Estou a trabalhar num diploma sobre as carreiras, para apresentar ao meu partido [PS] e depois aos deputados", contou. "As carreiras são essenciais", defendeu. "E espero brevemente podermos dar notícia pública da existência de uma nova lei", acrescentou, confirmando que o primeiro-ministro e o ministro da Saúde estão ao corrente deste projeto.

Defensor "há muito tempo" da equiparação das carreiras na saúde às dos magistrados judiciais", Arnaut considera que o modelo a implementar deve incidir num conjunto de princípios que permitam valorizar os profissionais do setor: "Acesso por mérito, progressão, estabilidade, formação permanente, vencimento digno".

As carreiras - nomeadamente a diferenciação entre especializados e não especializados - são precisamente um dos principais focos das reivindicações do Sindicato dos Enfermeiros - que hoje promove uma concentração à porta da Assembleia da República.

E António Arnaut, de 81 anos, recentemente hospitalizado devido a um problema de saúde que implicou uma cirurgia e internamento prolongado, admitiu sentir "simpatia" pelas reivindicações destes profissionais e pelo seu trabalho: "Dois meses de internamento fizeram-me contactar ainda de mais perto com os enfermeiros. Eles é que cuidam de nós. Estão presentes 24 horas sobre 24, em três turnos. E não têm uma carreira: o assistente que entrou hoje está a ganhar o mesmo daquele que entrou há 10 ou 20 anos".

No entanto, considerou também que o momento e a forma escolhida pelo Sindicatos dos Enfermeiros para confrontar Adalberto Fernandes com o aviso de greve "não foram oportunos. Não se chega ao pé do ministro da Saúde e se dá uma semana para resolver um problema que tem 20 anos", considerou.

Para Arnaut, o SNS - cujo dia é hoje assinalado - está apesar de tudo "melhor hoje do que estava no tempo de Passos Coelho". De resto, considerou, o antigo primeiro-ministro só não foi mais longe em termos de cortes no SNS porque encontrou oposição interna: "O que valeu foi Paulo Macedo [à época ministro da Saúde] que, sendo um homem de direita, é também um homem de moral, que compreendeu a necessidade social de haver um SNS em Portugal".

"Subfinanciamento crónico"

Já o bastonário da Ordem dos Médicos confessou sentir maiores dificuldades para encontrar melhorias dignas de registo entre a intervenção externa no País e os dias de hoje. Para Miguel Guimarães, o SNS "continua com um problema de subfinanciamento crónico, que vem do tempo da troica" e se mantém no essencial. "Com este financiamento público, as desigualdades sociais na saúde estão a aumentar e muitas das necessidades do SNS, nomeadamente no que respeita a grandes reformas, que a curto ou médio prazo aumentariam a estabilidade do SNS, não podem avançar".

O atual financiamento, considerou o bastonário, permite apenas "fazer o básico", como "assegurar os vencimentos" e "manter equipamentos", sendo que no que toca a estes últimos, todos "os que têm mais impacto económico [a substituir] estão a ultrapassar o prazo de validade".

Para o bastonário, o facto de existirem indicadores apontado para "uma percentagem de 40% [da população] que já paga a saúde do seu bolso, recorrendo à medicina privada para não ficar sem resposta ", é sinal não só da "capacidade de resposta reduzida" no setor público como de que se está a criar "uma diferença muito grande entre quem tem capacidade económica e quem não tem".

Miguel Guimarães subscreveu a necessidade de se valorizar o "capital humano do SNS" - medida que, lembrou, "tem vindo a ser defendida pelas diferentes ordens e sindicatos". Nomeadamente através das carreiras. Mas considerou que esse passo é indissociável do aumento do investimento na Saúde. "As reivindicações dos enfermeiros, que são justas, outras reivindicações dos médicos, nomeadamente em relação às horas extraordinárias, tudo isto tem reflexos no orçamento", considerou.

Maria de Belém Roseira, ministra da Saúde entre 1995 e 1999, defendeu ao DN que "a troica foi excessivamente dolorosa para o Serviço Nacional de Saúde" e que o efeito ainda se sente: "As feridas demoram tempo a sarar", considerou.

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