Orçamento do Estado até pode passar sem o voto do PCP
Dentro da geringonça o PCP tem sido, de longe, o partido menos comprometido com a ideia de votar a favor do próximo Orçamento do Estado (OE) - e a matemática parlamentar dá-lhe margem para isso. Na verdade, o próximo OE poderá passar sem os votos a favor dos comunistas. Não poderão é votar contra. Para conseguir que a proposta passe sem o compromisso de um voto a favor, o PCP poderá abster-se. Mas a manobra é arriscada.
Isto porque, neste cenário, de abstenção do PCP, a proposta de Orçamento do Estado, para ser aprovada, teria de ter os votos a favor de PS, BE, PEV e PAN. Sendo naturais os votos contra do PSD e do CDS, o diploma seria assim aprovado pela margem de um voto apenas: 108 a favor, 107 contra.
Um cenário assim implicaria uma divisão na bancada da CDU, com o PCP para um lado, abstendo-se, e o PEV para o outro, votando a favor. Mas esta divisão já ocorreu várias vezes nesta legislatura (a última das quais na aprovação da lei que permitiu a menores entre os 16 e os 18 anos que mudem de género sexual).
Na semana passada, reagindo à entrevista ao DN onde António Costa disse que o chumbo do OE 2019 implicará a "queda do governo", Jerónimo de Sousa fez questão dizer: "Não peçam ao PCP para assinar de cruz, seja o que for!"
Na mesma ocasião explicou que "a proposta é da responsabilidade do governo minoritário do PS", salientando que "não há nenhuma maioria parlamentar nem nenhum acordo que garanta em abstrato a sua aprovação".
Assim, o voto do PCP dependerá do "exame concreto" que o partido fizer à proposta de lei, da sua "verificação" sobre se "corresponde aos interesses dos trabalhadores e do povo" e "do caminho que faça no sentido de avanço na reposição e conquista de direitos" dos trabalhadores. "O PCP não desperdiçará nenhuma oportunidade para fazer avançar direitos e salários", disse ainda o líder dos comunistas.
E, além do mais, a proposta orçamental nem tem, para o PCP, a centralidade que tem para os outros partidos, nomeadamente os de governo: "Os Orçamentos do Estado são um importante instrumento de resposta aos problemas nacionais. Mas não são o único. As opções que moldam as condições para o desenvolvimento do país, a resposta aos direitos dos trabalhadores e do povo, a afirmação da soberania, estão para lá dos Orçamentos do Estado."
Tensão em torno dos aumentos
Segundo o dirigente comunista, "é conhecida a convergência de PS, PSD e CDS" em "áreas tão decisivas como a dos direitos dos trabalhadores, salários, funções sociais e serviços públicos, saúde, educação, Segurança Social, transportes e controlo público de setores estratégicos".
Um dos pontos que justificam o progressivo afastamento do PCP em relação ao governo do PS é a decisão, anunciada pelo primeiro-ministro na entrevista ao DN, de não aumentar os salários da função pública (preferindo, isso sim, reforçar os quadros da administração estatal com mais funcionários): "Ao mesmo tempo que [António Costa] afirma não ser possível um justo aumento salarial para quem não recebe aumentos há nove anos", garante, ao mesmo tempo, que "não faltarão 35 mil milhões de euros para uma dívida [do país] que não é pagável sem ser negociada", disse Jerónimo de Sousa.
Além do mais, "há sempre uns milhares de milhões de euros para acudir aos desmandos dos banqueiros". Portanto, "o problema não está em não haver dinheiro. O problema está na injustiça da sua distribuição e na falta de investimento. Não é por falta de dinheiro, é por opção política".
As declarações de Jerónimo contrastaram, no tom e no conteúdo, com as de Catarina Martins na mesma ocasião. A líder do Bloco de Esquerda reconheceu que as negociações orçamentais são sempre "complicadas", mas sublinhou por mais do que uma vez que a "posição conjunta" que o BE assinou com o PS em 2015 aponta para o "horizonte da legislatura" - ou seja, para um governo que dure quatro anos, como é de lei.