O engenheiro que queria ver erradicada a pobreza
Ao terceiro ano de Engenharia Civil percebeu que não queria ser engenheiro - tinha-se envolvido em "problemas da justiça social", como o próprio Alfredo Bruto da Costa contava em 2010. Fez o curso de seis anos até ao fim, exerceu engenharia por um ano e depois dedicou-se ao "campo do desenvolvimento económico e social" - até ao fim da sua vida. É isso que, na hora da sua morte, todos recordam: o seu empenho como "estudioso" e "homem de ação", com o sonho de erradicar a pobreza. Morreu ontem de cancro, em sua casa, em Lisboa, aos 78 anos.
Alfredo Bruto da Costa nasceu em Goa, Índia, em 1938, e iniciou em Bombaim os "preparatórios" de Engenharia, que faria já em Lisboa, no Instituto Superior Técnico, a partir de 1957.
Após o 25 de Abril, destacou-se nas questões sociais: foi provedor da Santa Casa; ministro dos Assuntos Sociais no governo de Lourdes Pintasilgo; presidente do Conselho Económico e Social e da CNJP - Comissão Nacional de Justiça e Paz. Doutorou-se no Reino Unido sobre "a pobreza em Portugal".
De outubro de 2014 a janeiro de 2016, foi conselheiro de Estado em substituição do então líder socialista, António José Seguro. Agora, ao DN, Seguro recordou que o conheceu "por intermédio de António Guterres", nos anos 1990, quando "Guterres não dispensava a sua opinião sobre as questões sociais e as estratégias de combate à pobreza". Em 2011, já líder do PS, Seguro convidou-o para dirigir o Laboratório de Ideias socialistas e "nesses três anos de trabalho - na construção de uma alternativa para o nosso país - tive oportunidade de conhecê-lo melhor", como "um humanista e um militante cívico inconformado, sempre disponível para abraçar as causas em que acreditava".
"Foi um homem de convicções profundas e um cidadão comprometido com as causas da paz e da erradicação da pobreza", afirmou. E sublinhou o que muitos recordaram do discurso de Bruto da Costa: "O combate à pobreza devia estar no centro das políticas económicas e sociais e não apenas através de programas marginais e periféricos." "Não ficou pela produção de conhecimento, apontou soluções para um dos problemas mais graves da sociedade portuguesa e bateu-se por elas", disse.
O deputado José Manuel Pureza, que esteve com Bruto da Costa na CNJP, notou esta dimensão. "Fê-lo como estudioso e homem de ação", "um político empenhado", que não se ficou pelas palavras. Pureza recordou o seu trabalho de ministro, que criou mecanismos na segurança social, "para os mais pobres dos pobres". Ao rigor que punha nas coisas, este "homem de uma doçura extraordinária", como descreveu Pureza, foi um "cristão exemplar" que deixou forte legado à Igreja em Portugal. Esta "deve-lhe muito em matéria de estudo e divulgação da doutrina social da Igreja".
O Presidente da República lembrou quem "por atos e não apenas por palavras" colocou "o vigor da sua fé ao serviço dos mais pobres, dependentes e excluídos".
Entre as duas coisas, as pontes são muitas. Também por isso, Bruto da Costa sempre defendeu que a pobreza só se resolve com políticas sociais e políticas económicas. "É um problema de salário", dizia em 2008 ao Público. Tão atual.