O director que marcou o 'verão quente' de 1975

Enquanto director adjunto do DN, Saramago ficou ligado ao saneamento de 24 jornalistas que exigiram mais pluralismo. Voltou à redacção já Nobel, para uma visita, e em 2009 escreveu uma coluna.

"O diário é do povo, não é de Moscovo!" O slogan, gritado por manifestações frequentes à porta do Diário de Notícias, entrava pelas janelas do edifício onde José Saramago exerceu as funções de director adjunto. A breve mas marcante passagem pelo jornal ocorreu entre 9 de Abril de 1975 e 25 de Novembro, até onde se estendeu o "verão quente", que exaltava e dividia os ânimos da sociedade portuguesa e da própria redacção. Uns absolutamente envolvidos com o processo revolucionário em curso (PREC), na linha do PCP - caso do Nobel- outros que pugnavam por maior pluralismo.

A entrada de José Saramago no DN dá-se em pleno "gonçalvismo", quando Vasco Gonçalves chefiava o primeiros governos provisórios e mudou a administração do jornal, nomeando Luís de Barros director e José Saramago adjunto. "No início, não mexeu muito na redacção e havia até pessoas de direita que eram enviadas ao Parlamento para cobrir a Constituinte", lembra José David Lopes, ex-jornalista do DN. Mas, "o clima político começou a ficar muito extremado, a redacção profundamente dividida e aí as coisas come- çaram a agudizar-se, com um maior intervencionismo da direcção". Como recorda o escritor e jornalista Mário Zambujal - então no DN - "a verdade é que apesar de ser o Luís de Barros o director, era o Saramago que mandava".

É neste contexto que se escreve uma das páginas mais polémicas da vida de Saramago e do próprio DN, conhecida como "o saneamento dos 24", que, ainda recentemente, o escritor negava como tendo sido obra sua. Um grupo de 30 jornalistas - metade da redacção - entregou à direcção um abaixo assinado em que defendia a revisão da linha editorial e exigia a sua publicação. Um dia depois, o abaixo assinado apareceu publicado no Expresso e tinha sido enviado à BBC. "Isto deixou-o muito irritado", explica José David Lopes.

Saramago narra o episódio em entrevista ao DN: " O Luís de Barros estava de férias no Algarve, portanto, eu era o responsável, e um dia entram três ou quatro jornalistas no meu gabinete com um papel onde manifestavam em nome de 30 jornalistas a sua discordância com a linha editorial. E exigiam a publicação no dia seguinte de um comunicado. Um pouco insólito, não é?". Provocador como sempre, Saramago pergunta: "Gostaria de saber se esses mesmos jornalistas se estivessem agora no DN o fariam ou se há no DN jornalistas com coragem suficiente para entrar no gabinete do director (...) com um papel a dizer que não estão de acordo com a linha editorial a exigir que se publique essa discordância no dia seguinte no próprio órgão. Gostaria eu de saber se pode acontecer isso"? Outros tempos. Saramago diz que para decidir tinha de convocar o Conselho Geral de Trabalhadores e nessa mesma noite foi decidida, em plenário, a suspensão dos 24 jornalistas, após uma sua intervenção "eloquente". Mas antes de Saramago, já o DN tinha sido alvo de outro "saneamento" pela mão da direcção anterior, afecta ao PS. No governo seguinte, o primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo, estrangula financeiramente o jornal. Em 25 de Novembro, o jornal foi suspenso e Saramago afastado.

O escritor só voltou ao DN 23 anos depois, já laureado, a convite do então administrador Luís Silva e do director Mário Bettencourt Resendes. Foi um homem sereno e pacificado com o passado o que percorreu um jornal que já atravessou três séculos de lutas.

Colaborou ainda com o seu Caderno de Saramago, coluna diária que assinou ao longo de 2009.

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