Nem o presente do défice evitou recados de Marcelo ao governo

Estabilidade e paz social, a pensar na Autoeuropa, foram ideias chave do discurso de Marcelo na sessão de boas festas com o Governo. Costa anunciou défice abaixo do previsto
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António Costa chegou hoje à sessão de cumprimentos de boas-festas ao Presidente da República com um presente para os ouvidos de Marcelo Rebelo de Sousa: o défice de 2017 será inferior a 1,3% do produto interno bruto (PIB), abaixo da meta de 1,4% estabelecida pelo governo. A expectativa sobre as mensagens do primeiro-ministro e do Presidente era grande, depois de dois meses marcados por um esfriamento de relações no rescaldo dos incêndios de outubro, em que morreram 45 pessoas, que a somar aos 65 mortos nos fogos de Pedrógão fizeram esgotar a paciência do Chefe do Estado. E se as boas notícias sobre a economia já prometiam dar o mote para um encontro mais sereno, Costa juntou-lhe garantias de que tem havido solidariedade institucional "irrepreensível" entre governo e Belém. Palavras distendidas que ainda assim tiveram como resposta muitos recados do Presidente.

É que se Marcelo até reconhece que 2017 foi um ano de solidariedade institucional, embora isso decorra da sua leitura da Constituição, não deixou de deixar vários alertas a António Costa, desde a Autoeuropa até ao apelo à ligação entre "o racional e o afetivo". "Essa ligação é fundamental para entender o que são as suas [do povo] dores, as suas desilusões e sofrimentos. Neste momento é essencial essa ligação dos portugueses ao poder político", destacou Marcelo, numa afirmação que fez recordar o discurso de há dois meses - na véspera da demissão da então ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa -, em que criticou a forma como o governo abordou os fogos de 15 de outubro.

Antes disso, António Costa já tinha reafirmado "aquilo que deve ser o bom relacionamento entre órgãos de soberania e a forma irrepreensível como a solidariedade institucional se tem manifestado entre o Presidente da República e o governo, entre o governo e a Presidência da República, ao longo destes dois anos em que temos trabalhado em conjunto, quer nas boas horas quer nas horas más". Sendo que a referência às horas más era óbvia: "Foi um ano em que tivemos importantes sucessos, mas em que vivemos traumaticamente a maior tragédia humana provocada por catástrofes naturais. (...) Foi um choque coletivo para todos nós. Mas foi um choque coletivo que, simultaneamente, não diminuiu a capacidade do país de reagir nas horas más e de responder", considerou o primeiro--ministro, numa mensagem que ficou marcada por mais um anúncio importante para as finanças do país. "Tivemos no ano passado o menor défice da nossa democracia, e este ano vamos ter um défice que hoje já podemos dizer, sem criar arrepios ao senhor ministro das Finanças, que será inferior a 1,3%."

Quanto à solidariedade institucional, "só podia correr bem", respondeu Marcelo. "Decorre da lógica da Constituição, pelo menos, da minha leitura da Constituição, que a solidariedade institucional tem de correr bem. É a Constituição que o impõe e tem de correr bem e correrá bem até ao fim do meu mandato, nesta legislatura e na próxima legislatura", explicou o Presidente, que acrescentou que "o povo português deu sinais de que gostava da solidariedade institucional" e da "estabilidade política".

E da estabilidade política passou para a estabilidade social, sempre com a nunca nomeada Autoeuropa - num momento em que trabalhadores e administração da Volkswagen discutem os novos horários de trabalho na fábrica de Palmela (ver página 17) - na mente de quem o ouvia. Marcelo Rebelo de Sousa considerou que o povo português "quer estabilidade social, gosta da estabilidade social, considera que é bom viver em estabilidade social", e não deseja "surtos inorgânicos sociais" nem "afrontamentos comportamentais". "Os portugueses não querem isso. Do mesmo modo que percebem que há empresas que, pela sua importância, pelo seu poder, pelo relevo da área em que atuam, pelo emprego que envolvem, pelo emprego que outras empresas que com elas colaboram envolvem, pelo prestígio internacional, pela imagem que deixam nos investidores, são empresas em que é importante que haja paz social", afirmou.

Segundo o Presidente da República, e num recado que se pode estender a partidos e sindicatos, é preciso "que se faça tudo por essa paz social, que se não corra o risco de aventuras, porque não são aventuras apenas num determinado setor ou numa determinada unidade ou numa determinada realidade, podem afetar o clima que o povo português entende ser bom para Portugal".

Antes do encontro com o governo, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou aos jornalistas, em Oeiras, que ainda vai analisar o Orçamento do Estado para 2018 e depois decidirá sobre a sua promulgação e como comunicará essa decisão aos portugueses, não se comprometendo com datas.

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