"Estamos no século XXI, dois séculos após as referências que aparecem por aí"

Ministra diz que há "uma grande preocupação com as questões da igualdade e da paridade de género".
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A ministra da Justiça recusou hoje qualquer extrapolação sobre o "estado da consciência da magistratura" sobre questões de igualdade a partir das posições de um juiz da Relação do Porto que censura uma mulher vítima de violência por adultério.

"Estamos a falar de um caso concreto. Um caso não faz o sistema. Mesmo que tenha havido três acórdãos diferentes, em que tenha havido intervenção de um magistrado e de outros dois magistrados diferentes, não podemos, a partir de três casos, extrapolar relativamente ao estado de consciência da magistratura relativamente às questões da igualdade", disse hoje Francisca Van Dunem, à margem da assinatura de um acordo de extradição com o Uruguai, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa.

[destaque:A governante escusou-se a comentar o acórdão em causa, mas deixou a sua opinião "como cidadã": "É óbvio que tenho uma conceção de igualdade que não é compatível com determinado tipo de padrões"]

Francisca Van Dunem recusou que as posições do juiz Neto de Moura, que em três acórdãos diferentes terá atenuado penas de violência doméstica sobre mulheres com o argumento de que elas cometiam adultério, manchem a magistratura.

"Não há um problema de mancha. É uma questão de responsabilidade individual e da avaliação individual. Não se aplica a todas as pessoas", comentou, referindo que o Conselho Superior de Magistratura (CSM) irá avaliar a decisão do acórdão datado de 11 de outubro.

Segundo a ministra, "há decisão em concreto que foi tomada num caso concreto" e que "obviamente é impugnada nos termos normais e, relativamente à pessoa que a proferiu, quer por essa decisão quer por outros atos, é avaliada em termos normais pelo CSM".

Francisca Van Dunem rejeitou que seja necessário adotar "medidas excecionais" ou "pôr em causa a formação que é feita e que deve continuar a ser feita", sublinhando que há "uma grande preocupação com as questões da igualdade e da paridade de género".

É preciso, prosseguiu, "que se continue a trabalhar no sentido de esclarecer as mentes nessa matéria".

[citacao:Estando no século XXI - dois séculos depois de algumas referências que aparecem feitas por aí - as abordagens em matéria de igualdade de género estão hoje seguramente bastante distantes das que podem aparecer referenciadas na comunicação relativamente a esse caso]

No acórdão datado de 11 de outubro, o juiz relator Neto de Moura faz censura moral a uma mulher de Felgueiras vítima de violência doméstica, minimizando este crime pelo facto de esta ter cometido adultério.

O juiz invoca a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem o adultério com pena de morte, para justificar a violência cometida contra a mulher em causa por parte do marido e do amante, que foram condenados a pena suspensa na primeira instância.

A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, a UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta, já se manifestaram contra a fundamentação do Tribunal da Relação do Porto.

Está também a correr uma petição, que já foi assinada por mais de cinco mil pessoas, que pede uma tomada de posição do CSM e do Provedor de Justiça e apela a uma "reflexão urgente e séria" sobre a necessidade de alterar o sistema de e/ou avaliação dos juízes, "para que casos como este sejam evitados no futuro".

O CSM anunciou hoje à Lusa que vai analisar e dar resposta às participações e manifestações de desagrado recebidas sobre este acórdão, em reunião de plenário, a 05 de dezembro.

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