09 junho 2017 às 01h28

Ministérios divergem sobre Campo de Tiro de Alcochete

Força Aérea quer área de treino analisada "desde o início" do processo de abertura do Montijo à aviação civil, mas Planeamento afasta liminarmente a hipótese

Manuel Carlos Freire

O Ministério do Planeamento e das Infraestruturas reagiu com desagrado à posição assumida pela Força Aérea (FA) sobre a desativação do Campo de Tiro de Alcochete (CTA), no âmbito do processo de criação no Montijo do aeroporto complementar ao da Portela, reafirmando que essa hipótese "não está em equação".

"Nenhum estudo realizado até agora - incluindo o relatório do Grupo de Trabalho (de 30 de junho de 2016), do qual fez parte a Força Aérea - conclui pela necessidade de desativação do CTA", declarou ontem ao DN fonte oficial do Ministério de Pedro Marques, que tutela o dossiê. O estudo da FA sobre os impactos da abertura da base do Montijo (BA6) à aviação civil, a pedido do Ministério da Defesa e já entregue no Parlamento, é claro: "Face aos constrangimentos" de usar o CTA, que acarretarão a "impossibilidade de operação militar nos termos atuais" daquela infraestrutura a prazo, "este assunto deverá fazer parte do processo inerente à implementação do aeroporto complementar do Montijo desde o seu início".

Não, responde o Planeamento: "Essa medida não está em equação, sendo assegurado pela navegação aérea civil [a empresa NAV] a disponibilidade do espaço aéreo afeto ao CTA sempre que necessário para a realização de exercícios militares, conforme procedimentos operacionais já hoje em vigor."

O CTA destina-se a garantir que as Forças Armadas (portuguesas e estrangeiras), as Forças e Serviços de Segurança e as indústrias de Defesa ali possam treinar e fazer testes. A unidade serve ainda como armazém de material de guerra e a FA estima o custo da sua deslocalização em 242 milhões de euros.

As largadas em alta altitude (até aos 24 mil pés) de armamento real e o treino de tiro ar-solo pelos F-16, bem como tiro direto e indireto com sistemas de armas e equipamento terrestre fazem-se numa área que "é vital" para a Defesa. Daí a FA ser taxativa: "O CTA é, atualmente, uma infraestrutura fundamental, crítica e indispensável ao país e particularmente à Força Aérea, sem a qual impossibilita o treino, a qualificação e a manutenção das qualificações operacionais" dos pilotos dos F-16, assim como a "satisfação dos compromissos nacionais e internacionais assumidos" na NATO ou UE.

O Ministério da Defesa disse ao DN que "o estudo tem de ser considerado e corresponde ao que foi pedido" à FA por Azeredo Lopes. "É um contributo imprescindível para se construir uma boa solução", mas "não [se coloca a] questão de o ministro subscrever" o documento, até porque os 242 milhões de euros de mudar o CTA foram estimados há uma década e não resultam de uma avaliação atual.

Note-se que a Defesa continua a declarar que não será o seu orçamento - leia-se o da FA - a financiar as mudanças impostas pela abertura do Montijo à aviação civil e como complemento da Portela.

Restrições aéreas sobre o CTA

A FA nota também que o estudo sobre a gestão de tráfego aéreo em Lisboa, feito pelo Eurocontrol, "prevê que no espaço à vertical do CTA [...] a altitude de 9000 pés já seja utilizado pela aviação civil", pelo que essa restrição de uso até aos 24 mil pés "inviabiliza a largada de armamento ar-solo, de precisão e não precisão, real e de treino, efetuada a altitudes acima dos 9000 pés e até" àquele limite, "cuja disponibilidade (de espaço aéreo) é essencial para a realização do perfil de voo previsto".

Segundo fontes ouvidas pelo DN, a FA incluiu no estudo registos de uso do CTA entre 2004 e 2016 que revelam "a predominância da utilização desta área até aos 24 mil pés de altitude, o que representa um rácio acima de 80% da atividade operacional" naquele campo de tiro.

Quanto aos 130 milhões de custos estimados pela Força Aérea para adequar o seu dispositivo, "ainda que nalguns casos careçam de fundamentação e aprofundamento, estão em linha com o esperado", adiantou o Ministério do Planeamento ao DN. Isso permite "manter o pressuposto de construção do aeroporto complementar do Montijo sem encargos para o Estado", acrescentou fonte oficial.