Miguel Frasquilho: "As notícias do défice são excelentes. É o que os investidores querem ouvir" 

Presidente da agência para o investimento desde 2014, o ex-deputado do PSD fala sobre o seu percurso pessoa e profissional e as conquistas na AICEP

Quando nos encontramos para almoçar, ainda não é conhecida a aclamação de Guterres como secretário-geral das Nações Unidas, mas Miguel Frasquilho já o antecipa: "Desejo muito que seja eleito, apesar deste golpe de última hora. Ele é talhado para a posição e seria um excelente secretário-geral." O presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) é um entusiasta das nossas conquistas lá fora e não entende como se pode criticar a decisão de Durão Barroso de ir para a Goldman Sachs. "É de uma injustiça e hipocrisia confrangedoras. Ele fez tudo by the book, cumpriu todos os preceitos - e houve imensos casos antes de líderes que foram ou vieram daquele ou de outros bancos. Nunca vi uma posição destas tomada pela Comunidade Europeia."

À mesa do Avenida Café, na Av. República, perto da sede da AICEP, diz-me que a lei já prevê períodos de intervalo e desde que sejam respeitados não pode haver lugar a desconfiança. "Se a lei está mal, mude-se. Mas veja o meu caso: eu lido com empresas todos os dias. Quando acabar esta aventura na AICEP - não sei quando será -, se não puder ir para uma empresa vou fazer o quê? Tenho 50 anos, não me imagino reformado. As pessoas têm de poder prosseguir."

Por agora, não é o caso dele - ainda que o mandato na agência termine no fim do ano e, enquanto presidente, já tenha cumprido quase todo o plano estratégico desenhado em 2014 (falta chegar à Austrália, Argentina e Tailândia) e que o obriga a estar permanentemente em trânsito. "Quando Portugal foi campeão europeu, eu estava no Japão. Pus o despertador para as 04.00 e vi o jogo sozinho, em japonês." Tem pena de não ter apanhado a festa, mas teve uma experiência única: "No dia seguinte, em todas as reuniões os japoneses davam-me os parabéns."

Bem distante dos tempos em que vivia em Setúbal - "quando andava na faculdade (Economia, na Católica), ia e vinha de autocarro, demorava mais de uma hora! Foram tempos giros" -, o "desafio aliciante" que é dirigir a agência compensa a exigência física. "Às tantas não se sabe bem em que fuso horário se está." Não é exagero. Neste momento, está a caminho da China com a comitiva de António Costa. Na semana que vem, regressa a Macau (mais sete horas do que em Lisboa) para a feira internacional em que Portugal é o país convidado e antes do fim do mês irá a Cuba (menos seis horas do que em Lisboa) em missão empresarial com Marcelo.

Quando acabar esta aventura na AICEP - não sei quando será -, se não puder ir para uma empresa vou fazer o quê?

Pedida a sopa - "é o único aspeto em que não sou como a Mafaldinha" (personagem de Quino) - e o caril de gambas, e com o meu hambúrguer a caminho, explica que Cuba e Irão não estavam na versão inicial do plano estratégico, mas a aproximação dos Estados Unidos levou a AICEP a chegar lá e ajudar os empresários portugueses a aproveitar a competitividade única. "Havana está a oferecer uma taxa de IRC de 0% nos próximos dez anos e depois de 12%."

Está claro que as notícias de que iria ser afastado da liderança da agência foram claramente exageradas - "estou preparado para trabalhar com qualquer governo; se visse que havia divergências insanáveis, tinha tirado conclusões, porém não vi que houvesse". E o futuro, por onde passará? "Ainda não é o momento de pensar em decisões, a seu tempo pensarei."

Voltar a dar aulas é um caminho que não lhe desagrada. Fê-lo na Nova, onde completou o mestrado, e na Católica, onde foi assistente de Manuel Pinho, "um grande exemplo" que seguiu, vindo a recrutar na universidade "pessoas para trabalhar no BES, secretaria de Estado do Tesouro e AICEP".

Enquanto picamos o pão torrado e as azeitonas, vai contando a experiência "muito positiva" destes dois anos. "Foi um percurso que me enriqueceu bastante. No final do mandato, estaremos a acompanhar 66 mercados [eram 53 em 2014], criámos os FDI scouts [especialistas na captação de investimento direto estrangeiro], fizemos o roadshow Portugal Global para aproximar oportunidades de internacionalização do tecido empresarial e reestruturámos a casa." Não é crítica a Basílio Horta e Pedro Reis, a quem sucedeu "com muito orgulho" e cujo trabalho diz ter sido "excelente" - "quanto a mim, o futuro dirá, quando um dia abandonar estas funções, que não se sabe quando será". Foi preciso adaptar a casa aos tempos e isso trouxe "eficiência acrescida".

Com a sopa a meio, confessa que entre o trabalho que promoveu tem orgulho de ter sido no seu tempo que a agência passou a cobrir todos os países da CPLP. O critério não foi estritamente económico: "É o português no mundo como língua de negócios." "Abrimos na Guiné-Bissau, em Timor e São Tomé", a partir de onde se acompanha a Guiné Equatorial.

Mandato na AICEP foi um percurso que me enriqueceu bastante

A música é companhia que não dispensa no trabalho. Tem o 12.º ano de piano do Conservatório e ficou no último ano de História da Música. Desistiu do Conservatório quando chegou à faculdade, mas foi mantendo as aulas de piano - "tive duas professoras, a D. Eponina Gonçalves e a D. Vitorina Malafaia, que era especialista em cravo de renome internacional e que eu adorava; cheguei a fazer audições na Academia de Música e Artes Luísa Todi". Deixou a aprendizagem nos anos 2000, quando começou a carreira parlamentar, que o ocupou 11 anos. "Mozart e Beethoven eram meus preferidos. Ainda tenho um piano em casa, mas estou destreinado." Hoje os seus gostos vão muito além da música clássica: "Os meus amigos dizem que sou um foleiro porque gosto de tudo o que é comercial. Adoro Whitney Houston e tenho os discos todos dos ABBA." E ouve-os enquanto prepara os projetos para a sua missão na AICEP, que passa por dois eixos fundamentais: ajudar as empresas a internacionalizar-se e a captar investimento.

Já com o caril e o hambúrguer à frente, a água a dar lugar ao vinho, diz que tem "a sorte de estar à frente da agência que tem estes dois braços. Por um lado, a internacionalização, que é fundamental, porque o nosso mercado são 10,5 milhões de pessoas e para crescer e criar riqueza temos de ir para fora. Por outro, o investimento, que permite consolidar. Os nossos empresários fizeram um trabalho notável nos últimos anos, as exportações passaram de -30% do PIB a mais de 40%". Mas está longe de acabado. "Os países da União Europeia com que nos comparamos têm mais de 50% de rácio de exportações - a Irlanda tem mais de 100%, a Hungria e a República Checa na casa de 80%... Mas estamos a melhorar."

Miguel Frasquilho, que gostava de ter sido "uma estrela do futebol, mas era um desastre" e acabou por começar a correr para manter a forma e se permitir alguns excessos à mesa - "até faço meias-maratonas, com tempos de 1:35/1:40" -, ajudou nesse caminho enquanto deputado. "Foi uma altura difícil. Eu dava a cara por medidas extremamente impopulares e vivi situações complicadas." Foi insultado nas linhas de partida de corridas, na rua, no metro - onde só voltou a andar há pouco tempo -, diz entender a reação das pessoas face a quem era responsável por decisões que lhes afetavam a vida. "São riscos que quem tem exposição mediática em alturas difíceis tem de enfrentar."

Hoje está otimista, mas considera fundamental não abrandar esforços. Lembra o ranking do World Economic Forum, em que Portugal subiu 15 posições em 2014, seguindo-se uma queda de dez até agora porque não se fizeram mudanças importantes. Em que áreas? "Por exemplo, na área fiscal. Uma das reformas que os investidores mais apreciavam era a do IRC, de cuja comissão fiz parte, em 2013. Isso parou e agora promovemos Portugal com base noutros fatores, mas este era um dos mais apreciados. Em matéria fiscal, os incentivos ao trabalho e ao investimento são desincentivos, aparecemos no fim da tabela. Se em competitividade aparecemos em 46.º em 136 países, na fiscalidade estamos para lá do 100.º, estamos mal no endividamento público, na burocracia..."

Ainda assim, entende que a necessidade de reduzir o défice gera um equilíbrio muito fino e diz que nesse campo há conquistas muito relevantes. "As notícias que temos são excelentes: acredito que o défice este ano vai ser de 2,5% do PIB ou menos e no próximo inferior a 2% e é isto que os investidores querem ouvir." Se é assim, porque é que se mantém a preocupação com as contas públicas e o investimento custa a arrancar? "Eu só falei no défice", sublinha, para acrescentar que esse é um fator fundamental, ainda que não suficiente, porque reforça a confiança no país. "Crescer 1% é pouco, mas desde o princípio deste século que crescemos em média pouco mais que 0%. O que significa que temos de nos tornar mais competitivos para sermos mais atrativos e captarmos mais investimento. Temos um setor produtivo muito descapitalizado e dependemos dessa atratividade para ir buscar capital." Sublinha que os empresários portugueses já evoluíram muito ao virarem-se para fora. "Mas ainda não há abertura suficiente para aceitar sócios estrangeiros - porque isso implica pelo menos partilhar o processo de decisão." Porém não duvida que também esta parte do caminho será feita desde que percebamos que o mundo é como é, e não como gostaríamos que fosse. "E isto também vale para os políticos."

Como deputado, dei a cara por medidas extremamente impopulares e vivi situações complicadas

Talvez seja por pensar assim que garante que a solução governativa encontrada há um ano só o surpreendeu por não ter acontecido antes. "E, passado o choque inicial, até o meu partido se adaptou." O PSD adaptou-se mesmo? Para Miguel Frasquilho, é isso que a evolução do discurso revela. "Mesmo porque há consciência de que este governo não está para cair - longe disso." Em António Costa, a quem dá os créditos do acordo para governar, vê alguém capaz de tranquilizar as dúvidas dos investidores com a mensagem de que este é um governo comprometido com a Europa, os objetivos europeus e o tratado orçamental. "E que é pró-competitividade e pró-investimento estrangeiro. Ele é um primeiro-ministro realista e os resultados anunciados para o défice demonstram-no." Razão pela qual, garante, Portugal continua a ser muito bem visto lá fora, apesar de alguns solavancos, como "a forma sui generis como aquele imposto foi anunciado". Refere-se à nova taxação para casas de mais de um milhão. "Felizmente", o que está em cima da mesa já é muito diferente da versão original, que o obrigou a ter de tranquilizar investidores, há duas semanas, em Londres. "Começar nos 500 mil euros, o patamar para ter acesso aos vistos gold, era dizer: "Invista aqui e tem acesso ao visto; a propósito, tome lá mais um imposto." Era um péssimo sinal. Nós precisamos de investidores! Achar que passamos bem sem eles é uma completa falácia."

Destaca o papel do Web Summit em Lisboa, em novembro, como revelador de como Portugal está na vanguarda desse setor. "É engraçado porque nós não éramos vistos assim, mudou completamente. A verdade é que temos infraestruturas tecnológicas ao nível do melhor que há no mundo e o Web Summit veio para cá porque Dublin estava saturada, quer em infraestruturas físicas - hotéis, transportes, etc. - quer tecnológicas." Mas nem tudo são favas contadas. "Uma coisa que temos de garantir, e estamos a trabalhar para isso, é que o wi-fi funciona." Pode parecer um detalhe, mas é muito relevante quando pesados todos os fatores. "Vamos ter mais de 55 mil pessoas em Lisboa (investidores, empresários, media, etc.), se cada um tiver três ou quatro dispositivos (dois telefones, um tablet, um computador), tudo ali concentrado... O wi-fi tem mesmo de funcionar!" Para o garantir, a AICEP está a promover testes com os parceiros privados que se associaram ao evento e no fim de contas Miguel Frasquilho acredita que "vai correr muito bem". "Já temos três anos previstos em Lisboa, prolongáveis por mais dois. Eu espero que sejam mesmo esses cinco e que o Web Summit continue por cá.

De resto, acredita que o Orçamento de 2017 pode criar um bom sentimento e o défice vai ajudar a baixar as taxas de juro. E apesar de preferir uma consolidação pela redução da despesa pública, se o caminho tem de ser o dos impostos, concorda com a solução que permite não taxar mais os já estrangulados rendimentos. "Se é para tributar mais, que seja o consumo, onde há liberdade de escolha."

A caminho dos cafés, o presidente da AICEP admite que ainda tem uma preocupação: "Um setor financeiro em condições é fundamental para a economia funcionar." Não é exclusivo nosso, "veja-se o Deutsche Bank... Estamos a viver na Europa agora o que os EUA viveram em 2008 - a falência do Lehman foi um erro, mas depois não se deixou cair mais nenhum. Nós atrasámo-nos muito a enfrentar esta crise", sobretudo porque Trichet não era Draghi. "Quando o Sr. Draghi disse, em 2012, que faria o que fosse preciso para preservar o euro e que acreditassem que isso seria suficiente, tranquilizou os investidores e só com uma frase."

Estava longe, longe, longe de imaginar o que viria a acontecer no BES

Por cá, o que mais deseja é que o Novo Banco seja vendido o mais rapidamente possível. A quem? "Não me parece que possa ser um grupo europeu, será certamente de outras paragens." E acrescenta: "Só tenho pena, tendo estado ligado ao BES, que uma marca centenária e que inspirava confiança tenha desaparecido e sido substituída por uma marca branca."

Convidado por Manuel Pinho para o gabinete de research do BES em 1996, o seu papel era analisar e trabalhar cenários, não a atividade core, mas garante que nunca imaginou este fim. "Fui convidado para a AICEP por Passos Coelho no princípio de abril 2014, vim no final do ano e estava longe, longe, longe de imaginar o que viria a acontecer." Sobre o que se passou a seguir, tem muitas perguntas e nenhuma resposta. Não acredita que tenha sido opção política e questiona por que é que se resolveu o banco quando outros países, como a Grécia ou Itália, com problemas maiores no sistema financeiro, não passaram por isso. "Tínhamos de ser a cobaia?"

As respostas não chegarão neste almoço. Miguel Frasquilho tem de voltar para a AICEP, para acabar os planos para a viagem à China.

Avenida Café

Entradas

Água

1 copo de vinho tinto

1 copo de vinho branco

1 sopa de feijão verde

1 hambúrguer luxúria

1 caril de gambas

Dois cafés

Total: 32 euros

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG