Medina quer classe média de volta a Lisboa

Projeto vai custar 600 milhões e será financiado por privados. O objetivo é trazer cinco mil famílias para a cidade
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Nenhum autarca resiste a falar da obra, dos projetos, da cidade que imagina. Até Fernando Medina, contido por natureza - foge das polémicas como o diabo da cruz - ganha outra chama quando descreve o que está a fazer. As praças a abrir em todas as freguesias, o combate à tirania dos carros, embora ele não o diga assim, o aumento dos passeios para reconquistar o espaço engolido pelo alcatrão. Não há nada de extraordinário, moderníssimo ou superlativo nestes planos. Não há nada 3.0. Mas sobressai a ideia de voltar a uma Lisboa com alguma escala humana, menos espaço para os automóveis, mais árvores, pessoas que voltam aos cafés e às esplanadas, até na sempre a abrir Avenida da República. O plano de Fernando Medina: uma cidade mais próxima dos lisboetas, de quem a visita ou namora para um dia se instalar - e com casas para arrendar a preços razoáveis. Será possível?

Lisboa tem perdido moradores e empresas para as cidades à volta. Não tem uma oferta competitiva para a habitação ou para os negócios, é cara. Concorda?


Nos últimos 30 anos, a dinâmica foi de aumento da população na área metropolitana e perda no centro da cidade, [que passou] de cerca de 800 mil pessoas para 550 mil em 30 anos. A área metropolitana incluindo Lisboa tem, grosso modo, 2,4 milhões de habitantes. Esta dinâmica não é só nossa. Aconteceu em várias cidades europeias, no Porto também. Mas estamos a tentar corrigir esta tendência, que afeta a reabilitação urbana, provoca dificuldades ao pequeno comércio tradicional, é responsável pelo desinvestimento, por problemas nas infraestruturas de habitação e educação, nas escolas, nas creches e nos serviços de saúde.


É um processo imparável?


Houve uma construção muito significativa na periferia de Lisboa e uma necessidade de fazer a infraestruturação dessas zonas, com o consequente abandono do centro, para dar resposta às populações. Deu-se ainda outro efeito: como não tínhamos e não temos um eficaz sistema de transportes públicos metropolitanos, em favor da nossa cultura, diria eu, de apreço pelo automóvel...


Apreço é uma maneira simpática de pôr as coisas...


A base é o sistema dos transportes públicos. Penso que é este o grande falhanço das políticas públicas nas últimas décadas. A rede de transportes não se tornou credível, coerente, legível, integrada e adaptada à realidade. Era preciso ter um sistema de mobilidade metropolitana, mas isso não aconteceu. A malha estendeu-se muito, alargou-se, alterou-se e não houve capacidade de resposta. Ora bem, isto fez com que uma parte do investimento público fosse canalizada para as vias de entrada e saída. A política era basicamente pôr e tirar carros da cidade o mais depressa possível.


E isso está a mudar?


Esta situação, do ponto de vista populacional, ainda não se inverteu, mas, pelos dados de que dispomos, a tendência foi interrompida. Os últimos dados mostram uma perda populacional em Lisboa, mas é uma perda semelhante à do resto do país. Este fenómeno é conhecido como o efeito donut, visível em Lisboa e no Porto: vazio no centro e crescimento à volta. O nosso objetivo é inverter isto, recuperar a atratividade do centro. O trabalho está mais avançado do ponto de vista das empresas do que dos moradores. No mercado imobiliário sente-se a crescente procura e relocalização das empresas. Relativamente à dinâmica populacional, a situação do mercado coloca-nos um desafio: o preço da habitação.


É muito caro.


O preço era e ainda é um obstáculo. O que justifica a grande diferença na habitação é o custo do terreno. Os preços de construção não são muito diferentes em Lisboa do que noutras cidades. É o terreno que faz a diferença. Perante isto, decidimos lançar um projeto que hoje é inovador mas que, se recuarmos algumas décadas, não inova face ao que já se fez, por exemplo, no bairro de Alvalade. A câmara disponibiliza terrenos ou propriedades suas para reabilitar, concessiona durante um determinado período (30, 35, 40 anos), a entidade privada constrói ou reabilita, recebe os valores das rendas e no final do período da concessão entrega o património à câmara. O património não deixa de ser público.


É uma espécie de PPP da habitação.


Não, não, não. Não é, porque o risco fica do lado do operador privado. Nós utilizamos um ativo que a câmara tem, os espaços, porque ainda somos um dos grandes proprietários de Lisboa. Para que isto funcione, o programa tem de ter escala, porque isso é a chave do ponto de vista dos custos. Reabilitar um prédio isolado tem um custo mais acrescido do que reabilitar uma zona integrada.


Em que ponto está esse plano?


Vamos ter cerca de 15 áreas, para 23 operações. Essas 15 áreas incluem a reabilitação de um conjunto importante de imóveis e espaços para construção nova. Sobre esses em concreto, vamos lançar processos de concessão. As entidades privadas farão a remodelação, a reabilitação ou a construção, escolherão as zonas que entendem e durante esse período as rendas que irão vigorar serão significativamente abaixo das praticadas no mercado.


As rendas vão ser predefinidas pela câmara?


Vão ser predefinidas e vão estar contratualmente definidas.


Tabeladas, com os aumentos ligados à inflação?


Tal qual. Estamos a falar de rendas que vão desde 220 euros para T0 a 340-350 euros para T1, de 400 a 450 euros para T2 e de 600 euros para T3 ou para mais de T3. Isto por toda a cidade. As zonas que escolhemos são, à partida, primeiro aquelas em que a câmara tem propriedades; segundo, são zonas bem servidas de transportes públicos e infraestruturas, bem localizadas. Estamos a falar de locais que não são periféricos, são centrais. Benfica vai receber um dos complexos de maior dimensão, perto do Colombo. Prevemos que possa haver uma construção até 600 fogos.


E quais são as outras zonas?


Há uma área importante, em que a câmara acabou com um litígio muito relevante há uns meses, que tinha vários anos, e que permitirá a recuperação de todo o Vale de Santo António, da Penha de França até ao rio. A nossa intenção é fazer os primeiros concursos até ao final deste ano.


O que significa que depois entre construir e reabilitar estamos a falar de 2018-19 para que as casas cheguem ao mercado?


Por volta de 2019, imagino eu.


E a expectativa é trazer as tais cinco mil famílias de que se tem falado?


A nossa expectativa é testar este modelo e ver se funciona. Vamos arrancar com este conjunto de operações, apresentá-las aos investidores, com quem já temos, obviamente, dialogado, mas agora apresentá-las de forma estruturada. Queremos lançar um conjunto de duas ou três operações-piloto e, havendo procura, temos esse objetivo das cinco mil famílias, mas para isso será preciso estender o programa. A questão é a seguinte: durante muito tempo, em Portugal, deixou de se pensar que havia necessidade de política pública de habitação. Houve uma grande intensidade de políticas públicas nesta área nas décadas de 1980 para resolver o problema das barracas. Foi notável o trabalho que se fez na habitação social. Notável! Notável! Tenho de o sublinhar.


Embora nos últimos anos tenham voltado a aparecer; reapareceram algumas zonas pequenas mais degradadas, de quase barracas.


Quem se lembra o que era a Avenida de Ceuta de um lado e doutro? O Casal Ventoso... Acho que a política foi muito eficaz. Mas depois, com o predomínio do crédito à habitação, houve um desarmar das políticas públicas nessa área, achando que o crédito bancário resolvia todo o problema do acesso à habitação. É verdade que o crédito imobiliário deu oportunidades muito grandes a muitas famílias que hoje têm acesso a casa em condições condignas e que não teriam de outra maneira. Como vê, não sou dos que só olham para a dimensão da dívida externa. Está lá, na nossa dívida externa, é verdade, mas também está cá no património, está cá nas condições de vida de classes sociais que nunca teriam tido acesso à habitação em condições como estas. Agora, teve impacto na política urbana. Hoje, com a situação do mercado do crédito e com a situação de Lisboa, isto não chega para resolver o problema do repovoamento. Porque tudo funcionará melhor se tivermos mais habitantes.


Cobra mais impostos, tem mais serviços, cria vida...


Alimenta o comércio, reduz as necessidades de transportes, reduz a entrada de carros, melhora os níveis de poluição, melhora as condições para o reinvestimento nas infraestruturas de escolas, de saúde, etc., etc.


Portanto, houve uma fase, nos anos 1990, em que foi preciso construir habitação social para acabar com os bairros de lata. Hoje é preciso trazer de volta a classe média, pessoas com rendimentos um pouco acima de mil euros líquidos, como diz o secretário de Estado dos Impostos. É isso?


O nosso programa vai colar precisamente no limite inferior que é coberto pela habitação social. No fundo, o nosso princípio é orientar para o seguinte: a taxa de esforço com o arrendamento deve sempre ficar-se por 30% do rendimento, não deve superar esta fronteira. As taxas estão calculadas, porque estas rendas serão fixadas. Para que a ideia funcione, o concessionário constrói sob determinados parâmetros de qualidade, é obrigado à manutenção regular dos edifícios e depois cobra as rendas. As rendas, como eu disse, ficam tabeladas no contrato. Não quero ser muito preciso quanto aos valores porque vamos ter oscilações: a própria renda vai ser um fator do concurso e varia consoante o empreendimento, a zona e o custo da operação.


Haverá rendas mais caras, apesar da imposição de tetos, e outras mais acessíveis.


Estamos a falar de operações muito espalhadas pela cidade e que vão de operações de cerca de 70 casas numa zona de reabilitação a uma intervenção que pode ir às 600 ou 700 casas no Vale de Santo António. Os custos vão diferir de um sítio para outro, mas são preços muito competitivos face à realidade da área metropolitana e do país, significativamente abaixo dos valores praticados no mercado.


Apesar desse esforço, cinco mil famílias parece uma gota.


Não é. Se o programa tiver sucesso, isto só por si já vai significar um número significativo de pessoas, além de poder ter impacto no mercado imobiliário. Tenho essa expectativa. Em muitas capitais de países desenvolvidos na Europa, a dimensão da habitação pública ou submetida à política pública é muito forte. Amesterdão, por exemplo.


Falou em 23 operações e depois falou em duas ou três operações-piloto. Estas 23 só vão ser feitas se as duas ou três correrem bem?


Temos os 23 locais identificados e estão a ser trabalhados. Creio que seis deles estão prontos; noutros estamos ainda a trabalhar o enquadramento das questões urbanísticas. O Vale de Santo António tinha um plano aprovado para o desenvolvimento daquela zona. Achamos que o desenvolvimento num programa de renda acessível deve ser bem diferente do que aquele que esteve planeado há mais de uma década. Deve assentar em construções mais baixas, com menos andares, num desenvolvimento mais harmonioso do vale, deve conter infraestruturas de escolas, saúde, etc., que o plano original não continha. À medida que estes planos e estas áreas vão ficando prontos, queremos lançar [outros] em função daquilo que o mercado nos disser que procura. Estamos a falar de operações com perfis diferentes: o maior lote pode representar cem milhões de investimento, outros serão muito mais pequenos, três milhões e por aí fora.


Há construtoras disponíveis para ir a jogo?


Há empresas disponíveis. O que vamos dizer é o seguinte: temos estas localizações, estão ou não interessados numa operação nestes termos?


Como vai assegurar que estes novos prédios não são caixotes feios?


Eu tenho as minhas opiniões sobre arquitetura, mas dadas as funções não as vou referir.


Tem como número três da câmara o arquiteto Manuel Salgado...


Exatamente. Mas sabe que os arquitetos têm uma certa propensão para o não pronunciamento sobre o mérito, sobre o gosto.


Há duas semanas o DN publicou uma reportagem sobre o bairro dos Olivais, os jardins, aquela zona verde toda, a preocupação com a qualidade de vida dos moradores, pelo menos nesse ponto. A ideia é ter uma intervenção com esse impacto?


Claro que é. O que fizemos durante este ano foi estudar tudo isso. Como compatibilizamos uma construção que se quer de qualidade, com urbanismo de qualidade, que tenha as infraestruturas, os serviços, que esteja em zonas bem servidas e não em áreas periféricas e como é que compatibilizamos isso com os custos acessíveis.


E também com o lucro do construtor.


Exatamente. Porque é uma operação que tem de ser conduzida por um privado. Estamos a falar de um investimento total que superará os 600 milhões de euros. É dos projetos mais ambiciosos do ponto de vista do investimento em habitação dos últimos anos e assim será durante muitos outros. Qual é o segredo? O segredo é que o custo do terreno, cerca de um terço do valor da construção, viabiliza o plano financeiramente, embora o dono possa também colocar uma parte das casas para venda ou arrendamento a preços de mercado. Temos de oferecer condições para todos os que queiram morar em Lisboa. E temos de começar já, em particular junto dos jovens. Temos de criar condições para que os jovens possam morar em Lisboa.


O preço das casas continua a subir e há menos para arrendar. Há uma bolha?


Há vários elementos de pressão: um, de que há pouco falámos, tem que ver com a dimensão do alojamento local, que se repercute nos preços; mas há também um aumento da compra de casas. Este projeto da câmara pretende criar uma terceira dinâmica com preocupações sociais.


Quem que poderá candidatar-se a este programa? Quem já vive fora, quem vive dentro de Lisboa?


Este programa dirige-se a todos. Vamos ter segmentos para jovens, para idosos que precisam de mudar de casa e ter uma com outras condições, com outra tipologia. O que queremos é que os critérios de elegibilidade sejam abrangentes. Não incluiremos como elegível aqueles que já são proprietários. Não se justificava que estes tivessem acesso a um programa destes.


Que se passa com o projeto do Intendente, perdeu velocidade? O gabinete do presidente da câmara saiu de lá...


Não há abandono. Foi feita uma intervenção de enorme importância, foi alvo de uma concentração de investimento e de atenção. Considerou-se que essa intervenção, no seu fundamental, estava solidificada. É uma zona sensível. Até porque uma parte dos fenómenos não foi erradicada. Alterou-se a composição, houve uma alteração muito significativa para quem conhecia o que era e vê o que é aquela zona, mas temos de continuar a trabalhar para consolidar os avanços que ali fizemos. Com novas animações, novos espaços, vamos dar início à reabilitação de mais um prédio no Largo do Intendente. Dito isto, há mais locais que precisam da nossa atenção.


Quais?


Toda a zona oriental. A que sobe a partir da frente ribeirinha, que vai de Xabregas ao Braço de Prata, isto é, entre a zona da Expo, que ficou reabilitada com a exposição, e a zona da Baixa, que vai ficar reabilitada até Santa Apolónia, com a conclusão do terminal de cruzeiros. A próxima década vai ser muito marcada por um olhar intenso sobre o desenvolvimento dessa zona. Xabregas, Beato, até à zona de Marvila, no fundo, o que culmina no Braço de Prata. Uma das zonas do projeto da habitação de renda acessível vai entroncar aí, no Vale de Santo António. Posso adiantar que vamos ter um polo muito importante na zona da antiga manutenção militar. Será um projeto estratégico.


Pode explicar melhor?


A seu tempo [risos]. A seu tempo teremos... será outra entrevista.


Estamos a falar de quê?


Estamos a falar de uma área que ficará muito ligada à parte do empreendedorismo e da criação de empresas. Tenho a expectativa de que possa haver a saída do terminal de contentores [ao lado da fábrica de moagem, entre a Expo e Santa Apolónia], que está previsto que seja deslocalizado para o futuro terminal do Barreiro. A câmara irá gerir este espaço, hoje ocupado pelo complexo de manutenção militar, por um prazo de 50 anos.


O que pode adiantar sobre as obras na frente do rio?


São obras que vinham de mandatos anteriores, que tocam no Terreiro do Paço e na Ribeira das Naus e que estamos a estender para poente, Cais do Sodré e Corpo Santo, e para nascente, com o Campo das Cebolas. A obra do Campo das Cebolas vai integrar-se com a da Doca da Marinha. Por isso, aquela doca, em frente ao Campo das Cebolas, vai ficar acessível ao público. Há um acordo com a Marinha para a relocalização dos serviços. Essa obra liga com a que está em curso no novo terminal de cruzeiros, responsabilidade da Administração do Porto de Lisboa. Este projeto significa que teremos, em meados de 2017, uma enorme frente ribeirinha totalmente renovada que vai de Santa Apolónia ao Cais do Sodré.


Muda o trânsito aí?


Há adaptações do trânsito, mas não fundamentais.


Não exclui os carros.


Não. Há alterações nos circuitos de mobilidade, mas continuará a haver trânsito. O importante aqui é realçar a recuperação de uma praça emblemática, o Campo das Cebolas, um projeto muito bonito, onde hoje quase só há um parque de estacionamento. No fundo, estamos a aplicar a mesma visão: devolver esse espaço aos cidadãos e aos munícipes, com áreas pedonais, esplanadas e fruição pública.


Subamos um bocadinho na cidade...


Subamos um pouco. O segundo grande conjunto de obras: o do chamado eixo central, a intervenção que vai do Marquês, Picoas, Saldanha até ao nível da Elias Garcia. Isto é o que ficará feito neste mandato. Depois, no próximo, será da Elias Garcia até à praça de Entrecampos, uma obra mais pesada, que exige o ajuste dos túneis. Estas obras ocupam um sítio muito importante da cidade, que vai trazer nova vida e dinâmica. É uma área de grande concentração de emprego e de população circulante. Temos de ter isso em conta. São, por isso, projetos de grande qualidade, que vão humanizar aquela zona.


Como?


Com o alargamento de passeios, o alargamento de zonas para esplanadas, a criação de ciclovias e a possibilidade de fruição do espaço público com outra dimensão. Começando talvez por baixo, a partir do Marquês, numa visita teleguiada, em dez segundos, o que teremos será o alargamento de passeios ao longo da Avenida Fontes Pereira de Melo. Teremos, depois, quer no Picoas quer em frente ao [Centro Comercial] Imaviz, a retirada dos automóveis das laterais e a criação de praças onde poderão ser colocadas esplanadas. Segue-se o alargamento dos passeios até ao Saldanha, que terá uma obra particularmente emblemática: o grande alargamento da zona pedonal com as tais esplanadas e a circulação de carros a ser feita através do anel interior. Por isso, não há alteração do ponto de vista da facilidade da circulação, há apenas uma alteração do modelo de como se circula.


Reduzindo vias, parece difícil que não afete o trânsito. E o estacionamento?


Há uma redução dos lugares, que será compensada com a oferta de estacionamento nos parques subterrâneos, mas apenas para residentes. É um compromisso que a câmara assumiu.


A EMEL é uma espécie de braço-de--ferro da câmara. Há muitos conflitos todos os dias...


Sim, tenho consciência de que a EMEL... De que há empresas mais amadas do que a EMEL, tenho, tenho [risos].


O caminho será sempre o de encarecer o estacionamento em Lisboa?


Essa é uma questão que não queria abordar neste momento, que merece um enquadramento mais vasto, que se prende com o financiamento da política de transportes no futuro. Mas, neste caso, não estão previstas alterações do estacionamento para residentes. Trata-se é de compensar a perda de lugares à superfície, que haverá, com ofertas próprias para residentes em lugares enterrados, em parques subterrâneos, para que possa haver a certeza de que não há uma afetação das condições e da qualidade de vida dos residentes, que nos interessa, aliás, manter.


A Avenida da República é uma espécie de autoestrada, não é verdade?


Pois, a Avenida da República é uma autoestrada, hoje, é uma via rápida de uma enorme agressividade, perigosa...


É uma das zonas com mais acidentes?


Não diria, mas é uma zona muito agressiva do ponto de vista da vivência urbana e pode ser humanizada. Terá um separador central mais largo, vias pedonais mais largas. No fundo, será uma zona muito mais agradável. E, espero eu, que corrijamos aqui este nosso défice de sermos das cidades com melhores condições climáticas mas, até há bem pouco tempo, das que tinham menos esplanadas. Temos todas as condições para, ao longo da Avenida da República ter um comércio de restauração e zona comercial de qualidade


E chegamos ao projeto, digamos, verde da 2.ª Circular...


... que vai avançar, está aprovado, vai avançar. Mas antes da 2.ª Circular deixe-me falar do projeto "Uma praça em cada bairro". Só aqui nesta zona do Saldanha já foram várias praças, como viu, mas há outras. Por exemplo, a obra de Sete Rios. A praça de Sete Rios, hoje, é muito descaracterizada, é um enorme cruzamento. A intervenção vai permitir não só regular o trânsito mas também o estacionamento, e colocar uma grande zona de espaço público em frente ao Jardim Zoológico. Temos outras [obras] que já estão aprovadas: a praça de Santos, Campolide, Graça, um projeto também muito bonito e emblemático, que iniciará as obras muito em breve.


Novamente, reduzindo o trânsito, caótico...


... é uma zona de estacionamento caótico, usando esse adjetivo. Estamos a trabalhar em soluções de estacionamento alternativas: uma que vai ser construída junto aos bombeiros e outra que ainda estamos a negociar, mas que queremos que seja ali no Quartel da Graça. O importante aqui é sublinhar que teremos muito mais praças em Lisboa, praças que se espalharão pela cidade... no Lumiar, no final da Alameda das Linhas de Torres. Vamos criar centralidades. Em cada uma das freguesias, em cada uma das zonas, criar centralidades em que haja comércio local, fruição do espaço público, zonas verdes, zonas de esplanadas. É, talvez, dos projetos mais transformadores da visão e da vida na própria cidade de Lisboa.


E substitui-se o pavimento, a calçada portuguesa vai recuando, é isso?


Esse é um tema apaixonante. Motiva mais paixões do que os metros quadrados que já substituímos. E suscita entorses. Há uma grande preocupação. Temos de adaptar a cidade às pessoas. E adaptar uma cidade que tem 25% da população com mais de 65 anos implica algumas decisões. Não é normal, não é aceitável que as pessoas tenham medo de sair à rua para não cair. Basta ir a qualquer zona que tenha colinas, por assim dizer, e falar com os residentes. Eles vos dirão o que sentem do ponto de vista da segurança, o pavor com que saem à rua.


A calçada portuguesa vai, portanto, diminuir...


Eu sou um grande defensor da calçada portuguesa, mas com construção e manutenção de qualidade. Isto não é incompatível com, em determinadas zonas, fazermos a utilização de pisos mais confortáveis. Eu dou um exemplo: era bom ouvir o que dizem as pessoas de Alcântara sobre as obras na Rua de Alcântara. É bom ouvir o que as pessoas dizem! Elas estão muito satisfeitas com a solução encontrada. Eu não vejo que seja incompatível uma coisa com a outra. Não podemos é ceder à visão de quem muitas vezes vê a cidade através da deslocação de carro, não é? E que não sente no dia-a-dia o problema concreto, os obstáculos para a população idosa e por vezes não tão idosa. Todos conhecemos pessoas que já caíram na calçada.


Quem usa salto alto está mais sujeito.


Nem é preciso salto alto! Às vezes basta salto raso e um pouco de água e vai ver que esta calçada tem um grande poder de atração [risos]. É possível ir fazendo a alteração com equilíbrio, com ponderação, preservando, naturalmente, nas zonas históricas. Aí, o conforto cedendo a história e cultura...


A linha de comboio de Cascais tem os dias contados, vai mudar de sítio?


Temos estado a falar com o governo sobre isso. É um dossiê que não está para decisão imediata. Tivemos um diálogo com o governo anterior, em que expusemos a nossa opinião. E essa é a de que o comboio ganhava em estar ligado à linha de cintura da cidade e, por isso, integrado na rede ferroviária nacional. Até porque permitiria que quem utiliza o comboio fique muito mais perto do que é hoje o grande local de trabalho. O mapa do local de trabalho, em Lisboa, aponta mais para a zona de Entrecampos, está muito mais entre o Marquês e o Campo Grande do que do Marquês para baixo. Hoje temos um fluxo de pessoas que chega à zona ribeirinha e depois tem de se deslocar para norte, de metro, autocarro ou noutro meio de transporte. Ora, havendo uma integração dessa linha na rede ferroviária nacional, serviria muito melhor as pessoas que trabalham em Lisboa. Mas serviria também muito melhor quem vive em Cascais e quer ir para o Porto e que poderia, simplesmente, ficar numa estação que tem comboio direto para o Porto ou para a Margem Sul. O que neste momento não é possível porque se trata de uma linha isolada.


Essa linha também ainda separa a cidade do Tejo. Tem pensado nisso?


Essa separação é uma barreira, uma barreira física muito violenta.


Falta falar da nova e da velha Feira Popular. Que inferno, este projeto, apesar de se tratar de uma zona tão nobre. A cicatriz nunca mais passa.


O projeto da nova feira está a andar bem, está a andar rápido. Fizemos as consultas com vários [arquitetos] paisagistas para o desenvolvimento do projeto. Estamos também a fazer trabalho jurídico que nos permita lançar o processo de gestão do parque. Esta nova localização da Feira Popular tem uma grande diferença face à anterior: vai estar inserida numa zona verde de cerca de 20 hectares de altíssima qualidade. Vamos estudar as propostas nas próximas semanas e no próximo mês. Depois, teremos o debate alargado na câmara e na cidade. Vamos apresentar tudo para que as pessoas possam ver, dar opiniões. Queremos que isto seja um projeto muito participado.


Quando abrem as portas?


Veremos. Eu queria que fosse o mais cedo possível. Não me quero comprometer com datas. É um processo... estamos a falar de uma área muito grande, da concessão...


Mas estamos a falar de quê; três, quatro anos, é isso?


Não quero falar de uma data. Espero que menos do que isso.


Entretanto os terrenos que estão para venda no centro da cidade continuam bloqueados, duas hastas públicas e nada de venda.


Estamos a avaliar a sensibilidade do mercado. Há razões muito circunstanciais que explicam que a venda não se tenha realizado naquele momento.


Quais são?


Associadas à situação de alguns investidores, em particular, mas também à dimensão da operação. São 135,7 milhões de euros... O preço do terreno não é a questão maior... estamos a falar de um investimento global que superará, naquela zona, 400 a 500 milhões.


Que é para ter habitação, comércio... É uma mistura?


Exato. A necessidade de compatibilizar a dimensão do comércio com a da habitação, com a zona comercial é um trabalho muito exigente para os investidores. Estamos a avaliar o mercado, as circunstâncias. Podemos vender em bloco, e consideramos que há vantagens nisso. Mas avançaremos sempre com um plano alternativo. Não se concretizando essa terceira hasta pública, a câmara desenvolverá um plano para a zona, o que nos permitir partir a operação e fazer a venda por partes.

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