Mais do que sete maravilhas do mundo aqui à porta de casa
832 dias, 22 horas, 57 minutos e 5 segundos era o que informava um dos painéis com a contagem decrescente para abertura da Expo"98 espalhados pelo país. Entretanto, anúncios com bebés de várias raças a mergulhar indiciavam que o tema seria o do mar e dos oceanos, uma boa proposta para o país que globalizara o mundo, mesmo que não houvesse qualquer pretensão em recordar a epopeia dos Descobrimentos como na Exposição do Mundo Português em 1940. Também era uma boa proposta para a ocupação em curso de uma zona de Lisboa que estava quase abandonada, apesar de ficar colada ao rio Tejo, repleta de resíduos poluentes da Petrogal e porto de contentores.
Decidida a localização, exterminou-se a poluição de um modo inédito e estabeleceu-se o projeto que daria origem à Expo"98, o último momento do renascimento nacional do século XX, aquele que faria de Lisboa uma espécie de parque das nações de quase todo o planeta. Principalmente, exibiria as grandes maravilhas do mundo, e não seriam só sete como as que se contavam; nem estariam distantes, era mesmo aqui à porta de casa.
O interesse em ver essas maravilhas do mundo gerou novidades estranhas no comportamento dos portugueses, que meses antes adquiriram bilhetes diários ou passes para toda a Expo"98 e no dia de abertura, e bem cedo, puseram-se em frente às três portas do recinto para serem os primeiros a pisar o conjunto de maravilhas que iria estar à sua disposição. Eram tantos que os recordes de entradas iam sendo batidos todas as semanas e houve dias em que se ultrapassava a lotação prevista, calhando a alguns serem os felizardos que ao entrarem perfaziam um número redondo, um milhão, por exemplo.
Com tanta gente, não era estranho que para furar as filas se encontrasse jeito para entrar nos pavilhões que traziam até Portugal o resto das maravilhas do mundo, então a solução não foi só chegar cedo, mas levar um bebé no carrinho e ter direito a prioridade.
Há uma Lisboa antes da Expo"98 e outra depois, porque até a nível das infraestruturas para a implantação do novo bairro o que se fez foi diferente. Escavaram-se condutas técnicas subterrâneas que atravessavam o terreno e tudo o que era gás, cabos de eletricidade e telefone circulavam fora de vista e ficaram assim para sempre.
Por cima, também tudo era diferente. Ao contrário de outras exposições anteriores, a aposta era reutilizar o máximo possível de edifícios. A cada apresentação de um pavilhão, entre as dezenas dos edificados, era imediatamente informado se a construção se mantinha ou era desmantelada no fim do evento. Por isso, quem ia ao espaço onde ficou a FIL percebia que era para o futuro, mas se fosse visitante do Pavilhão do Canadá entendia que era provisório. Enganaram-se os que previam que o Pavilhão de Portugal iria ter utilização rápida.
Provar canguru...
Entre as novidades que a Expo"98 trouxe estava a de uma multidão de turistas de todo o mundo, coisa que ninguém estava habituado a ver passear por Lisboa ou a alugar apartamentos por toda a cidade, como atualmente se verifica. Antes deles, vieram os responsáveis pela instalação dos pavilhões de mais de uma centena de países representados e várias organizações, outra multidão de nacionalidades nunca antes concentradas na capital na mesma altura. Com eles, vieram outras estranhezas, como a do artesanato que os vários países trouxeram para pagar a deslocação, ou os restaurantes com gastronomias estranhas e pouco fáceis de encontrar até 1998 em Lisboa. É claro que já se tinha visto comida típica do Egito, mas nunca houvera uma ementa como a do restaurante situado a poucos metros do rio. Apesar de serem conhecidas, as tostas do Peter"s também foram algo inesperado. Uma especialidade, no entanto, nunca fora vista por cá, as do restaurante australiano que servia bifes e outras partes de canguru.
Outra estranheza era a visita constante de personalidades estrangeiras em tão curto espaço de tempo. Presidentes e primeiros-ministros eram, às vezes, mais do que um por dia e o governo português multiplicava-se para receber governantes que nunca se imaginaria ver em Portugal e que os visitantes corriam para os observar de perto. O imperador Hirohito foi um deles. Carlos de Inglaterra foi outro. O príncipe Rainier do Mónaco e o filho também. Afinal, a cada jornada era celebrado o dia de um país presente e a representação feita, por norma, ao mais alto nível.
Falando de alto nível, também era o atingido nos espetáculos musicais a que os portugueses puderam assistir pela primeira vez em tão bons e curto espaço de tempo. É certo que Chuck Berry jamais viria a Portugal, bem como Ringo Starr, se não houvesse Expo. Nem os grupos portugueses teriam um público tão enorme. Mas a lista de bandas que se apresentaram pela primeira vez cá era tão extensa como a de eventos de outras artes, ou não tivesse sido finalmente representada a encomenda a Bob Wilson, com música de Philip Glass e libreto de Luísa Costa Gomes, da ópera O Corvo Branco, outra coisa nunca vista num dos edifícios para ficar, o Teatro Camões, com direito a disputa de bilhetes para as poucas representações. E não faltavam danças exóticas, bailados étnicos e performances inesperadas, que fariam lembrar Las Vegas. O mesmo acontecia com as peças de arte espalhadas pelo recinto, como uma onda metálica vinda dos Estados Unidos ou uma girafa a olhar-se ao espelho de Fernanda Fragateiro, pormenores que os visitantes olhavam atentamente enquanto flanavam, cansados de tanto pavilhão e quilómetros corridos.
Havia outras estranhezas, como a de ter sido feito um cais de acostagem para receber com regularidade os cacilheiros que ligavam a Expo"98 à Margem Sul; tal como a extensão da linha do metro até àquele novo território, o que fez que grande parte dos visitantes optassem pelo comboio em vez de ir de carro; ou ter sido construída uma estação ferroviária exuberante para quem vinha do norte, uma rodoviária onde estacionavam os autocarros com peregrinações da província, além de no interior do recinto existirem autocarros para levar de uma ponta à outra os visitantes.
Sendo o tema do mar e dos oceanos, não faltaram testemunhos de navegação. A começar pela reconstrução da fragata D. Fernando, que ardera décadas antes no Tejo. De Macau veio um junco e da Bolívia um barco de ráfia, mas a embarcação mais estranha foi uma gaeta falkusa que a Croácia trouxe até à Expo"98. Os croatas recuperaram uma tradição que envolve estes barcos que pescam sardinha, a de incinerar um antigo exemplar e ter direito a fazer um novo. Reza a história da ilha de Vis que só das cinzas de uma falkusa se pode fazer um nova, a que andou a navegar no Tejo e foi até ao Montijo.
Estranhezas não faltaram na Expo"98, situações que com o virar do século foram-se tornando habituais. Afinal, das cinzas da Expo"98, tal como acontecera com a embarcação croata, afirma-se outra mentalidade.