Leia na íntegra o discurso do juiz Carlos Alexandre nas Conferências do Estoril
Sobre o combate à corrupção
Antes de mais quero esclarecer quem me escuta sobre a forma como aqui apareci.
Há quase um ano, um amigo meu, Rogério Jóia, referiu-me ir sugerir o meu nome para figurar neste painel, aos distintos organizadores.
Embora sejamos oriundos das serranias, lá onde "até as silvas dão rosas" ele da campina de Idanha, eu de Mação, na que era do pinhal, tentei dissuadi-lo.
Disse-lhe e é o que mantenho que tem razão a senhora, perdão têm razão todos os que dizem que sou uma mente simples, um homem "sem mundo".
Na altura eu não sabia, não intuía quem eram as pessoas que vinham apresentar comigo neste evento.
Sendo eu um cidadão comum que deve à divina providência a graça de ter chegado até aqui, muito por força e em razão do lugar onde, já mais de doze anos, exerço funções e ao favor dos média, pensando eu que esse favor dos média, dos tablóides como alguém já disse, só pode ocorrer porque traduzo e postulo as preocupações dos meus co-cidadãos; perante o passado e o presente de cada um deles, não sou nada!
Mas enfim.
Dizia Francisco Serrano um velho maçanico letrado:
"Quem muito quiser saber corra o mundo ou aprenda a ler!"
As minhas condições materiais de existência, conhecidas da generalidade dos interessados porque eu próprio as divulguei e nada oponho a que sejam públicas, não me permitem correr mundo.
Vou como Xavier de Maítre "ali até ao quintal".
E leio, ouço, vejo.
Esta matéria da corrupção é tão antiga como o mundo.
Sempre a houve e arrisco-me a prognosticar que nunca vai acabar.
Em Portugal se acaso tivessem vingando as teses vertidas no Orçamento de Estado de 1928: às receitas corresponderiam as despesas e quem excedesse o orçamentado, salvo motivo de força maior, era punido.
Ou, mais recentemente, o conceito propalado pelo insigne Conselheiro de Estado e do Conselho Consultivo do BdP Prof. Francisco Anacleto Louçã, de "orçamento do Estado de base zero" que entendi ser um exacto apuramento do que se recebe e do que se gasta (a velha ideia de 1928); ao crime na esfera pública as possibilidades de ocorrerem tais fenómenos estariam draconianamente limitadas.
Quem gerasse despesa não orçamentada e que não correspondesse a uma necessidade inadiável seria pessoalmente responsável, a vários níveis.
Não estou com isto a significar e meço bem as minhas palavras porque, perante os órgãos formais e informais de controle, as fontes formais e agora até as fontes informais de Direito, na expressão significada pelo Prof. Paulo Otero, me elucidou (pois estou sujeito a deveres de reserva, de assegurar o prestigio da função e de imparcialidade e correcção); não estou a significar que haja corrupção aqui ou ali na esfera pública.
Só estou a enunciar, numa base de trabalho, aquilo que entendo ser um possível atalho a tais vicissitudes.
Dirão os entendidos: mas isso é dizer o óbvio! Pois é, mas se o afirmarmos convictamente talvez alguma coisa mude.
Afinal também eu fui "corrompido" não pelos "sistemas de contactos" mas pelas boas palavras do meu amigo Rogério Jóia, quando me deixei vir aqui!
Refuto, à náusea, a asserção de um ilustre jurista quando me significou: "eu sou um pistoleiro a soldo, o meu cliente paga-me e eu defendo-o com toda a artilharia legal, as leges artis e todo o empenho que possa emprestar à minha intervenção mas o senhor tem deveres de legalidade, de imparcialidade.
Se não os observar bebe um cálice de cicuta e arrostará com as consequências que os seus actos acarretarem."
No estado actual da arte vi isso há dias num país irmão.
Não há ninguém que, com petulância ou indigência mental, a tal se aventure.
Nesta matéria do combate à corrupção o princípio da superioridade ética do Estado tem de estar sempre no espirito de qualquer dos seus seiscentos mil agentes.
Há dificuldades, obstáculos de toda a ordem! Sempre os houve.
Os princípios da legalidade, da tipicidade das condutas susceptíveis de serem apodadas de ilícitos e criminalmente consideráveis, as dificuldades na recolha e obtenção da prova, os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que, na sequência da prolixidade legislativa, quando não da casuística, por vezes, numa manhã fazem ruir bibliotecas jurídicas inteiras, condenadas ao triturador ou às prateleiras dos alfarrabistas.
Nesta matéria não há como ir ler/consultar quem sabe.
Escreveu e sustentou o Dr. Almeida Santos (na sua obra "Pare, Pense e Mude" - Editor D. Quixote 2015)
Dificuldades do combate ao crime organizado e à corrupção
1. Primeira dificuldade
Uma diferença entre os dois flagelos: a corrupção é tão antiga quanto a nossa memória histórica. Célebres figuras gregas e romanas foram corruptas. Não escapou sequer, ao que parece, a essa lepra das consciências, o próprio e venerável Sócrates. O crime organizado a nível universal é, diversamente, um fenómeno característico da era moderna. As primeiras mafias e os primeiros cartéis do crime organizado surgiram com a lei seca dos anos 30 do século XX. Ressurgiram em força na segunda metade do século XX, no pós-guerra, na sequência da proibição da livre comercialização das drogas. As mesmas causas produzem em regra os mesmos efeitos.
Mas um e outro são fenómenos conexos. A corrupção é um delito instrumental do crime organizado. É difícil - e errado - encará-los autonomamente. E como no passado a corrupção beneficiou de alguma tolerância, é pouca a nossa experiência para reprimir, no presente, um e outro desses delitos.
Esta é a primeira dificuldade do seu combate.
(A pouca experiência e alguma tolerância)
2. Segunda dificuldade (o combate à escala nacional)
Consiste no facto de, quer a corrupção, quer sobretudo o crime organizado, constituírem hoje tipos de crime à escala universal, enquanto as medidas de prevenção e representação que lhes são opostas continuam quase exclusivamente a ter lugar à escala nacional.
De juízes de comarca, polícias de raio curto, e Ministério da Justiça agindo intrafronteiras, não são de esperar respostas eficazes contra um tipo de criminalidade que actua à escala do Planeta. Globalizado o crime, global tem de ser o seu combate.
Existem, é certo, numerosas Convenções, Tratados, Códigos de Conduta, e Planos de Acção da iniciática da ONU, da EU e do Conselho da Europa.
Agora mais recentemente, a Convenção de Mérida, as medidas tomadas na Suíça sobre sigilo bancário e combate ao branqueamento de capitais, as iniciativas legislativas em Portugal.
Cogita-se de outros. Mas, ainda assim, como em 2002, "esses mesmos instrumentos salvaguardam em regra a soberania jurídica e politica dos respectivos Estados.
Dito de outro modo: se o Mundo é também outro, e não apenas outro o crime comum, tendo por sujeito activo o pobre e o coitado, subsiste, inclusive, agravado pelo impulso do crime organizado. Mas deu entrada no palco da criminalidade um outro sujeito activo mais dotado, mais organizado, mais poderoso: o criminoso anónimo de colarinho branco. Age, a ocultas, como um big brother. A ficção de Orwell tornou-se realidade. (Citando Almeida Santos)
3. Terceira dificuldade (A desigualdade de armas)
O moderno crime organizado estruturou-se em moldes empresariais modernos, dispondo dos mais sofisticados apoios tecnológicos e científicos, dos mais eficazes instrumentos e meios, de orçamentos que fazem inveja a muitos Estados.
Inversamente, as respostas que os sistemas jurídicos, policiais, judiciários e prisionais dos Estados lhe opõem são, não apenas de raio curto - em regra intrafronteiras - mas desguarnecidos de idênticos organização, instrumentos e meios. Cada Estado tem o seu sistema jurídico próprio, o que dificulta a coordenação das acções, embora se desenhe uma tendência para os sistemas penais nacionais são herança de um passado que desconheceu este novo tipo de criminalidade. As polícias encarregadas de combater o crime organizado carecem de organização ao nível da que lhes é oposta; de instrumentos sofisticados como aqueles de que «o inimigo» dispõe; de meios financeiros que lhes permitam vencer a desactualização e a ineficácia a que estão condenadas. Carecem, sobretudo, de capacidade de acção eficaz, coordenada a nível global."
O combate começa assim por ser desigual. Temos de tentar igualizar em eficácia as armas.
4. Quarta dificuldade (A concorrência de causas):
Temos até hoje reagido ao nível das causas próximas dos referidos fenómenos, ou seja ao nível dos seus concretos agentes, com desprezo das causas remotas.
Conhecemos estas causas: a explosão demográfica, a concentração urbana; as crises do emprego, da família e dos valores; a quebra de autoridade do Estado, a emancipação da sociedade civil e do próprio homem moderno; o colapso dos sistemas educativos e o efeito deformante da nova escola televisiva; o flagelo da droga; um modelo económico e social que sacraliza a competição, a ambição, o dinheiro e o lucro, e multiplica o número de excluídos e revoltados.
Que queríamos? Que um Mundo novo não produzisse causas das causas dessa criminalidade, não fossem ineficazes respostas que as não tomassem em conta? Que adianta meter na cadeia uma que outra «vítima» das referidas causas se estas continuam, sem resposta, a produzir novas vítimas.
5. Quinta dificuldade (as respostas só repressivas)
A insistência na procura de respostas só repressivas, só penais, judiciais e prisionais contra a corrupção, o crime organizado e o flagelo da droga, mesmo quando, de ciência certa, medidas politicas, designadamente de políticas sociais e de justiça distributiva, seriam mais eficazes.
Herdámos, civilizacionalmente, um reflexo condicionado: o das políticas criminais centradas na repressão, na expiação da culpa, inclusivamente na penitência, na acção da polícia, do juiz e do carcereiro.
Sabendo hoje, como sabemos, que essas políticas são de vista curta, e falharam redondamente, porque insistimos nesse erro em exclusivo, já sem justificação e sem esperança?
Há criminalística a mais e política a menos no combate às novas formas de criminalidade. Pedem-se às polícias, aos tribunais e às prisões respostas que não estão ao seu alcance.
Actuam - repito - quase exclusivamente ao nível dos efeitos - ou das causas próximas, se preferirmos -, negligenciando as causas remotas que continuam, sem obstáculo, a produzir os mesmos resultados.
6. Sexta dificuldade (comercialização e consumo da droga como fonte de financiamento das organizações criminosas)
Exemplifica a 4ª e a 5ª: é sabido que o flagelo da droga constitui a principal fonte de financiamento do crime organizado e a mais expressiva fonte da criminalidade comum.
"É fonte de financiamento do crime organizado", porque o comércio das drogas é proibido. E sendo proibido exponencia o seu preço no mercado negro. Algumas drogas são vendidas ilegalmente a preço várias vezes superior ao preço do ouro, apesar de, na origem, as respectivas matérias-primas serem adquiridas ao produtor a preços de miséria. Estima-se que o lucro global do tráfico de drogas é hoje da ordem da economia global do crude. Quantos responsáveis políticos têm consciência disso?
- "É fonte de criminalidade comum" porque os toxicodependentes, incapazes de resistir ao consumo da droga de que dependem, e sem dinheiro para adquiri-la, roubam, ferem e matam. Complexados pelo correspondente sentimento de culpa, automarginalizam-se, excluem-se familiar e socialmente, degradam-se até à autodestruição.
Dada essa ligação entre o que trafica e o que consome, este constitui a clientela daquele, pelo que o traficante promove o consumo (a sua clientela) e dificulta a libertação do drogado.
Liberalizado o comércio das drogas, este, deixando de ser fonte de lucro, desapareceria ou no mínimo sofreria o mais rude golpe. As drogas seriam adquiríveis a preços irrisórios, ao nível dos do álcool ou do tabaco. E o uso destes, também tóxicos, não alimenta significativamente a criminalidade comum. Atenção! O tabaco e o álcool também criam dependência, e ainda provocam mais mortes do que o conjunto das drogas. Será que sou só eu a ver hipocrisia na proibição do comércio destas e na publicitação e exploração fiscal do comércio daqueles?
Foi este o remédio encontrado na década de 30 do século passado contra as mafias de exploração da lei seca. Sem que tivesse aumentado o consumo do álcool. Mas, se desta vez aumentasse o consumo das drogas, que nos impediria de regressar ao modelo repressivo? A justificação da experiência é assim irrecusável.
De resto, a experiência foi feita com êxito em relação à Metadona e outras drogas de substituição. São drogas, criam dependência, e alguns Estados, incluindo o nosso, fornecem-na e alguns Estados, incluindo o nosso, fornecem-na gratuitamente, retirando dos circuitos do crime comum os milhares de drogados que aceitam submeter-se à experiência.
E não fornecem os Estados também gratuitamente as seringas? E agora as chamadas «salas de chuto»?
A ideia faz o seu caminho. Mas só seria viável ao nível de grandes espaços. O Mundo ocidental, por exemplo. Ou a União Europeia, porque não?
A dificuldade em experimentar a solução fere abertamente e inconfessáveis interesses. A sua recusa releva assim de alguma hipocrisia!
Mas o efeito positivo da liberalização do comércio das drogas - ainda que controlada pelas autoridades estaduais - teria ainda um outro e importantíssimo alcance. Não apenas retiraria dos circuitos do crime comum os 50 por cento a 60 por cento de drogados e pequenos traficantes que para ele contribuem, como reduziria drasticamente a expressão do crime organizado! Este sofreria o mais rude golpe!
"As organizações internacionais deste tipo de crime são dispendiosíssimas. Sem os meios financeiros que o tráfico de drogas lhes proporciona, as suas dificuldades aumentaria numa medida abissalmente superior à das que lhes conseguem impor os actuais meios repressivos. Não seria, aliás, só o tráfico de drogas que deixaria de ter justificação. Os demais tráficos ilícitos - de armas, de prostitutas, de empregos, de materiais nucleares, etc. - passariam a enfrentar dificuldades de alimentação financeira que hoje os não preocupam.
Eis o que considero um exemplo frisante de como medidas políticas corajosas e adequadas podem ter uma eficácia que as actuais medidas repressivas não foram, nem se vislumbra que sejam, capazes de ter. Este exemplo está longe de ser o único!
Dizia com a inteligência fulgurante Almeida Santos:
Sejamos lúcidos: se deus já não ralha; se o Estado já pouco manda; se a família já não tutela; se a consciência moral gastou a pilha, que outro freio nos resta para is comportamentos desviantes? A lei? Quem a respeita? A sanção que lhe anda ligada? Quem a teme? Os tribunais? Quantos casos chegam até eles? As prisões? Meça-se corajosamente a eficácia ressocializante delas! E como se ressocializa o banqueiro que lava mais branco?
7. Sétima dificuldade
Como já tive oportunidade de citar em resposta a quatro perguntas feitas pela revista Sábado idênticas para todos os integrantes deste painel e publicada na edição de 25/05/2017.
"Os sistemas jurídicos penais e processuais penais em vigor nos Estados de Direito Democráticos são por um lado demasiado perfeccionistas e por outro excessivamente garantísticos para poderem ser eficazes no combate ao crime organizado e à corrupção. São perfeitos, mas não são deste Mundo!
Vêm do tempo em que o crime comum era, apesar de tudo, mais raro e mais controlável, e em que o crime organizado pura e simplesmente não existia. Do tempo em que - volto às causas remotas - havia valores, funcionavam a família e a escola, não havia televisão, havia leis e autoridades respeitadas, o ser humano era temente a Deus e a César. Hoje, esfumaram-se todos esses pressupostos.
Os sistemas jurídico-penais eram além disso válidos apenas intramuros do território de cada Estado, anteriores à informação universal, à União Europeia, à globalização, à explosão do direito internacional. A panóplia das infracções penais era quase sempre a mesma. E os casos a julgar não eram tão numerosos que não fosse possível um direito processual penal generoso para com os culpados, quanto à exigência de provas contra eles, a meios de defesa, recursos suspensivos a propósito de tudo e de nada, lentidão bastante para que a culpa morresse com o culpado ou o processo findasse por prescrição, uma que outra amnistia, um que outro perdão. O risco em que incorriam os presumíveis culpados não era nada que um bom advogado não pudesse resolver (ob. citada).
Em 2002 como dizia Almeida Santos:
«Quando a criminalidade radicalmente mudou, as políticas criminais, e os respectivos instrumentos legais e judiciais, permaneceram praticamente idênticos, com ligeiros toques de aggiornamento e perfeccionismo.
Entretanto entraram em cena os direitos fundamentais - as Declarações Universal e Europeia dos Direitos do Homem, as novas Constituições do Moderno Estado de Direito - e com eles toda uma nova panóplia de garantias penais e processuais penais. Estas garantias têm caracter sagrado no quadro dos valores da nossa civilização. Mas fragilizam-na no conforto com os seus inimigos. São aliadas naturais dos criminosos, nomeadamente dos monstros do crime organizado. Protegem até à quase impunidade os que se dedicam à corrupção.
Daí que a alternativa seja esta: ou revisão de algumas dessas garantias para o combate a crimes particularmente graves e lesivos da civilização que as tem como bandeira - nomeadamente a criminalidade organizada e a corrupção -, ou a autocondenação a continuarmos a conviver com esses flagelos, até ao point of no return em que já não serão vencíveis. As mafias, os cartéis, as camorras e as cosas nostras do crime do crime organizado, acabarão por tomar conta da direcção do Mundo.» O mal triunfará sobre o bem.
Para esse efeito, já não reagiremos cedo. É sabido que, em muitos países, já dominam largas fatias da economia legal, após operações criminosas de branqueamento dos proveitos sujos das suas actividades.
8. Oitava dificuldade (A tolerância da opinião pública/ publicada)
Esta específica da corrupção. Por mais que nos custe reconhecer que assim é, a opinião pública de sempre, sem excluir a de hoje, convive razoavelmente com a corrupção, sem verdadeiramente com ela se indignar. É - custa dizê-lo - um fenómeno que colhe o beneplácito de uma resignação colectiva, quando não aceite. Casos denunciados, são raros. Casos punidos, raríssimos. E mesmo o que foi condenado, cumpre a pena aplicada mas não a de ostracismo, ou de rejeição pela opinião pública.
Há domínios em que a corrupção é a regra. Como que uma fatalidade. Sabe-se ou presume.se quais são. E a vida continua, como se fizesse parte dela.
No tempo dos valores, quando as pessoas eram dotadas de uma consciência moral, e um «juiz» para uso próprio morava dentro de nós, a distinguir o bem do mal, havia ainda assim freios éticos automáticos para esse tipo de tentações e procedimentos. Hoje, quando eticamente vale tudo, isto é, nada, não é fácil criar mecanismos de prevenção e repressão desse acto repulsivo, sem o suporte de uma reacção pública saudável.
Esta dificuldade não nos deve desestimular de encontrar antídotos eficazes contra a corrupção e os corruptos. Mas é bom que partamos da consciência e das demais dificuldades aqui arroladas.
9. Nona dificuldade
A corrupção entre crime de organização e corrupção.
A conexão, cada vez mais intensa, entre o crime organizado e a corrupção, por um lado, e a organização económica empresarial, por outro.
Funcionam como vasos comunicantes. Os lucros fabulosos dos tráficos ilícitos e as grandes fortunas que a corrupção permite, após operações de lavagem, usando os mais sofisticados «detergente», entram naturalmente e sem obstáculo nos circuitos da economia legal. Integram-se nela. Fazem parte dela. Não se distinguem ostensivamente dela.
Há assim, nesta nova criminalidade, um antes e um depois. Antes, o crime é claro e é repelente depois, aparentemente não há crime, se abstrairmos da origem criminosa do capital investido. O grande patrão do crime - que mantem facilmente o seu anonimato - preferirá como sócios homens de bem, para lavar também a face. Mais: não raro se dedica a obras de caridade e é galardoado como benfeitor. Suprema ironia: às vezes para acolher e proteger uma magra percentagem das suas próprias vítimas.
Façamos um simples mas virtual exercício de pressuposição. E ficcionemos que, um certo dia, conseguíamos erradicar toda a criminalidade. Quantas falências? Quanto desemprego? Que crash nas bolsas? Que surpresas?
Isto para dizer que, entre a economia subterrânea do crime organizado e a economia legal, existe uma conivência implícita, nem sempre consciencializada, que cada vez mais defende os grandes patrões daquele crime contra medidas punitivas eficazes.
Disse Krieg: «Em matéria de criminalidade económica, os actores são conhecidos em 99 por cento dos casos. Mas é extremamente difícil persegui-los: quanto mais alto está o delinquente na hierarquia da empresa, mais o cobre essa hierarquia.»
É esta mais uma evidência a que não é fácil escapar.
10. Décima dificuldade (A camuflagem via offshores)
A perigosa conversão, pelos patrões do crime organizado, do poder económico em poder político.
«Outro instrumento preocupante dos senhores do grande crime organizado são os centros offshore do moderno sistema económico mundial. Oferecem, como se sabe, serviços particularmente atractivos para figurões e sociedades envolvidas em operações de corrupção e branqueamento de dinheiro. Constituem um instrumento privilegiado de ocultação de fortunas e de fuga às imposições fiscais.
E é sabido que o direito das sociedades, o direito financeiro, e nomeadamente o direito fiscal, são particularmente contemporizantes com este novo meio fraudulento da moderna economia.
Como controlar o que precisamente se impôs pela «virtude» desejada e aceite dessa ausência de controlos? Ninguém desconhece que os circuitos da corrupção e as lavandarias do dinheiro sujo utilizam os centros financeiros offshore para neles sediarem «sociedades-fantasma», ou neles abrirem contas bancárias de falso domicilio, por isso secretas. A um crime transnacional convém, sem dúvida, um instrumento de trabalho sem pátria, como são os centros financeiros offshore, enquanto as reacções e os controlos continuam a confinar-se nos espaços nacionais resistentes à sua globalização.
É no domínio desta específica preocupação que igualmente se coloca o abuso do sigilo bancário e o excesso da sua protecção. A questão tem sido colocada. E são mesmo previsíveis significativos avanços. O risco é que não sejam significativos e atempados o bastante para que se não consume o que se pretende evitar.
Isto dito, e sem precisão de mais, resta alguma dúvida de que, a prazo, o poder económico das mafias do crime organizado vai converter-se em poder político, ou seja na eliminação do potencial controlo deste poder sobre aquele?
«Regresso a Ziegler. Disse a este propósito: «As organizações criminosas são bastante poderosas para infiltrar governos, parlamentos, administrações policiais e palácios da justiça. Isto é, para paralisar o braço que teoricamente deve golpeá-las, obtendo uma impunidade real e permanente.»
Ele disse... infiltrar? Eu digo substituir!»
11. Décima primeira dificuldade (Acesso à violência)
A vertiginosa potenciação do acesso individual a formas incontroláveis de violência.
Mais preocupante ainda do que o acesso dos demónios do crime organizado ao domínio económico, e através deste ao poder político, é ainda o seu acesso crescente a formas de violência cada vez mais incontroláveis.
A violência começou, naturalmente, confinada à capacidade física do homem. Só ou em grupos.
Sempre, depois disso, foi aumentando a capacidade ofensiva e destrutiva do ser humano.
«De reforço em reforço do acesso a meios violentos de intimidação»...., chantagem ou mesmo destruição, estamos já, e estaremos cada vez mais, à mercê de um louco, um fanático ou um «demónio» que, por razões más ou boas, tanto importa, tenha na ponta do dedo o poder de destruição bastante para pôr um ponto final na nossa brilhante civilização, se não na nossa promissora existência!
Poderemos nós excluir o risco de os patrões do crime organizado virem a ser esse demónio?
«Invoco tudo isto - adianto já - para realçar a desigualdade das armas com que os Estados - mesmo os que dispõem de arsenais nucleares bastantes para fazer explodir o planeta! - lutam contra as organizações do grande crime de colarinho».... branco. Será que nos apercebemos de que, para fazer face a tais inimigos, os meios que temos accionado, ou tentado accionar, são ineficazes e inertes?
Continuar a citar o Dr. Almeida Santos:
12. Décima segunda dificuldade
«O risco crescente de a referida apropriação do poder político pelos demónios do crime organizado virem a abalar, se não a destruir, os alicerces das próprias sociedades democráticas.
Estas, de perfeição em perfeição, aportaram à construção dos modernos Estados de Direito Democráticos. Estados que se auto-submetem aos ditames do próprio direito, e que erigem as Declarações de Direitos Fundamentais em novas tábuas de valores de validade universal, com a força impositiva de uma verdadeira religião laica.
Enquanto isto, o crime organizado - último estádio do capitalismo selvagem - (e não só dele) sobrepõe a esses novos valores cívicos e morais os valores da competição sem regras, do consumismo e da publicidade, da sacralização do dinheiro e do lucro, do êxito como medida suprema de realização pessoal.
E assim, tudo bem concertado, contribui para formas crescentes de rebelião social, de sobreposição do individuo ao cidadão, de entrega do placo politico a formas crescentes de democracia directa, de recuo do Estado e da sua autoridade, de regresso a práticas políticas e sociais de sentido anarquizante.
O propósito parece ser o de levar as pessoas a concluir que os sistemas democráticos têm fragilidades que a prazo os hão-de vitimar, pelo que se deve ir admitindo a sua provisoriedade.
Aliado predilecto desse objectivo é, naturalmente, o aumento da criminalidade e de insegurança, promovido precisamente por quem o pratica. O culpado desse risco é nem mais nem menos do que o principal beneficiário dele.
O crime organizado, como aliás o crime comum, visa assim vantagens aparentemente secundárias, que só por ingenuidade havíamos de desconhecer e menosprezar.
13. Décima terceira dificuldade
A não reacção espontânea da sociedade civil.
Aparentemente, uma visão lúdica da vida, difundida pelos modernos meios de comunicação social - TV, Internet, e tutti quanti, tem roubado aos cidadãos em geral capacidade de reacção ao caminho que levam as coisas. Excepções generosas são a andorinha, não a Primavera (...).
A verdade é esta: aparentemente, os Estados e as organizações internacionais - Nações Unidas, União Europeia, Conselho da Europa, nomeadamente - estão sozinhos no terreno da luta. De baixo para cima, não sobe o estímulo de recção saudável.
Protestos isolados ou de pequenos grupos, contra problemas e dificuldades de ao pé da porta que afectam cada um, é o que não tem faltado. Mas reflexões em profundidade sobre os grandes problemas do nosso tempo, e que afectam globalmente um Mundo em instâncias de globalização, são raras de mais para se dê por elas.
A própria insegurança, e a criminalidade, sua causa, só provocam reacções aos que por elas são directamente afectados. A criminalidade organizada, essa então, goza de uma tolerância colectiva que, se não é desinformação, é mesmo alheamento, se não já resignação.
Isto pode significar que tem também faltado uma salutar pedagogia do crime e contra o crime, a começar por uma pedagogia da violência e contra ela. Em todos os azimutes da informação e do ensino. Em vez disso, a informação mais alimenta a violência do que a combate. E o ensino oficial ignora praticamente o ensino do civismo.
14. Décima quarta dificuldade e não, decerto, a menor: o tempo
Será que ao ritmo a que o crime organizado campeia e progride, dispomos de tempo para os vagares com que a ele nos temos oposto?
Já realcei que, como dizia o Dr. Almeida Santos: «os esforços feitos até hoje, e muitos foram, não têm apresentado resultados positivos. Podemos assim afirmar, sem nos afastar da verdade, que ou mudamos rapidamente de estratégia, ou quando mudarmos será tarde. O crime organizado terá consumado o seu plano de dominar o poder económico e, através dele, o poder político.
A falta de tempo é assim determinante. Uma vertigem de pressa, e uma psicose agorista, leva-nos a viver vertiginosamente, sem tempo para reflectir, e reflectindo mudar de rumo. Resultado: a correr em direcção a nada, condenamos a reflexão, e as reacções que se impõem, aos mais paralisantes vagares. E esses vagares, a que aparentemente estamos condenados, em razão das dificuldades anteriormente mencionadas, constituem sem dúvida mais uma dificuldade, se não a maior de todas.
Sabemos o que é preciso fazer: reconverter as nossas respostas da escala nacional à escala supranacional, se não puder ser universal; alargar, até à globalização possível, o espaço da jurisdição que se lhe há-de opor; unificar o mais possível a legislação penal e processual penal que há-de reger as respostas do futuro; complementar a nossa reacção penal - repressiva, com medidas políticas que se revelam eficazes; pragmatizar alguns princípios éticos que se revelem entorpecentes. Fazer tudo isso enquanto é tempo.».
De novo por apelo a Almeida Santos:
«De novo a temática das causas próximas e das causas remotas
1. Ineficácia das medidas tentadas
Porque me dei eu ao trabalho de investigar as principais dificuldades com que o combate ao crime organizado e à corrupção se vê confrontado?
Porque não resisto à impressão de que nem sempre se tem tido clara consciência dessas dificuldades. Até ao nível dos mais altos responsáveis da ONU, da EU, e da CE, se tem raciocinado mais em função das causas próximas do que das causas remotas!
O resultado, até hoje, tem sido uma quase total ineficácia das medidas tomadas. Apesar delas, o crime comum cresce, a corrupção alastra e o crime organizado prospera. Quantos patrões do crime organizado foram já identificados, punidos e encarcerados? Que percentagem de corruptos tem caído nas malhas da justiça? Que ressocialização de criminosos comuns tem sido conseguida?
A resposta é o aumento exponencial do crime ligado à droga - consumidores e traficantes miúdos -, e o alastrar da insegurança, em especial da insegurança urbana, em quase todo o Mundo, sem distinção significativa entre países ricos e países pobres. Mas com alguma distinção - que os inimigos da liberdade e da democracia não deixam de invocar - entre países de regime democrático e países de regime totalitário. Os ditadores têm, no crime que alastra, o seu melhor aliado.
Sendo conhecidos os porfiados esforços feitos pelos Estados nacionais, e pelas altas instâncias internacionais, traduzidos em inúmeros encontros e debates, numerosas convenções internacionais e planos de acção, algo tem de estar errado nesse esforço para ter produzido e estar produzindo tão magros resultados.
É com efeito impressionante, e imbuído dos mais salutares propósitos, o esforço que tem sido feito pela ONU, pela EU, e sobretudo pelo CE - principal zelador dos Direitos do Homem -, sentido de pôr alguma ordem no caos do combate à criminalidade, e de tentar suprir, através de Convenções, Tratados, Planos de Acção e Avaliações subsequentes, a ausência de Códigos penais e Processuais Penais de validade supranacional - já que da validade universal estamos longe - e de jurisdições de espaço menos exíguo do que os espaços nacionais. Que manos exíguo? Tão dilatado quanto a área de actuação do crime universal a combater!
Mas mesmo esses instrumentos, até hoje, nem sempre foram assinados, quando assinados nem sempre foram promulgados, e quando promulgados revelaram-se de eficácia praticamente nula.
2. Quais as causas dessa ineficácia?
Qual a razão, ou quais as razões dessa ineficácia? Vejo uma razão em cada uma das dificuldades que arrolei e que, infelizmente, não são únicas! Não obstante, essas e outras, podem talvez ser reconduzidas a uma só. E essa é a que tentei identificar com o facto de as medidas em regra preconizadas e adoptadas combaterem a criminalidade - organizada e não! - só ao nível das causas próximas e não também ao nível das causas remotas.
Será que faz sentido combater o crime comum só ao nível do faminto que rouba para comer, do desempregado que se revolta contra o sistema, do iletrado que desconhece a lei, do marginal que se não integra, do psicopata que se não conhece, do ciumento que se não contém, ou do drogado que se não controla? Sabemos ou não quais são as causas remotas de tudo isso? Sabemos ou não que, enquanto persistirem essas causas, se repetirão os seus efeitos?
E será que faz sentido combater o crime comum só ou quase só ao nível das leis e jurisdições nacionais, quando os seus agentes, e as suas organizações, actuam transnacional, quando não universal? Ou só ao nível das sanções penais e não também ao nível das decisões políticas, sabendo nós que estas podem ser bem mais eficazes do que aquelas?
Não se julgue que menosprezo - repito - o vasto quadro dos instrumentos de combate contra todas as formas de criminalidade já criados pelo CE, a EU, ou a ONU. Pelo contrário: inclino-me perante o esforço que representam e a clarividência que demonstram. O que nos falta não são conciliábulos, convenções, tratados, códigos de conduta, planos de acção e avaliações da obra feita e do trabalho havido! O que me deixa surpreso e retinente é precisamente o facto de, sendo tantos, e a um primeiro exame tão doutos e tão bons, não terem, até hoje, produzido resultados positivos dignos de registo!
Daí a questão que temos de colocar-nos: o que está errado neles? Se se destinavam a combater e não combatem; a ser eficazes e não são, temos de proceder ao seu reexame, e tentar averiguar se vale a pena insistir neles, bastando aperfeiçoá-los ou complementá-los, ou se, diversamente, se impõe corrigi-los, substituí-los, ou mesmo mudar de rumo.
Continuo a seguir o texto do Sr. Dr. Almeida Santos cujas palavras peço licença para acolher e tentar trazer ao debate nesta oportunidade. Ele reflectiu sobre que fazer?
Sugestões e medidas
1. Que fazer?
«Fui designado membro de um Grupo de Trabalho constituído pelo ilustre Presidente da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, com o objectivo de estudar orientações e medidas eficazes de combate à corrupção e ao crime organizado.
Preconizo assim, com a humildade de quem se não considera particularmente iluminado, as seguintes orientações e medidas:
2. Orientações e medidas
1ª Encarar, decididamente, formas de combate a nível transnacional, enquanto universal não puder ser. A criminalidade universal não é efectuada por respostas nacionais, ou mesmo supranacionais de espaço limitado. A soberania dos Estados - em fase de superação - tem funcionado como um entrave a respostas globais. Têm, aliás, sido realçadas pela doutrina as tendências do direito internacional dos nossos dias para a universalização, a institucionalização, a funcionalização, a individualização, a codificação, a jurisdicionalização e a constitucionalização.
2ª É positiva a ideia da criação de um espaço jurisdicional único europeu. Mas, se hoje consideramos exíguos e entorpecentes os espaços jurisdicionais dos Estados membros da EU, é por igual exíguo um espaço jurisdicional que não cubra sensivelmente a mesma área em que o crime organizado actua. A ideia de uma «jurisdição global», para a qual convirjam as jurisdições nacionais, revela-se cada vez mais sedutora. Como escreveu o Comissário português António Vitorino, a realidade empurra-nos para a ambição de um corpus juris de vocação universal, para crimes de «matriz global».
3ª O princípio da «igualdade das armas» é uma das bandeiras do Moderno Estado de Direito. O crime organizado deve ser combatido com «armas» de eficácia igual àquelas que opõe às suas vítimas. As mafias do crime organizado munem-se das tecnologias mais sofisticadas. Temos de opor-lhes meios e respostas de igual sofisticação.
É chegado o momento de, não apenas substituir as respostas nacionais por respostas globais mas de substituir os meios e instrumentos artesanais de uso corrente por tecnologias igualmente sofisticadas.
4ª Temos, como decorre, de combater o crime organizado também e o mais possível ao nível das suas causas remotas e não apenas ao nível das suas causas remotas e não apenas ao nível das suas causas próximas. Esta é, porventura, a mais forte razão da ineficácia das respostas até hoje tentadas.
5ª Respostas só policias, jurídico-penais, judiciárias e prisionais, nunca lograram debelar eficazmente sequer o crime comum. Como poderiam ser eficazes contra o crime científico e empresarialmente organizado? Impõe-se o recurso a medidas políticas de educação cívica de combate aos estímulos conhecidos e às causas económicas, sociais e culturais que estão na base das condutas desviantes.
6ª Exemplo de medida política eventualmente eficaz contra o crime organizado: a liberalização, ut supra, do comércio de drogas. Liberalizado, o preço delas seria irrisório e o seu tráfico não estimulante. Sem os lucros fabulosos que aufere do seu tráfico não estimulante. Sem os lucros fabulosos que aufere do seu tráfico ilícito, o crime organizado ficaria desprovido do seu principal suporte.
7ª Códigos Penais e Processuais Penais de validade e aplicação plurinacional, enquanto não puder ser universal. No espaço europeu porque não?
8ª Tribunais de jurisdição penal com competência plurinacional, enquanto não puder ser universal. O Tribunal Penal Internacional é um bom exemplo. Mas porquê só para o restrito tipo de crimes para que nasce competente?
9ª Reduzir o excesso perfeccionista, burocrático e formal dos Códigos e, em geral, das leis penais e processuais penais, pragmatizando-os e agilizando-os, nomeadamente dispensando incidentes e recursos dispensáveis, ou de efeito suspensivo perfeitamente evitável.
10ª Reduzir, para os crimes de excepcional gravidade, como são os cometidos por organizações criminosas operando a nível transnacional, o excesso garantístico do direito constitucional, penal e processual penal dos modernos Estados de Direito.
Perante a gravidade do crime organizado, a lógica dos princípios deve, em casos excepcionais, e dentro de limites razoáveis, ceder perante o pragmatismo das soluções necessárias à salvaguarda dos mesmos princípios.
11ª Promover campanhas de informação e educação cívica - na escola, na televisão, nas empresas, em todos os futuros agentes de um ensino integrado e continuado, do berço à cova - de sensibilização contra os riscos consumados e potenciais do crime organizado, por forma a provocar uma reacção colectiva saudável de fiscalização e combate ao nível de cada colectividade e de cada cidadão. O tradicional inimigo, o que estava do lado de lá da fronteira pronto a invadir-nos e a conquistar-nos, e que deu origem aos velhos sentimentos de exaltação patriótica, e à ordem militar ainda vigente foi substituído pelo novo insidioso inimigo que o crime organizado é. Acordemos as vítimas que dormem! Mobilizemo-las como «soldados» de uma nova cruzada! Os Estados, sozinhos, não podem fazer tudo. E a sociedade civil não é parte desinteressada nesta contenda!
12ª Intervir, com espirito reformista, no modelo económico prevalecente. Procurando novas sínteses entre a produção e a distribuição; entre o estímulo consistente no espírito de lucro e os ditames da equidade e da justiça; entre a «fábrica de pobres e excluídos», que hoje é, e o motor de solidariedade que tem de ser; entre a cada vez maior concentração da riqueza e a cada vez maior expansão da pobreza; entre a procura de emprego e a sua redistribuição equitativa como bem raro em que se vai tornando.
Essas e outras sínteses, comummente referidas como Nova Ordem Mundial, constituem, volente nolente, um imperativo político e ético. Tentam-se pela via de políticas arrojadas e reformistas. O combate ao crime organizado é apenas um aspecto dessas políticas. Não será definitivamente eficaz sem elas.
13ª Dificultar, tanto quanto possível, a conversão, pelos patrões do crime organizado, do seu poder económico em poder político. O perigo maior é esse! E não o evitaremos mantendo, qua tale, o privilégio de que hoje gozam de não serem obrigados a justificar e comprovar a origem lícita da sua fortuna. Quem hoje é pobre e num ápice se converte num nababo, ou prova de onde licitamente lhe veio a fortuna ou deve ser privado dela a benefício da colectividade, ou da humanidade a que pertence.
14ª Inverter assim, para se poder concretizar a «expropriação» das fortunas ilicitamente adquiridas, o tradicional ónus da prova. Hoje, é princípio civilizacional intocável o de que a prova compete a quem acusa. De acordo com este princípio, é o acusador público quem tem de provar a origem fraudulenta da mais suspeita fortuna. Essa prova é por regra impossível. Mas a origem lícita de uma fortuna - quando ocorre - é o que há de mais simples para o titular dela! A que título assegurar aos patrões do crime organizado a garantia daquela impossibilidade, dispensando-o desta facilidade?
Que aquele princípio continue aplicável ao pequeno crime, não se contesta. Mas que continue a proteger quem o quer destruir, destruindo o Estado de Direito, é mais difícil de compreender.
Como é óbvio, esta seria também uma arma preciosa para perseguir os corruptos.
15ª Continuar a complicar a vida aos grandes patrões do crime organizado questionando o funcionamento sem efectivo controlo dos centros offshores e das «sociedades-ecrã». Já vimos que funcionam como uma espécie daqueles antigos mosteiros que beneficiavam do privilégio de conceder refúgio. Quem atingisse a aldraba da sua porta já não podia ser preso. Justifica-se que continue a ser assim? Há que ter a coragem de dizer que o rei vai nu!
Tenho a certeza de que os patrões do mundo económico sabem o que há a fazer. Assim tivessem a correspondente vontade política.
16ª Com o mesmo propósito, questionar a justificação, em todos os casos, do estrito princípio da legalidade, com rejeição principológica do princípio oportunidade, em direito processual penal.
O Mundo está dividido entre ambos. Será assim tão difícil avaliar os méritos de um e outro e optar uniformemente pelo melhor? Ou pelo melhor de cada um?
Não está sequer em causa avaliar qual o preferível em todos os casos. Bastaria optar pelo mais vantajoso no combate ao crime organizado. (...) sou adepto convicto do princípio da legalidade (vinculação absoluta de acusadores e juízes ao império da lei), admito sem repugnância que se perfilhe o da oportunidade, dada a sua maior maleabilidade, na instrução, acusação e julgamento de crimes de especial gravidade. O respeito estrito pela lei em todos os casos é outra garantia de impunidade dos patrões do crime de colarinho branco.
17ª E porque não ir até ao ponto de questionar o bem fundado da aplicação sem reservas, aos patrões do crime organizado, do principio in dúbio pro reo, ou mesmo o princípio da «presunção de inocência»? Dúvida a favor do réu ou presunção da sua inocência, quando num ápice aparece fabulosamente rico sem justificar a origem da sua riqueza?
Estas situações recolocam questões que julgávamos definitivamente afastadas.
18ª Ainda com a mesma intenção, admitir e consagrar legalmente, onde não exista, a possibilidade de recompensar o implicado ou acusado, sobretudo se arrependido, que colabore com a justiça, ajudando esta aprovar, contra os grandes criminosos, a sua responsabilidade criminal. Os raros casos em que tem sido possível apanhar peixe graúdo nas malhas da justiça, beneficiaram de colaboração desse género. Tal não ocorreu, nem ocorrerá, sem algum entorse do princípio da igualdade. Mas também aqui temos de optar entre a fidelidade aos princípios e o combate a um inimigo que se propõe destruí-los.
Não domino em profundidade o direito positivo das jurisdições que têm tentado implementar institutos jurídicos nesta linha de raciocínio.
Mas, como outros que já o têm defendido no espaço público, também eu me identifico com a ideia de que a clarificação das leis de combate à corrupção beneficiaria com o instituto do que vimos referido como sendo a colaboração premiada.
Há aqui quem sabe mais disto do que eu.
A colaboração premiada é um instrumento jurídico típico de democracias maduras e reputadas como desenvolvidas, como as da Alemanha, França, Itália, EUA, que a usam para combater o terrorismo, o tráfico de droga e o crime organizado.
Sem a colaboração premiada, como teria a Itália derrotado a máfia na conjuntura dos anos 90 (curvo-me perante o heroísmo dos Juízes Falcone, Borselino, ainda hoje reconhecido nele envolvendo todos os que com eles interagiram nesse combate).
E na Espanha? Temos aqui quem fala com uma propriedade e "know how" que eu nuca terei.
E agora, diante dos nossos olhos, no Brasil (BRIC sim mas que não pode haver qualquer menoscabo nem a respeito da lucidez dos seus 200 milhões de habitantes, nem de todos os profissionais e cultores da ciência jurídica nesse país-continente.
No nosso caso, ela já existe sob várias formas, em matéria de flexibilização da reacção penal, de atenuação do seu quantum (tão controversa ante o facto de não se tratar de uma ciência exacta ou por tabelas!).
O passo a que me refiro ainda não foi dado, ao que penso, para o crime económico e para a corrupção.
Apelo mais uma vez a que se reflicta (com o uso prudente e contido da liberdade de expressão que nos foi arduamente alcançada) nas lúcidas palavras do Dr. Almeida santos que o tempo não erodiu.
Estão presentes na actualidade.
Estamos apenas a falar de colaboração com a justiça.
Ninguém defende que o Estado legisle no sentido de passar um "cheque em branco" ao denunciante.
Hoje estamos a assistir a um reforço das garantias aos cidadãos que, modestamente, saúdo.
Não há actualmente ninguém que entre num tribunal, num departamento do MP, numa esquadra de polícia judiciária, sem o contributo de um advogado. No caso dos depoimentos testemunhais cada vez mais se assiste ao acompanhamento por advogados.
O interveniente pode dispensar, em certos casos.
Mas, cada vez menos, usa desta faculdade.
A colaboração premiada não dispensa o MP de aprofundar a investigação do que lhe é transmitido nesse âmbito e da concatenação com os demais meios de prova, tais como prova documental, pericial, testemunhal, entre outras.
A justiça não fica dependente dos arrependidos para obter mais resultados!
Impressionou-me o testemunho de Eva Joly (que foi juíza de instrução no caso ELF) publicado pela Editorial Inquérito, em Junho de 2003, sob o título traduzido «É este o mundo em que queremos viver?»
A então Juiz escreveu de forma lapidar o que viveu entre 1994-2001:
Vemos algumas frases:
"Uma investigação não é uma história que se desenvolve de maneira linear, é uma sucessão de verdades por vezes contraditórias. O que, num dia parece adquirido, é desmentido um ano depois por averiguações incontestáveis.
Um pedido de informações bancárias no estrangeiro, que pode levar dois ou três anos a conseguir, por trazer nova luz a interrogatórios anteriores. Esta elaboração, por andares, das informações judiciárias torna-se mais complexa sempre que se tratar de delitos económicos. A sofisticação jurídica e técnica das manobras financeiras não torna fácil esta narrativa (ob. Citada a pág. 23-53).
19ª Ainda com idêntico objectivo, conceder protecção especial às testemunhas que, sem essa protecção, se recusariam, por medo, a colaborar com a justiça. Os grandes criminosos couraçam-se difundindo medo, e usando, para difundi-lo, a arma da vingança.
20ª Sempre com o referido objectivo, não recuar perante o expediente do agente infiltrado. O grande criminoso especializa-se na perfídia e na traição. Como justificar que, em troca, o combatêssemos com preocupações de combate leal? O agente infiltrado repugna a uma consciência bem formada. Mas não mais do que lhe repugna a crueldade fria e demoníaca dos patrões do crime e seus agentes.
21ª Uma vez mais na linha da mesma preocupação, deixar de questionar, por mal empregados escrúpulos, a participação dos serviços secretos, sempre que existam, na investigação do crime organizado. Porque não participariam? Por serem secretos e transportarem consigo uma carga de má memória? É preciso não confundir o papel desses serviços numa democracia e numa ditadura! E não são ainda mais radicalmente secretos os que concebem e executam as maléficas determinações dos big brothers que se faz mister combater?
22ª Útil podia revelar-se também a atribuição, no combate aos crimes mais graves, de efeitos jurídicos ao silêncio. É frequente os suspeitos de comissão ou participação desses crimes, e seus asseclas, refugiarem-se no silêncio como expediente de defesa. Estando fora de causa as formas violentas de compulsão a dele saírem, só nos resta atribuir efeito jurídico ao seu silêncio, no conjunto das provas. No minino quando se entenda que têm o dever de não silenciar, à semelhança do que acontece no processo civil. Seria o caso, supramencionado, de se recusarem a justificar a origem de uma fortuna repentina e suspeita.
23ª De igual modo e aplicação a processos relativos a crimes particularmente graves, sobretudo quando cometidos no quadro de organizações criminosas de grande território, de prazos dilatados de prescrição, se não mesmo de regimes de rigorosa imprescritibilidade, tal como se prevê no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, para os crimes nele considerados. Para grandes males grandes remédios.
24ª Será necessário acrescentar a necessidade de proscrever em todos os casos de amnistias, perdões genéricos e indultos a crimes de tal gravidade e perigosidade?
25ª Reexaminar a uma nova luz - a da necessidade de um combate eficaz ao crime organizado e à corrupção - a garantia, preciosa para corruptos e patrões do crime, do sigilo bancário.
Essa garantia tem encontrado, até hoje, poucas excepções, sempre no quadro de uma investigação criminal em curso. Mas temos de reconhecer que, tão rodeadas de cautelas, entre elas a da exigência de um despacho solicitante de um juiz, não funcionam na maioria dos casos. Ao simples fumus de uma investigação, o depósito de origem criminosa voa para qualquer paraíso fiscal.
Mesmo dentro dos limites actuais da sua aplicação, as excepções à garantia do sigilo bancário padecem de dois defeitos: o primeiro são os herméticos e incontroláveis centros offshore e as «sociedades-ecrã»; o segundo são os países que, não aderindo à obrigação universal de admitir excepções àquela garantia, se convertem em outros tantos «paraísos» em cujos bancos se torna tentador abrir uma conta inacessível a toda a devassa.
Daí que se imponha a necessidade de uma específica Convenção que regule o sigilo bancário em termos de obrigação universal, com sanções - económicas e outras - para os países e bancos que se recusem a cumprir essa obrigação.
Esta é uma das medidas que só são válidas num quadro de reacção globalizada.
26ª Na sequência da medida que acabo de preconizar, talvez não seja impossível vincular os bancos à obrigação do não apagamento do registo das contas bancárias neles abertas, e da identidade dos respectivos titulares. Basta que em casos excepcionais possa ser ordenado o levantamento da garantia do sigilo, para que se justifique a exigência desse registo.
27ª Rever, à luz da necessidade de dificultar a ocultação de fortunas de origem criminosa, o regime legal dos títulos ao portador, nomeadamente quanto ao regime da traditio brevi manus de que gozam.
Hoje, um título ao portador, eventualmente representativo de vultuosos capitais de investimento, pode estar registado, na respectiva empresa, em nome de quem nada teve a ver com o investimento, ou que inclusivamente é inimputável, e jazer bem guardado no cofre-forte de um criminoso de colarinho branco, que num ápice se desfaz da sua posse.
28º Repensar a expansão incontrolada da especulação financeira, nomeadamente nas cities e bolsas a isso destinadas. Nelas, capitais de volume superior à própria riqueza material, circulam de mão à velocidade da luz, a um pouco menos do que imperceptível sinal de dedos. Sem qualquer imposição fiscal.
Serei o único a ver nestas facilidades, neste anonimato, e nesta ausência de controlo fiscal, a antecâmara do paraíso dos offshores? A ver, dito de outro modo, nesta fácil e expedita especulação financeira, sem sombra de registo ou de controlo, a mais colossal «lavandaria» do dinheiro sujo do crime organizado?
Chega a parecer-me às vezes que o modelo económico e financeiro universalmente consagrado foi concebido precisamente para facilitar a vida e tornar impenetráveis os segredos dos senhores da cibercriminalidade.
29ª Controlar a sério - dificultando-se até à inacessibilidade - o acesso aos ingredientes com que se fabrica um engenho atómico explosivo. Já que houve quem fosse tão irresponsável e ingénuo ao ponto de difundir o modus facciendi de uma de uma bomba atómica - em manual de vasta divulgação e na Internet -, que ao menos cuidemos de proteger as reservas de urânio enriquecido e outros materiais necessários à sua feitura.
É já preocupante - repito - o número de processos instruídos sobre eventuais casos de tráfico ilegal desses materiais. Esse número não é de bom augúrio. Mas já que, até agora, parece termos sido ingénuos, cuidemos, a partir daqui, de não sermos irresponsáveis e loucos. A bomba atómica artesanal, ao dispor de um fanático ou de um louco, é um risco que recomenda o nosso juízo.
(...)
32ª Consagrar efectivamente, e rentabilizar até onde possível, nesta linha de preocupações, as promissoras medidas que estão a ser tomadas ou encaradas pela Comissão Europeia e pelo CE, nomeadamente: a de facilitar a extradição, para crimes particularmente graves; a do reconhecimento mútuo de decisões judiciais em matéria penal, nomeadamente com dispensa de qualquer reexame do caso ou outra formalidade prévia; a de facilitação do congelamento de bens de presumíveis criminosos, nomeadamente corruptos, mesmo em país diverso daquele em que corre o processo; a do banimento de concursos públicos à escala supranacional (no mínimo europeia) de empresas envolvidas em casos de corrupção; a da inoponibilidade do segredo bancário e fiscal às investigações sobre lavagem de dinheiro; a da Convenção que o Conselho da Europa está a ultimar sobre cibercriminalidade, como rosto que é da criminalidade financeira em geral; a da prossecução de uma ideia de jurisdição global. E não hei-de esquecer o projecto, lançado pela ONU, de uma Convenção mundial contra a corrupção, que complemente a Convenção de palermo contra o Crime Organizado.
Sinto-me sempre feliz quando as minhas ideias e sugestões não são originais.
(...)
42ª Generalizar a criação de registos periódicos de interesses, e a exigência das respectivas declarações, a todos os titulares de cargos ligados ao exercício de poderes públicos, em especial políticos, ou de poderes ligados à informação, à gestão de bens públicos, etc.
(...)
46ª Apertar o controlo dos regimes de financiamento dos partidos e de fiscalização e repressão dos casos de financiamento ilegal.
(...)
Além destas lúcidas e actuais palavras, não posso deixar de voltar a aludir ao papel que o orçamento do Estado tem em matéria de transparência de contas públicas.
Atentei nas posições de Paulo de Morais no seu livro "Da corrupção à crise - que fazer, editado pela Gradiva/ mais de 2013 e propugno o que nele se contém, quando sob o título "Combate eficaz à corrupção (fls. 131-134) se diz:
«O combate à corrupção (...) é um combate colectivo e constitui uma maratona. É um exercício de resistência para aqueles que o abraçam.
O primeiro contributo que cada um de nós pode dar é, no seu dia-a-dia, ser inteiramente sério.
Não só assumir um comportamento materialmente sério e ser intelectualmente honesto, como exigir o mesmo de cada um dos concidadãos com quem interage.»
Exigir transparência na vida pública... e leis claras e simples (cfr. obra citada fls. 134-135).
Propugnando ideias semelhantes às de Almeida Santos encontrámos ensinamentos no livro publicado pelo Eng.º Alberto Ramalho Fontes (editado em Pó dos Livros, Fevereiro de 2012) sob o título "Ensaio sobre a Corrupção", permitindo-nos alertar para o prefácio do Sr. Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas Carlos Moreno.
Diz o Eng.º Alberto Fontes (engenharia na Universidade do Porto e economia e gestão na Universidade de Navarra): A corrupção como todas as coisas que são absolutamente comuns e aparentam ser fatalmente inevitáveis na nossa existência corrente, como a poluição, não suscita vulgarmente a atenção suficiente para que dela tomemos verdadeiramente consciência e assim possamos realmente compreendê-la e rechaça-la (ob. cit. pág. 15).
A situação é de tal forma doentia que, em muitos ambientes profissionais se entranhou profundamente uma atitude de autêntica e generalizada subserviência perante as organizações e as pessoas onde a "doença" está presente.
Mesmo entre pessoas essencialmente honradas existe uma tolerância com as respectivas manifestações e até um medo obsessivo de as enfrentar que não faz senão perpetuar a sua nefasta influência (ob. cit. fls. 29, § 3.º)
(...) Essa violência exerce-se contra as normas do comportamento respeitável e nobre, contra a razão de ser objectiva das coisas e das instituições, contra o respeito que é devido ao valor das pessoas visando manipulá-las para beneficio próprio do agente infiel, em vez de, como seria natural, colocar este ao seu serviço.
A ambição máxima do agente infiel é poder dispor das suas vitimas a seu bel prazer .....
As técnicas da corrupção são sempre, portanto, as técnicas da manipulação, hoje em dia profundamente sofisticada e diluída em mecanismos e cenários que, muitas vezes tornam difícil desmascará-la, denunciá-la e assim tornar as suas práticas mais fáceis de combater (ob. cit. pág. 39, § 1.º, 2.º e 3.º)
«A ocultação e o disfarce são os pressupostos básicos da sua actuação. A sedução, a astúcia, a coacção são as ferramentas subsequentes, destinadas a condicionar e controlar as suas vítimas»
A dissimulação está na moda ! Em muitos casos seguramente pelo instinto defensivo que a agressividade dos tempos impeliu as pessoas a desenvolver .... (ob. cit. § 1, fls. 40).
O disfarce é o complemento mais sofisticado e eficaz da dissimulação, é a disponibilidade de uma "máscara" ou imagem que proporcione à personalidade viciosa uma aparência afastada do seu sinistro conteúdo e, se possível, ares de virtude e de nobreza de intenções.
Só aos primários pode interessar a exibição da preguiça e da incompetência, da venalidade gananciosa, do ódio descarado (...)
A arte da imagem (...) não é, em si mesma, necessariamente uma forma de corrupção.
Desenvolveu-se e sofisticou-se nos tempos modernos ao serviço de interesses comerciais e económicos e é respeitável quando usa meios legítimos ao serviço de objectivos legítimos, quando distingue entusiasmo razoável por aquilo que depende dos métodos enganadores e manipulativos, fraudulentos, na sua promoção.
A publicidade, o marketing, as técnicas de relações públicas (o "spinning" como alguém diria) e de construção de imagem podem estar ao serviço de fins legítimos e fazê-lo com recurso a meios nobres. Mas, quando ao serviço da corrupção, não passam de ferramentas da infidelidade, da manipulação e da violência e dificilmente se consegue imaginar que, nesse contexto, se preocupem em seleccionar meios respeitáveis e dignos: buscam apenas a sua versão de eficácia» (ob. cit. fls. 40).
O Eng. Alberto Fontes continua a discorrer sobre a sedução, a astúcia, a provocação, a sabotagem e a coacção, o arrastamento (cfr. os textos cristalinos de fls. 41 a 59 da sua obra).
Revejo-me naquilo que escreve !
Não sou um citador nem um copista. Mas quando encontro alguém que sabe expor com clareza as subtilezas e os perigos que enfrentamos no que respeita à corrupção, apelo à consciencialização e, a quem não concorde, à crítica.
«O silêncio é uma forma de ocultação, como as que acima referi e, como as outras, está também na moda. É a atitude defensiva de quem não tem nada a exprimir, ou não é capa, de se pronunciar ou não lhe convém pronunciar-se»
Reconduzo-me às grandiosas palavras de Almeida Santos, que acolho !
Mãos amigas trouxeram ao meu conhecimento reflexões preciosas sobre este tema de Roberto Livianu - Prometor de justiça e doutor em Direito na Universidade de S. Paulo - Brasil - dados à estampa sob o título " Corrupção e Direito Penal - um diagnostico da corrupção no Brasil - editado pela Coimbra Editora em Janeiro de 2007.
E o trabalho denominado "A Percepção da Fraude e da Corrupção no contexto português" editado pelas edições Húmus, Lda., 2014, co organização e textos de Carlos Pimenta, António Maia, Aurora Teixeira e José António Moreira.
Muito trabalho para ler e para desbravar !
O Papa Francisco:
«Aliás, os graves casos de corrupção recentemente descobertos requerem uma séria e consciente conversão dos corações a um renascimento espiritual e moral, bem como a um renovado empenho em construir uma cidade mais justa e solidária, onde os pobres, os débeis e os marginalizados estejam no centro das nossas preocupações e do nosso agir quotidiano.
É necessária a presença diária de uma grande atitude e liberdade cristãs para se ter a coragem de proclamar, na nossa cidade, que devemos defender os pobres, e não nos defendermos dos pobres, que devemos servir os débeis, e não nos servimos dos débeis !
O ensinamento de um simples diácono romano poderá ajudar-nos. Quando pediram a são Lourenço para levar e mostrar os tesouros da Igreja, ele levou simplesmente alguns pobres. Quando, numa cidade, os pobres e os débeis são tratados, socorridos e ajudados na sua promoção social, eles revelam-se o tesouro da Igreja e um tesouro na sociedade.
Pelo contrário, quando uma sociedade ignora os pobres, os persegue, os criminaliza, os constrange a «mafiar-se», essa sociedade empobrece-se até à miséria, perde a liberdade e prefere «o alho e as cebolas» da escravidão, da escravidão do egoísmo, da escravidão da sua pusilanimidade... E essa sociedade deixa de ser cristã.» (Holimia, 31.12.2014 - Papa Francisco, pág.s 125/126 , "Quem sou eu para julgar ? - 2017 Nascente, uma chancela da 20|20 Editora)
Minhas Senhoras e meus Senhores.
Este pequeno contributo não é auto promocional.
Tenho estado sujeito a muita exposição pública, que não fomento.
Tomei boa nota da principiologia e regulamentação, quer a nível de Leis atinentes, quer de critérios interpretativos sobre o que disse em espaço público noutras ocasiões.
Ao longo da consulta dos livros que referi, encontrei muitas situações e capítulos de vida que parecem ser figurino comum.
Nada do que disse, no meu espírito, nas minhas palavras, pode ser assacado a um caso concreto qualquer que tenha em mãos !