Juncker, Moscovici e Mogherini defenderam Portugal

António Costa pressionou Jean-Claude Juncker na véspera da decisão das multas
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A pressão diplomática portuguesa contra a eventualidade de sanções implicou, anteontem à noite, véspera do dia da decisão, um telefonema do primeiro-ministro António Costa para o presidente da Comissão Europeia (CE), Jean-Claude Juncker, sensibilizando-o para os argumentos do Governo português - e tentando perceber a tendência dominante no colégio de comissários, que acabou por ir ao encontro das pretensões de Lisboa (zero sanções).

Também fez o mesmo com o comissário português, Carlos Moedas (ver entrevista ao lado). Se ficou nessa altura a perceber exatamente o que iria passar-se é algo que não se sabe. Sabe-se apenas que Costa procurou explicitamente baixar as expectativas quanto à possibilidade de a posição do governo vencer. "Aparentemente, a situação não está muito simpática para Portugal", dizia ao Público, horas antes de falar com Juncker.

Ontem a reunião da Comissão Europeia iniciou-se pelas 09.00 (08.00 em Lisboa). Ao fim da manhã a decisão foi conhecida: a Comissão Europeia decidiu recomendar (ao Ecofin, o conselho de ministros das Finanças da UE) a suspensão da multa a Portugal no quadro do processo de sanções devido ao défice excessivo de 2015 (para Espanha a decisão foi a mesma). Uma proposta sobre eventuais cortes de fundos estruturais só será discutida em setembro.

Juncker teve um "papel determinante" na decisão, admitiu ontem o comissário português, Carlos Moedas, depois de ser conhecido o desfecho, que muitos admitem como surpreendente, quando no dia anterior, nos corredores da Comissão Europeia, diversas fontes apontavam a multa como certa.

Mas "Juncker sempre esteve contra as sanções", disse uma das fontes ouvidas pelo DN, acrescentando que "o presidente sempre quis uma decisão por consenso". No entanto, quando a reunião começou "ninguém podia objetivamente dizer qual seria a decisão, porque não se sabia".

Juncker abriu os trabalhos dando a palavra ao comissário do euro, Valdis Dombrovskis, que "fez uma exposição objetiva e factual, concluindo a dizer que ou se aplicava uma multa inferior a 0,1% do PIB ou se cancelava". Seguiu-se a intervenção de Pierre Moscovici (assuntos económicos e financeiros), que chegou a defender uma multa zero. Numa ordem escolhida por Juncker, o comissário português foi o primeiro a intervir a seguir aos titulares do dossiê que esteve em debate. "Fiz uma exposição de forma simples de temas que são complicados", manifestando-se contra a aplicação de sanções, admitiu ao DN. Seguiu-se a intervenção de Federica Mogherini que "apoiou a posição de Carlos Moedas", adiantou uma das fontes do DN, comentando que, a partir desse momento, "começou a sentir-se" que na sala havia "uma dinâmica positiva", favorável a Portugal e a Espanha. "Alguns dos comissários apoiantes das sanções já nem fizeram as suas intervenções." No entanto, ao notar que persistiam as divisões no colégio, Juncker chamou Dombrovskis e Moscovici à parte e quando regressaram as multas foram canceladas.

Segundo fontes comunitárias, nas últimas semanas houve "um intenso trabalho de bastidores, com inúmeras reuniões bilaterais que acabaram por condicionar aquilo que se decidiu". Ao que o DN apurou, parte desse trabalho coube ao comissário Carlos Moedas "procurando convencer outros comissários antes das reunião". "Os esforços do país e dos portugueses" para cumprir os objetivos exigidos por Bruxelas foram o principal argumento. A demonstração de que, em Portugal, "uma opinião pública, tendencialmente favorável ao projeto europeu, está agora a desmobilizar na sequência do debate e da ameaça de sancionar o país, pode também ter pesado na decisão", admitiu uma das fontes.

Depois de anunciada a decisão, foi revelado, através do Observador, que até Wolfgang Schäuble, o todo-poderoso ministro alemão das Finanças, fizera pressões junto de comissários para que não se aplicassem sanções. (Fonte: o jornal alemão Handelsblatt.)

Ao invés, o presidente do Eurogrupo, o holandês Jeroen Dijsselbloem, manteve-se na posição de guardião da mais estrita ortodoxia orçamental europeia, qualificando a decisão com "dececionante".

E medidas adicionais?

A CE prevê que o défice público em Portugal seja neste ano de 2,7% do PIB (o governo prevê 2,2%) e quer que baixe para 2,5% - um esforço na ordem dos 450 milhões de euros. Como? Por exemplo, diminuindo os produtos com taxa mínima do IVA (13%).

Passada a tempestade, António Costa goza férias. A sua única reação pública surgiu ontem à noite, no Twitter, onde assinou quatro notas: "A decisão da CE de anular sanções a Portugal é uma grande vitória para o país e para os portugueses. É também uma vitória para a Europa"; "Não há novas medidas. As medidas que temos de tomar são as que previmos na carta dirigida à Comissão Europeia e no Orçamento do Estado"; "A única novidade é a Comissão Europeia ter evoluído da exigência de défice 2,3 para 2,5 [% do PIB]"; "Estamos confiantes na nossa execução para cumprir o objetivo sem plano B e sem medidas imprevistas".

À Lusa, o ministro dos Negócios Estrangeiros salientaria um aspeto "imensamente importante" na decisão da CE: "O cálculo [do défice em 2016] não terá em conta impactos de apoios diretos eventuais ao sistema bancário."

Os avisos de Marcelo

Em Belém, o Presidente da República chamou os jornalistas para dizer que "quando nós, portugueses, nos unimos em torno de causas justas, vencemos". Marcelo considerou esta uma vitória do governo mas também de "todos os partidos", os que governam agora e os que governaram de 2011 a 2014 (PSD e CDS). O PR não deixou no entanto de fazer um aviso: "Agora importa garantir que o investimento cresça, e que o sistema financeiro se reforce, os fundos europeus sejam aplicados depressa e bem" para que "as metas resultantes da convergência entre Comissão Europeia e governo continuem em condições de ser atingidas, em 2016, tal como em 2017". Passos Coelho, que anteontem faltou a uma audiência com o PR por estar doente, manteve-se em silêncio. Com JOÃO FRANCISCO GUERREIRO, em Bruxelas

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