Jovens médicos querem melhores condições de trabalho

Pai do SNS, António Arnaut, diz que são a sustentabilidade do serviço público. Sindicatos também e querem o regresso dos concursos

Durante dez anos não foram abertos concursos para a progressão dos médicos, um dos elementos-chave das carreiras. Só em 2015 é que o Ministério da Saúde (ME), na altura com Paulo Macedo, voltou a lançar vagas para assistentes graduados seniores e para consultores, topo da carreira. Os sindicatos vão exigir o regresso dos concursos regulares e querem discutir o assunto com o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes. Para os jovens médicos, as carreiras são passado, sobretudo se as condições de trabalho não mudarem. Se assim for, escolhem o setor privado em vez do público e a fuga para o estrangeiro continuará a ser a primeira opção para muitos. O pai do Serviço Nacional de Saúde (SNS), António Arnaut, defendeu ao DN que as carreiras são a garantia da sustentabilidade do serviço público e que há que as preservar.

O DN sabe que os dois sindicatos da classe vão reunir-se no dia 13 de dezembro com o ministério para discutir os incentivos para a fixação de médicos no Interior e que a questão dos concursos e da revisão do decreto das carreiras pode ser posta em cima da mesa.

A falta de concursos limitou a progressão nas carreiras, e este é um ponto que os sindicatos médicos querem ver resolvido e de forma regular. "Entre 2005 e 2016 reformaram-se 1498 médicos seniores e só abriram concurso para 350, com Paulo Macedo. Mas só cerca de 150 vagas foram ocupadas. Durante este período de nove anos eram necessários 800 assistentes graduados seniores. São importantes, são a experiência e a capacidade formativa. Queremos que exista regularidade na atribuição de competências com concursos de dois em dois anos e concursos anuais para seniores. É preciso encurtar os prazos dos mesmos. Já vimos que é possível fazer concursos para a colocação de jovens especialistas em três meses. Neste ano ainda não houve nenhum anúncio para a contratação de seniores. Temos de criar equipas plenas e procedimentos que na prática garantam qualidade", afirma Jorge Roque da Cunha, do Sindicato Independente dos Médicos.

"Ao longo de vários anos houve uma ação deliberada para provocar o esvaziamento progressivo das carreiras médicas, nomeadamente o bloqueio ostensivo de progressão e a suspensão de concursos para a obtenção de novos graus e categorias e de preenchimento de lugares nos diversos locais de trabalho. A questão dos concursos tem sido objeto de diversas reuniões com a Administração Central do Sistema de Saúde e aí têm sido dados alguns passos, ainda insuficientes, para a criação de uma estrutura funcional que assegure a regularidade legal da realização dos concursos", aponta Mário Jorge Neves, da Federação Nacional dos Médicos.

António Arnaut é perentório: "A sustentabilidade do SNS está nas carreiras médicas. Como é que pode haver sustentabilidade com contratos individuais de trabalho, contratos ao fim de semana, com a maior parte das urgências a funcionar mal porque ninguém as conhece, não se identificam com o local de trabalho? As carreiras médicas são a pedra basilar do SNS. Significava estabilidade, aperfeiçoamento permanente, promovem os concursos, o reconhecimento por mérito, condições de trabalho." O antigo ministro dos Assuntos Sociais, Saúde e Segurança Social lamenta que tenha sido durante um governo de José Sócrates que "as carreiras públicas na saúde tenham acabado", deixando apenas equiparados à função pública os magistrados e os órgãos de soberania. António Arnaut defende a criação de um regime de exclusividade opcional, uma carreira em funções públicas que garanta a dignidade dos médicos, com remuneração adequada (equiparada aos magistrados) e que assegure motivação e condições de trabalho.

Separar público e privado

Hoje são contratos individuais de trabalho e entrada automática no regime das 40 horas semanais negociado em 2012, mantendo-se apenas nas 35 e nas 42 horas os que já as tinham. A exclusividade pretendia garantir a separação entre o serviço público e o privado e, por isso, os médicos em 42 horas recebiam quase o dobro de ordenado do horário normal. Foram os custos considerados elevados que limitaram o seu acesso. A última contabilidade dava conta de 30% de médicos em exclusividade e o tema surge sempre que se fala de separação entre setor público e privado. Neste ano, na nota explicativa do Orçamento para 2017, o MS fala em "promover a evolução progressiva para a separação de setores através de mecanismos de dedicação plena ao exercício de funções públicas no SNS". O descongelamento de contratos em funções públicas poderá ajudar nesta intenção.

Mas o DN sabe que o tema ainda não foi abordado com os sindicatos. "A FNAM sempre teve uma posição clara sobre a dedicação exclusiva e que assenta nestes pressupostos: deve ser tornada atrativa; ser de opção voluntária; ser adequadamente remunerada; e ser acompanhada de medidas de reestruturação organizativa e de descentralização dos processos tomada de decisão. Ficaremos a aguardar que este Ministério da Saúde dê cumprimento prático ao que está confusamente escrito nessa nota explicativa para depois podermos responder com propostas concretas", diz Mário Jorge Neves.

Jorge Roque da Cunha refere que "se o governo pretender retomar esse princípio estamos totalmente abertos a discuti-lo, desde que seja uma opção voluntária. Se for um eufemismo para trabalhar mais e pagar menos, será um ataque ao SNS e não conseguirá fixar médicos". O DN contactou o Ministério da Saúde várias vezes para saber o que significava esta nota explicativa do orçamento, e a resposta foi sempre a mesma: "É o que ali está, ainda não há nada mais concreto."

O que querem os jovens médicos

Mas as carreiras fazem sentido para os mais jovens? "Não existem grandes carreiras para os jovens médicos. É tudo baseado em contratos individuais de trabalho. Abriram alguns concursos para assistentes técnicos graduados, mas tem estado tudo congelado. Houve uma degradação das condições, redução dos recursos humanos, das remunerações, as urgências estão lotadas", refere Edson Oliveira, presidente do Conselho Nacional do Médico Interno. As carreiras têm sentido para muitos, como "uma realidade do passado", agora só fazem sentido se garantirem condições de trabalho, ligações às faculdades ou segurança laboral, argumenta. Mas lembra que o privado tem estado a conquistar terreno que antes era só do SNS. "Não só ganham mais como também conseguem ser atrativos com intervenções de complexidade técnica e atividades académicas." Mesmo assim Edson Oliveira acredita que o SNS tem condições para voltar a ser atrativo, "mas enquanto não for revertida a política de destruição, muitos dos médicos jovens não ponderarão o SNS como primeira opção". Por isso, e para garantir a exclusividade, "é preciso dar melhores condições de trabalho e progressão. Os jovens que ingressam no SNS têm de olhar para ele como um projeto de vida".

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG