Jorge Torgal: "Deverá haver uma clara separação entre o público e o privado"

Candidato a bastonário, diz que o principal problema da sustentabilidade do SNS se põe ao nível dos recursos humanos, agravado pela saída de profissionais qualificados

Qual o estado da Saúde e do SNS?

O estado global da saúde dos portugueses é bastante bom, quaisquer que sejam os indicadores que se considerem. Na classificação global da Organização Mundial da Saúde, na mortalidade infantil, na mortalidade materna, na cobertura vacinal, no aumento da esperança de vida à nascença, Portugal está entre os 25 melhores do mundo. O Serviço Nacional de Saúde tem sofrido uma forte degradação nos últimos anos, essencialmente pela saída de muitos profissionais qualificados, fruto das fortes reduções remuneratórias. O Serviço Nacional de Saúde tem de ter uma nova filosofia organizacional, com a generalização de centros de responsabilidade, possibilitando planeamento, objetivos, avaliação de resultados e a consequente remuneração dos profissionais que não devem ser pagos apenas pelas horas de trabalho.

Que papel deve ter a Ordem dos Médicos?

Promover uma medicina de excelência e ter uma intervenção enérgica para bem da saúde dos portugueses; ter um papel de liderança no desenvolvimento do Serviço Nacional de Saúde e dignificar as carreiras médicas, promovendo um amplo e transparente debate entre os médicos, a nível nacional; investir na formação dos médicos: na pré-graduada, em parceria com as escolas de Medicina, em particular no que concerne ao ano profissionalizante, na formação pós-graduada, nomeadamente no respeitante ao internato médico e à sua reforma; na implementação de programas de formação contínua e na recertificação dos médicos; na formação integral do médico, nomeadamente promovendo debates alargados sobre questões éticas, deontológicas, no âmbito cultural, económico e de gestão e incentivando e fomentando a investigação em medicina.

Como garantir a sustentabilidade do SNS?

Reformulando a sua filosofia organizacional, como atrás referi: com mais autonomia e mais responsabilização em todos os níveis. Considero que o principal problema de sustentabilidade se põe ao nível dos seus recursos humanos.

Deve limitar-se o numerus clausus no acesso às faculdades?

As faculdades de Medicina entendem que seria do maior interesse uma redução do numerus clausus da ordem dos 15%, posição que subscrevo.

A formação está comprometida?

A formação dos jovens médicos nunca ficará comprometida. A Ordem dos Médicos saberá encontrar as soluções para uma formação pós-graduada adequada, nas suas diferentes etapas, para manter a elevada qualidade da medicina portuguesa.

Está a perder-se a humanização na relação médico-doente?

A humanização não se perderá pois é parte intrínseca da formação e da praxis dos médicos portugueses. As novas tecnologias e a sua deficiente conceção e implementação vieram dificultar a relação médico-doente quando devem ser suas facilitadoras. A situação deverá ser corrigida com uma intervenção determinada da Ordem dos Médicos, em cooperação com o Ministério da Saúde.

Como captar médicos para o SNS e para as zonas mais carenciadas?

Medidas avulso terão efeitos sempre transitórios. Para que os profissionais se sintam realizados na sua atividade serão necessárias alterações de fundo, como as atrás referidas.

Deve voltar a exclusividade?

Sim, após uma reformulação organizacional do Serviço Nacional de Saúde e um debate, entre os médicos, sobre como e quando deverá acontecer. Desde há décadas que muitos médicos exercem simultaneamente no público e no privado. No quadro de um Serviço Nacional de Saúde revigorado, e da dignificação das carreiras médicas, deverá haver uma clara separação entre o público e o privado. A generalidade dos médicos acumula público e privado para ter rendimentos condignos com a sua responsabilidade social e a dignidade profissional, o que implica tempos de trabalho muito superiores ao da generalidade das outras profissões.

Qual a posição sobre a eutanásia?

Entendo que deve ser despenalizada a morte assistida, sendo signatário da petição em discussão na Assembleia da República. Considero que se trata de uma questão de cidadania, que integra os direitos constitucionais decorrentes da atual Constituição da República Portuguesa.

E sobre a ADSE?

Assegurar a independência da Ordem dos Médicos perante os governos, os partidos políticos, as confissões religiosas e os agentes económicos é um dos meus objetivos de candidatura. Logo não me cumpre, como candidato a bastonário, ter qualquer posição sobre o assunto.

Perfil

Licenciado na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

É especialista em dermatologia e em saúde pública

Professor Catedrático da Nova Medical School

Foi subdiretor-geral da Saúde, membro da direção da Comissão Nacional de Luta contra a Sida, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical e presidente da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed). Desempenhou mais de 30 missões para a Organização Mundial da Saúde

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG