Jerónimo reeleito. Afável e exigente, dizem adversários

Reconduzido secretário-geral do PCP, políticos de outras forças dizem dele que "é franco" e convicto a defender posições do partido
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Jerónimo de Sousa foi reeleito secretário-geral do PCP para mais quatro anos, por unanimidade no Comité Central, e o aplaudómetro dos delegados e convidados do XX Congresso do partido, que ontem terminou em Almada, afastou todas as dúvidas sobre essa unanimidade.

O anúncio do seu nome fez ecoar o mais forte aplauso aos 146 membros do Comité Central, levantando de pé o pavilhão, aos gritos de "PCP! PCP!". Jerónimo de Sousa agradeceu, sorriso estampado num rosto cansado, de quem redigia ainda a versão final do discurso que ia fazer daí a minutos.

Para essa intervenção final do Congresso, o líder comunista não reservou nenhuma revelação especial ou um vistoso soundbite, sintetizando no plural majestático de uma frase que repetiria: "Falámos e debatemos aqui no Congresso" - e sublinhava os pontos principais da "Resolução Política", que foi ontem aprovada por unanimidade.

Está no ADN comunista: é o coletivo que ali está representado. Mas também é o pragmatismo de um partido que manteve como líder o homem que abriu a porta à "atual situação política", em que o PCP recusa que apoie o governo socialista e que haja uma maioria de esquerda na Assembleia da República, mas simultaneamente vai viabilizando os orçamentos do executivo PS.

O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, reconheceu ao DN isso mesmo: "Há uma frase, que não me hei-de esquecer, que Jerónimo de Sousa disse que foi que o PCP nunca dirá que não a uma solução política que beneficie o povo português." Não sem dar luta: "É muito simpático e cordial mas quando se trata de defender os seus pontos de vista, é obviamente muito franco e exigente na defesa daquelas que são as posições do PCP", completou o governante, que gere no Parlamento as relações com os partidos que assinaram, há pouco mais de um ano, as "posições conjuntas" com o PS para viabilizar o governo de António Costa.

Esta frase "simples e óbvia" mas "muito feliz" de Jerónimo ajuda a explicar a solidez da solução política que fez desaparecer da reunião magna dos comunistas a forte contestação, que era habitual nos congressos do PCP, ao governo, a qualquer governo. Em três dias ouviram-se três vaias: duas ao antigo presidente Cavaco Silva e uma ao "antigo executivo municipal do PS" de Grândola. Como apontou Pedro Nuno Santos, "o PCP não podia estar de fora desta solução, antes pelo contrário".

Jerónimo de Sousa, 69 anos, que se socorre muito de provérbios e ditos populares, sobretudo no Parlamento, ontem foi ao osso para, em 15 minutos, definir as próximas "prioridades" do partido (ver caixa).

De operário metalúrgico a líder do PCP, o "rapazote muito novo" na Assembleia Constituinte, como dele se lembra o antigo presidente da Assembleia da República, o social-democrata João Bosco Mota Amaral, é hoje quem reivindica influência junto da política do governo (e fê-lo ontem de novo). "Este partido não regateará nenhum esforço, nenhuma tarefa, que visem defender e conquistar direitos e melhorar as condições de vida dos trabalhadores e do povo", avisou.

Da Assembleia Constituinte (Jerónimo é um dos dois deputados que resiste no Parlamento atual), o social-democrata não se lembra de trocar palavras com o parlamentar comunista. Em tempos de grandes tensões pós-25 de Abril, "as barreiras entre os partidos eram muito altas", justificou-se Mota Amaral. Os anos foram bons conselheiros. "Apesar das divergências partidárias", notou ao DN, "há muitos pontos possíveis de diálogo possível". Isso e aniversários: Jerónimo faz anos a 13 de abril (nasceu em 1947) e João Bosco a 15 de abril (nasceu em 1943).

O líder comunista - com quem o social-democrata se cruzou recentemente, quando das eleições regionais nos Açores - "é uma pessoa de trato aberto, afável", mas "também muito firme nas suas convicções". E com humor, Mota Amaral rematou: "Se não fosse assim, também não seria secretário-geral do PCP."

Já o atual presidente da Assembleia da República recordou ao DN que conheceu o comunista antes do 25 de Abril. "Conheço Jerónimo de Sousa desde os tempos em que ele era dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos e eu trabalhava no apoio à Federação dos Sindicatos dos Têxteis e Lanifícios, algures em 1972/ 73." Foi um relacionamento que perdurou. "Mantemos até hoje uma boa relação, aliás, tratamo-nos por tu", confidenciou Ferro Rodrigues. "Tenho de Jerónimo de Sousa a mesma opinião que julgo tem a maioria dos portugueses: é um homem sério e coerente."

É essa coerência que o próprio líder comunista sublinhou ontem a fechar o seu discurso: "A concretização do fascinante projeto e objetivo por que lutamos, esse sonho milenar do ser humano de se libertar da exploração por outro homem, o projeto e ideal que nos trouxe a este partido, possivelmente só será materializado para além das nossas vidas. Mas este é o nosso tempo! Tempo de fazer, agir e lutar por esse projeto e ideal. Torná-lo mais próximo e possível." E o aplauso foi unânime.

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