Refugiados não vêm. "Não é ingratidão, é falta de organização da UE"

Novo número da revista da Fundação Francisco Manuel dos Santos foi o pretexto para debater a crise das migrações
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Trinta refugiados vieram para Portugal quando nos disponibilizámos a receber 4754 mil. Não é ingratidão por parte de quem se refugia na Europa, mas culpa da "desorganização do Programa de Recolocação da UE", criticaram os participantes no debate promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e o Alto Comissariado para as Migrações, ontem, na Sociedade de Geografia de Lisboa. E, a continuar assim, poderemos estar a caminhar para a "implosão do Projeto Europeu", ouviu-se.

Isto, porque tem sido referenciado que os refugiados não querem vir para Portugal. A conclusão a que chegaram os participantes no debate "A crise dos refugiados" é que se não escolhem o País, também não escolhem outros: 28 países disponibilizaram-se a receber 160 mil e apenas 491 foram recolocados. Contas de Rui Marques, coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados, que sublinhou: "A desorganização é evidente, mas radica no esquecimento de três valores fundamentais do Projeto Europeu: solidariedade (falha desde logo para com a Grécia e a Itália), interdependência (relação entre os países) e unidade na diversidade".

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E, quando se noticia o desaparecimento de refugiados, quer dizer na opinião de Pedro Calado, o Alto-Comissário para as Migrações, que as "pessoas não estão eternamente à espera de uma decisão". Mas, também, que "há um ranking de países de preferência para a recolocação, onde os refugiados sabem que têm mais apoios". E, ainda, que "é importante partilhara a experiência portuguesa na integração de imigrantes".

Gonçalo Matias, que dirigiu o Observatório para as Migrações, salientou a ineficácia da Europa, o que é aproveitado por quem negocia com a vida dos outros. "Não há resistência, o que há é desorganização na entrada das pessoas e a existência de redes que exploram os refugiados. E é preciso pensar nos que chegam e não vão ter o estatuto de refugiado". Um milhão entrou na UE em 2015 e o Programa de Recolocação prevê asilo para 160 mil, os outros serão imigrantes económicos. "O que fazer com os outros 840 mil? Estamos preparados para os repatriar?"

"Dizer que não querem vir é simplificar", defendeu Teresa Tito de Morais, presidente do Conselho Português para os Refugiados. "Se os hotspots [centros de registo, apenas um dos cinco previstos na Grécia e três dos seis na Itália operam] deixam muito a desejar, se as pessoas não entram nos hotspots, se se dirigem para os países onde têm conhecimentos, essa oferta acaba por não lhes ser proporcionada. Muitas vezes, nem sabem o que é Portugal".

A dirigente que viveu no exílio, como salientou António José Teixeira, moderador do debate e diretor da revista da Fundação XXI, Ter Opinião, defendeu uma nova atitude dos europeus: "unanimidade nas posições" e que "tenham memória" (a Hungria foi apoiada durante a Segunda Guerra Mundial a agora constrói muros). Sublinhou: "O controlo de fronteiras é importante, mas o que é facto é que os refugiados não têm meios seguros para chegar à Europa e ficam nas mãos de contrabandistas e de traficantes que os exploram e os conduzem à morte."

"Crise dos refugiados", um debate para promover o número 6 da revista XXI, Ter opinião, Novas e velhas fronteiras". E para se questionar se estamos perante uma crise de fronteiras. Um "problema sério" e "urgente", acordaram os quatro participantes.

"Implosão do Projeto Europeu" é o perigo que se corre segundo Rui Marques, para quem existe crise de fronteiras: de identidade (quem somos?), de interface (como nos relacionamos com os outros?) e vermelha (o que estamos dispostos a ultrapassar). "As fronteiras existem, as fronteiras Schengen devem ser controladas, mas há uma linha que devemos definir como limite: queremos ou não continuar a ser um espaço que defende valores fundamentais. Queremos ou não manter o Projeto Europeu. Podemos correr o risco de implosão do Projeto Europeu e, depois, não há retorno."

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