Considera que o papel dos pais mudou nas últimas décadas?.Muito. Porventura, mais do que o papel propriamente dito, o poder exercê-lo de uma forma aberta, sem vigilância censória da sociedade e os pais poderem expressar a sua componente maternal, endorfínica, regressiva de um modo natural, o que só traz benefícios à criança e, ao mesmo tempo, complementaridade ao papel das mães. No nosso país, a mudança foi muito rápida e substancial. Ainda há "bolsas de resistência", mas recordo-me de, há cerca de 40 anos, trabalhar na chamada "província" e um amigo me pedir segredo por eu o ter visto a mudar uma fralda a um filho - ficaria malvisto na sociedade. E isto a 70 quilómetros de Lisboa. Hoje os pais são parte integrante do crescimento e da vida dos filhos, desde antes do nascimento. Só é pena que em alguns setores, como a Justiça, ainda sejam vistos por muitos magistrados como alguém que só "entra no jogo" tarde e a más horas, do que resultam sentenças e acórdãos de responsabilidade paternal completamente iníquos..Esse papel está mais parecido com o da mãe?.Não é a questão de serem parecidos. É mais reconhecer-se o que, psicologicamente e em termos neurológicos, sociais e de desempenho, são as diferenças de género, mas também que os homens têm grandes competências maternais, assim como as mulheres as têm paternais. Este reconhecimento de que há um puzzle-pai, de que o pai é o porta-bandeira, e que "gere" o crescimento, os avanços, o fazer, o "fora de casa", o trabalho, enfim, a nossa parte hormonal adrenalínica (e a parte da "lei") e que o puzzle-mãe é o polo de regressão, de casa, do mimo, do descanso, do lazer, correspondente às hormonas endorfínicas, é hoje um dado científico adquirido e que tem de ser admitido pelas pessoas em geral, para que seja admitido socialmente e seja refletido nas leis. Não é correto pensar-se que as crianças pertencem às mães, por exemplo em caso de separação ou divórcio, até ao ano ou dois ou três. Desde o primeiro dia de vida que uma criança pode e deve estar com o pai e com a mãe..Concorda que os novos pais são melhores pais?.Acho que sim. É sempre difícil comparar gerações, tanto mais num país onde as evoluções sociais foram tão rápidas, mas creio que sim. As suas dúvidas e inquietações expressam, na maioria dos casos, interesse e preocupação. Há riscos diferentes, contextos que mudam rapidamente, como os das tecnologias, novos desafios, uma vida acelerada e cheia de exigências, mas no geral creio que os pais acompanham muito mais os filhos e não fazem, felizmente, cerimónia em mostrar o seu amor por eles..Enquanto pediatra, sente que os pais participam mais?.A minha amostra do consultório não serve para generalizar. Todavia, na minha consulta vão quase sempre os dois e, muitas vezes, apenas o pai, designadamente em urgências. Acresce que ambos perguntam, questionam, por exemplo sobre assuntos que, outrora, eram do domínio das mães, como o banho, higiene, alimentação.