Jovens brasileiros querem deixar o país e vir para Portugal e para os EUA
Seis em cada dez jovens brasileiros gostavam de viver fora do país e Portugal surge como o segundo destino mais desejado, depois dos EUA. Esta disponibilidade para emigrar dos jovens entre os 16 e os 24 anos - maior do que a média da população adulta, que é de 43% - é o principal resultado de um estudo de opinião do instituto de sondagens Datafolha para o jornal Folha de São Paulo que o DN publica hoje em exclusivo e através da parceria de media lusófonos Plataforma.
Outra das conclusões desse estudo, no qual foram entrevistadas 2090 pessoas, é que entre os inquiridos com idades entre os 26 e os 34 anos, 50% também consideraria a possibilidade de mudar de país se a oportunidade surgisse. A estes resultados não são certamente indiferentes a crise política e os problemas económicos que se vivem no Brasil hoje, como reconheceu ao DN o diretor de pesquisa do Datafolha, Alessandro Janoni. Numa pesquisa recente da Datafolha, para 32% dos brasileiros a economia vai piorar e 46% acreditam no aumentar do desemprego.
Segundo o jornal brasileiro, os pedidos de cidadania portuguesa têm vindo a aumentar: só no consulado de São Paulo houve 50 mil concessões, desde 2016 - o que representou um aumento de mais de 35% na solicitação de vistos de estudante em 2017. Todas as universidades estão de olho nestes estudantes estrangeiros, que, segundo as novas regras até podem pagar mais pelas propinas. Já há 31 que aceitam o exame brasileiro de admissão ao ensino superior, o ENEM.
Portugal ser o segundo destino mais indicado sobretudo pelos jovens (8% contra 14% dos EUA) é, do lado de cá, uma boa notícia. Uma imigração jovem - e, no caso, uma grande parte com curso superior - pode ajudar a diminuir os problemas da redução de população que o país vive e se têm acentuado. As previsões do Instituto Nacional de Estatística apontam para que a população mais jovem em Portugal seja reduzida de 1,4 milhões para as 900 mil pessoas em 2080, enquanto o número de idosos deverá subir de 2,2 para 2,8 milhões. De acordo com esses dados, Portugal vai ficar abaixo dos 10 milhões de pessoas já a partir de 2033.
Maria João Valente Rosa, demógrafa e diretora do Pordata, considera, por isso, que "a entrada de pessoas válidas, que desejem viver num país que lhes parece promissor é um sinal positivo para nós". Os dados do INE, prossegue, "mostram que, pela primeira vez nos últimos seis anos, voltámos a ter um saldo migratório positivo, ou seja, entraram mais pessoas do que aquelas que saíram". O que se torna relevante, já que Portugal está "cada vez mais dependente do saldo migratório para ter algum dinamismo demográfico".
É precisamente nesse sentido que aponta um estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos - "Migrações e sustentabilidade demográfica": "A manutenção da dimensão total da população residente nos atuais 10,4 milhões exigirá [...] um saldo migratório global entre cerca de 2 milhões [...] entre 2015 e 2060". Isto implica mais 47 mil entradas do que saídas por ano.
Proximidade cultural facilita
No caso dos brasileiros, a proximidade cultural e linguística facilita a integração. Valente Rosa diz que a escolha de Portugal revelada pela Datafolha "não é estranha, por todas as razões, não só históricas, mas de proximidade da língua". Por outro lado, "já existem em Portugal várias comunidades brasileiras e, normalmente, as rotas seguem trajetos já desenhados". E o país ganha com isso: "A chegada de pessoas vindas de outros países e continentes só nos enriquece enquanto sociedade".
Foi, no entanto, com surpresa que o diretor de pesquisa do Datafolha, Alessandro Janoni, viu os resultados do estudo: "Não só surpreende como também preocupa bastante. É um sintoma do pessimismo atual dos brasileiros". Em causa estarão as crises que o país atravessa. "Crise de representação política, com crescente descrédito nas instituições democráticas, crise económica com taxas elevadas de desemprego e queda no poder de compra, crise na segurança pública. Os jovens são o estrato mais vitimizado".
É especialmente supreendente a preferência por Portugal, principalmente em segmentos específicos da população brasileira. "Entre os mais escolarizados e mais ricos, por exemplo, Portugal empata com os EUA", diz o especialista. Isto mostra a mudança de atitude em relação ao país e a mudança de imagem de Portugal no Brasil que tem sido feita, também, com os muitos brasileiros que vivem em Portugal. De acordo com os dados oficiais mais recentes, de 2016, há 81 251 brasileiros em Portugal, o que faz deles a maior comunidade estrangeira no país. Alessandro Janoni explica que "a qualidade de vida" que encontram cá é uma das razões da mudança. "Baixas taxas de violência, relação histórica entre os dois países, a língua e os cenários político e económico estáveis", exemplifica.
Com a prisão de Lula da Silva e a destituição de Dilma Rousseff, o Brasil ficou ainda mais dividido, aguardando agora eleições para a Presidência, que se devem realizar ainda este ano. Após dois anos de recessão, a economia cresceu 1%, em 2017, mas ainda não foi o suficiente para o que o país necessita.
Vir para mudar de vida
A escolha de outro país para viver tem sempre razões de fundo. E se há anos a questão era meramente económica, no caso dos brasileiros que escolheram Portugal está hoje relacionada com outras questões: o idioma, a segurança para viver, e a vontade de ter uma vida melhor do que aquela que tinham no Brasil.
Assim é com Ana Maria que há 15 anos decidiu mudar de vida. "O Brasil não estava bem. Se agora não está, imagine há 15 anos. Tenho dois filhos, a situação estava complicada, não arranjava trabalho na área de contabilidade. Também era professora e aí também não conseguia nada", contou ao DN. Tal como agora, na altura, Portugal não surgiu como primeira escolha: "Pensei em ir para os EUA, mas depois dos atentados [nas Torres Gémeas em Nova Iorque, em 2001] ficou complicado. Vim para Portugal com a ajuda de uma amiga."
Muitos anos se passaram e Ana Maria diz ser difícil voltar ao Brasil e justifica essa certeza com o facto de ser "mais tranquilo em termos de segurança e de sobrevivência".
Tal como Ana Maria, também Fernanda Feliz, Cíntia Pinheiro e Cecília Calhau estão em Portugal à procura de uma vida que não conseguem ter no Brasil. Fernanda casou com Nuno Feliz e está a tratar dos documentos para conseguir trazer o filho que vive no Brasil. A opção de vir para Lisboa deveu-se à situação profissional estável do marido e à segurança que sente na rua, diferente da vivida em Belo Horizonte: "Lá não tínhamos condições de criar uma família".
Um ano a conduzir "tuk tuk"
Cíntia Pinheiro está há um ano em Lisboa a conduzir um "tuk tuk", depois de ter sido afetada pela falta de financiamento para os estudos superiores no Brasil. "Cortaram 70% do investimento", recorda a doutorada em recuperação florestal que chegou a Portugal "após um convite para vir trabalhar nos tuk tuk". Dessa mudança destaca a segurança que sente em Lisboa e a liberdade. "Às vezes vale a pena trocar o que se fazia para vir para outro lugar onde o teu dinheiro vale alguma coisa. Pago impostos, mas tenho o retorno em segurança. A liberdade tem um preço", concluiu enquanto espera no Chiado pelos visitantes que querem conhecer a cidade.
Numa situação diferente de Fernanda e Cintia está Cecília Calhau, que estava a sair do consulado do Brasil onde foi um buscar um documento para o seu pedido de cidadania. "Sempre pensei em viver em Portugal e como não tenho nada que me prenda ao Brasil estou a requerer a cidadania para vir para cá. Será uma mudança na minha vida", garantiu.
Muitos vêm estudar
Portugal tem vindo a atrair cada vez mais brasileiros que pretendem estudar fora do país. Na Universidade de Coimbra, os canarinhos são a maior comunidade estrangeira. "Temos, atualmente, 2400 brasileiros, um número que há quatro anos era de 1700", adianta ao DN Joaquim Ramos Carvalho, vice-reitor para a internacionalização. Só este ano, registaram-se cerca de 6.000 manifestações de interesse de estudantes brasileiros. Pioneira na aceitação do exame brasileiro para a entrada no ensino superior, o Enem, em 2014, para a Universidade de Coimbra comunidade brasileira representa 3.5 a 4% do orçamento global. Mas os ganhos são muito superiores: "É uma fonte de energia enorme, diversificam a população estudantil". Segundo o jornal Folha de São Paulo, tiveram que recusar mais de 500 alunos por falta de vagas.
João Amaro de Matos, que é atualmente vice-reitor da Universidade Nova de Lisboa, na qual o número de alunos brasileiros é também crescente, falou com a Folha de São Paulo. "A nossa experiência mostra que muitos voltam, e não faz sentido tentar estancar esse fluxo. Os brasileiros mais promissores só vão exercer seu potencial se puderem ser livres para se desenvolver", disse. Este professor universitário português viveu em São Paulo dos 14 anos até se doutorar na USP, citou à Folha o seu próprio caso: morou na
Alemanha e na França, mas hoje está em Portugal e trabalha no Brasil dois meses por ano.