Cova da Moura. INEM enviou relatório com agressões à PJ mas nunca foi ouvido pela IGAI

Duas fichas do INEM do dia em que seis jovens estiveram detidos na esquadra de Alfragide registaram "agressões"
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No processo do Ministério Público sobre as agressões da PSP a seis jovens da Cova da Moura a 5 de fevereiro de 2015 constam dois registos do INEM sobre a deslocação à esquadra de Alfragide, nos quais está registado "agressões" como tipo de ocorrência, explicada pelos técnicos, quando foram interrogados, por ter sido essa a informação da central--rádio. Num deles, na "monitorização" está escrito que o paciente foi vítima de agressão, socos e pontapés, com queixas de várias dores e que estava algemado. Informação que foi enviada à PJ, depois de requisitada pelos inspetores em setembro desse ano, mas que nunca foi pedida pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), confirmou o DN junto de fonte do INEM.

O Instituto Nacional de Emergência Médica garantiu ontem ao DN que foram entregues à PJ todos os verbetes de assistência do INEM aos jovens. Deles fazem parte dois verbetes de socorro/transporte do INEM assinados pelos bombeiros da Amadora, que falam apenas em quedas, em relação aos quais o Instituto de Emergência Médica descarta responsabilidades, e duas fichas designadas como Integrated Clinical Ambulance Record, sobre a deslocação à esquadra de Alfragide, onde são registadas as agressões, onde não há qualquer referência à denúncia de violência por parte de agentes da PSP (o que obrigaria a abrir um inquérito).

Em resposta ao DN sobre se os técnicos têm ou não de deixar as denúncias das vítimas registadas, sendo isso importante na abertura de um inquérito por parte da inspeção à atuação policial, o INEM esclareceu ontem que "os profissionais de saúde têm o dever de prestar a melhor assistência médica a quem precisa de ajuda, sendo essa a sua missão. Quando chamados para situações de agressão, o INEM aciona para o local a autoridade, e neste caso concreto já nos encontrávamos na presença da autoridade. Não é ao INEM que compete fazer qualquer tipo de investigação, registar denúncias ou apurar informação sobre agressores. É à autoridade", argumenta o instituto.

Já depois de uma pergunta sobre se havia alguma diligência por parte da IGAI para consulta aos registos de cuidados prestados aos jovens detidos na esquadra de Alfragide, fonte do INEM informou que não foi encontrado nenhum pedido nesse sentido. Após os incidentes ocorridos em 2015 na Cova da Moura, foram abertos nove processos disciplinares pela inspeção, dos quais sete foram arquivados e aplicadas sanções em dois.

Quando prestam depoimento na PJ, já em setembro de 2016, como testemunhas, os técnicos de INEM, confrontados com a informação do verbete de socorro, confirmam que observaram os ferimentos dos detidos, afirmam desconhecer a circunstância em que tais ocorreram, não se recordavam da fisionomia dos agentes presentes da esquadra nem dos detidos e afirmaram que o transporte dos doentes foi feito sob escolta policial.

Um deles testemunha que um dos queixosos relatou que as lesões tinham resultado de socos e pontapés desferidos por agentes da PSP daquela esquadra. Outro refere que registou "agressões" porque essa era a informação que tinha sido dada na central-rádio. Questionado sobre se tinha falado com a vítima que transportava, respondeu que não, pois o agente que estava na ambulância a acompanhar o transporte recomendou que não falasse com essa pessoa.

"Responsável é quem assina"

Já os dois verbetes de socorro a duas vítimas - datados de 5/2/2015 às 18.06, com a chancela do Instituto Nacional de Emergência Médica a letras garrafais e preenchidos pelos bombeiros que prestaram os cuidados - falam em quedas. Em declarações ontem à RTP, um dos bombeiros da corporação da Amadora adiantou que essa era a informação que vinha já do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU). Num dos formulários é indicado como sítio da ocorrência "local público" e motivo da chamada "queda". No outro, "local de trabalho", "queda" e ao lado do campo das "observações" está escrito que a vítima estava detida na esquadra de PSP de Alfragide e referiu ter sofrido uma "queda acidental", tendo-se recusado a ser analisado.

Quando questionado pelo DN se os dois verbetes que falam em quedas são ou não oficialmente do INEM, o instituto responde que "todas as entidades que colaboram com o INEM no sistema de emergência médica, designadamente os bombeiros e a Cruz Vermelha Portuguesa, utilizam os verbetes de socorro do INEM. A responsabilidade pela informação que consta dos verbetes é do profissional que assina. Acresce que esses profissionais não são trabalhadores do INEM nem o INEM tem responsabilidade sobre a informação que consta no verbete".

18 agentes acusados de tortura

O Ministério Público apresentou os jovens a tribunal, dois dias depois das detenções, indiciados pelos crimes de resistência à autoridade, tentativa de invasão da esquadra, agressões a agentes. Não há nenhuma referência às agressões dos agentes da PSP.

Todas as seis vítimas ficaram sujeitas a TIR e uma sujeita a apresentações periódicas. Só em julho de 2015, cinco meses depois dos acontecimentos, o Ministério Público pede à PJ para investigar o caso por ter, nessa altura, constatado que havia indícios fortes da prática de tortura por parte dos 18 agentes da PSP, acusação que avançou na semana passada.

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