"Costumo dizer que o cansaço já é o nosso estado natural". Cuidadores exigem ajuda
Quando atende o telefone, a meio da tarde, Mónica Afonso diz que não pode falar. Pede que se volte a ligar à noite, quando a filha estiver a dormir. Isto porque Mariana, de 8 anos, exige uma dedicação exclusiva. Sofre de tetraparésia mista - "paralisia cerebral com 93% de incapacidade". Tem de ser vigiada 24 horas por dia, mesmo enquanto dorme, o que obriga os pais a fazerem turnos para nunca a deixarem sozinha.
"Costumo dizer que o cansaço já é o nosso estado natural. Há uma grande exigência física e psicológica", diz ao DN. Mónica já gozou a licença de parentalidade, de quatro anos, e encontra-se, atualmente, de baixa. "Se me diminuíssem a carga horária e se pudesse fazer o turno da noite, podia trabalhar. Ia fazer-me muito bem. Além de que trazia mais dinheiro para casa."
Mónica, de 37 anos, acredita que "o Estatuto do Cuidador Informal vai proteger o trabalhador", permitir que os cuidadores informais "não tenham de escolher entre cuidar de uma pessoa ou trabalhar" e que também tenham direito a algum "descanso".
É com essa esperança que se vai juntar a outras pessoas na mesma situação, hoje, à frente do Parlamento, onde será votado o projeto de lei do Bloco de Esquerda (BE) que cria o Estatuto do Cuidador Informal e o projeto de lei do PCP que reforça o apoio aos cuidadores informais.
"A indicação que temos do PSD e do PS é que não vão opor-se, mas também não acompanham. Vão abster-se. Em todo o caso, o importante é que o projeto desça para o trabalho de especialidade e que se possa fazer um trabalho conjunto na comissão", adiantou ao DN o deputado bloquista José Soeiro. O objetivo, prossegue, é que até ao final do verão "se possa concluir esse trabalho e chegar a uma proposta" para o Estatuto do Cuidador Informal em Portugal.
Na proposta dos bloquistas constam medidas de "conciliação entre o trabalho e a prestação de cuidados", como flexibilidade de horário, direito a 30 faltas por assistência e a gozar de licenças, tal como medidas que visam "aliviar as famílias em relação à totalidade dos cuidados prestados. Com o apoio de "cuidadores formais", José Soeiro diz que devem ser garantidos, pelo menos, quatro dias de descanso por mês, bem como pelo menos "11 dias de férias por ano, para que possa haver uma rutura na prestação de cuidados".
O principal responsável pela iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda destaca, ainda, um outro ponto do projeto de lei: "A necessidade de ter em conta o tempo de prestação de cuidados para efeitos de cálculo da pensão de velhice." Além disso, José Soeiro diz que são propostas medidas "de reforço ao apoio social de pessoas dependentes", já que "há desigualdade" entre as pessoas que estão institucionalizadas e as que estão em casa". Mónica Afonso, por exemplo, recebe apenas 170 euros por mês, o valor referente a três subsídios: "O da terceira pessoa, o abono de família e a bonificação por deficiência."
800 mil cuidadores
É estimado que existam cerca de 800 mil pessoas em situação de dependência de outros em Portugal: crianças ou jovens com deficiência, pessoas com doenças crónicas e demências e idosos dependentes. Sofia Figueiredo, de 40 anos, estará na manifestação dos cuidadores, hoje, à frente do Parlamento. Cuida da avó, de 83 anos, que sofre de demência, e é uma das promotoras da petição criada em 2016, apelando à criação do estatuto. Um documento que esteve em discussão, na Assembleia da República, no passado dia 16. "Há falta de respostas, de apoio, de formação. Falamos de 810 mil famílias que ficam desestruturadas, com carências económicas", lamenta.
A avó teve o diagnóstico de demência há quatro anos, o que obrigou Sofia a uma mudança radical na sua vida. "Cheguei à exaustão. Tinha de trabalhar, cuidar da minha avó, porque o centro de dia acabava às 16.00, e da família", recorda. Esteve um ano de baixa médica. "Agora consigo trabalhar porque me adequaram o horário e pago a alguém para cuidar dela", explica, criticando o facto de "não existir uma lei que proteja os cuidadores". Esta é, sublinha, "a realidade de muitas pessoas", que "adoecem, porque entram num grande desgaste físico e emocional". E o Estado "gasta mais com baixas médicas" do que aquilo que poderia dar em apoios. A expectativa, afirma, "é que os partidos cumpram o que prometeram e que a proposta do BE passe".
Contactado pelo DN, Luís Soares, deputado do Partido Socialista (PS), diz que "esta é uma matéria consensual a todos os partidos" e que "há necessidade de encontrar soluções". Contudo, "na proposta do Bloco não se consegue perceber a quantificação que as medidas representam do ponto de vista orçamental". E é preciso, por exemplo, "delimitar a quem se aplica o estatuto, no fundo, o que é ser cuidador informal". Por isso, adianta, como o PS desconhece "o impacto financeiro das medidas", irá abster-se na votação. "Trabalharemos na especialidade para perceber o que pode ser viabilizado."
Segundo Luís Soares, será tomada a mesma atitude em relação ao projeto de lei do PCP. João Dias, deputado do partido, explica ao DN que o projeto de lei do PCP "é criterioso e exequível, e reforça o apoio psicossocial, domiciliário, a proteção social e a capacitação dos cuidadores informais". A expectativa, avança o deputado, "é que haja amplo consenso das outras forças partidárias e que o projeto de lei seja aceite".
Relativamente aos projetos de resolução do CDS-PP e do PAN, o socialista Luís Soares indica que "serão votadas favoravelmente", já que se trata de iniciativas "que permitem que o governo prossiga com o trabalho que tem desenvolvido", nomeadamente com a criação do Estatuto do Cuidador Informal. Já Helga Correia, deputada do Partido Social-Democrata (PSD), diz que os projetos de lei do BE e do PCP e os projetos de resolução "vão baixar à comissão" e serão "analisados e discutidos". "Neste momento não consigo adiantar mais nada", conclui