"Consenso político" faz de Portugal caso único mundial no tratamento da toxicodependência

O diretor do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência considera que Portugal é um exemplo para a Europa e para o mundo, na forma como gere o problema das drogas
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Numa entrevista ao DN/TSF, à margem da apresentação do Relatório Anua do Observatório, apresentado em Bruxelas, Alexis Goosdeel diz que há Estados Membros interessados no modelo de descriminalização do consumo de droga que tem dado resultados em Portugal e que só tem sido possível através do entendimento entre partidos.

Costuma apontar a política portuguesa, em matéria de droga, como um exemplo. Porque recorre frequentemente ao caso português?

Portugal tem um consenso, a nível político, nos últimos 10 ou 15 anos, que lhe permite, apesar da mudança de governo ou mudança de políticas, manter esse consenso e seguir com o progresso e evitar perder os benefícios da política [em matéria de droga]. Por entender como necessário fazer algumas mudanças ou alterações das políticas ou no sistema de tratamento dos toxicodependentes, mas o sistema no seu conjunto, tem continuado a funcionar debaixo do mesmo modelo, graças a esse consenso multipartidário. E acho que isso é um exemplo de boas práticas para toda a União Europeia.

E há Estados Membros interessados em seguir esta política que tem sido seguida em Portugal nas últimas décadas?

No Observatório apoiamo-nos muito nos colegas de Portugal e recebemos, juntos, muitas visitas. E, acho que Portugal e os programas de tratamento devem ter recebido a visita das delegações de uns 100 países diferentes.

Tem conhecimento de um paralelo, no mundo, com a forma como o problema das drogas é tratado em Portugal?

O que realmente é uma originalidade portuguesa é esse compromisso radical em descriminalizar o uso de todas as substâncias. Há muita gente fora de Portugal que interpreta como se fosse uma legalização do uso, apesar de não ser o caso.

Muito recentemente, a comissão parlamentar de saúde aprovou a utilização de canábis para fins medicinais. Como é que avalia esta medida, vê nela algum risco associado?

Não. Acho que quando se considera Portugal, o nível da discussão, o nível da legislação e as políticas [em matéria de droga], Portugal é um país maduro. A política portuguesa a este nível é madura. Isto quer dizer que não há lugar para a improvisação. E, acho que há países da União Europeia que têm tomado decisões mais ou menos semelhantes. É um tema importante. Mas, agora é ver como se vai aplicar. Nós também vamos contribuir, no sentido de, até ao fim deste ano, publicarmos uma revisão das revistas científicas sobre os efeitos terapêuticos de derivados de canábis, para ajudar, apoiar e esclarecer quais são as propriedades, de que tipo de extratos de canábis e para que tipo de patologia.

Nos Estados Unidos, em alguns Estados, quando foi legalizada a utilização da canábis para fins terapêuticos, essa medida foi acompanhada de um aumento do consumo. Esse risco não se corre em Portugal?

Há alguns estados que reportam isso. Por exemplo, foi esse o relato informal que foi feito quando visitei o Colorado (EUA), há dois meses, um dos colegas disse que houve um aumento do consumo de canábis pelos jovens, na altura em que foi iniciada a legalização da canábis terapêutica. Mas, também reconhecemos que, nessa altura, chamava-se canábis terapêutica, mas na prática, não havia muito controlo sobre a forma como era difundida e como funcionava a prescrição de canábis. Era supostamente médico, mas na prática era mais como uma distribuição de canábis, disfarçada pela via médica.

O que é que garante que em Portugal isso não vai acontecer?

A garantia é a forma e a seriedade com que Portugal, até agora, tem organizado e definido a sua política de droga. Não espero que, em Portugal, seja uma forma disfarçada de legalizar o consumo. Posso estar equivocado, mas não há nenhum risco para isso.

Há partidos, com representação na Assembleia da República que defenderam não só a utilização de derivados mas da própria planta. Essa seria uma medida prejudicial ou benéfica?

Não seria necessariamente assim. Há outros Estados-Membros da União Europeia que têm decidido legalizar o uso terapêutico de extratos de canábis. Mas, aqui há um ponto importante para esclarecer. Acho que, na Europa, se fala mais do uso terapêutico de produtos derivados de canábis, em vez de se falar do uso da planta, como terapia. Porque não faz sentido. Na medicina e na farmacologia não se fala nunca do uso terapêutico da árvore ou da planta. Falamos, por exemplo, do uso terapêutico para o controlo da dor, de morfina, até mesmo com crianças que padecem de cancro. E, nesse caso, não falamos do ópio. Falamos do uso da morfina, que é uma das substâncias extraídas do ópio. E, acho que precisamos seguir [em Portugal] a mesma abordagem, que são as regras da farmacologia e da farmacoterapia.

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