António Capucho: "Com Rui Rio admito regressar ao partido"
Expulso do PSD em 2014 , António Capucho admite agora regressar se o partido voltar à "sua matriz social-democrata", o que considera "praticamente impossível" com Santana Lopes, de quem diz que dificilmente poderá ganhar as legislativas. De Pedro Passos Coelho diz que fez uma oposição "no mínimo desastrosa" a António Costa. E não isenta Santana Lopes da "derrota estrondosa" do PSD na capital - se abdicou agora do lugar na Santa Casa para se candidatar ao partido "porque é que não abdicou para se candidatar a Lisboa?".
Tem sido muito crítico do percurso do PSD nos últimos anos. Agora que Passos Coelho anunciou a saída e que Rui Rio e Santana Lopes avançam para a disputa da liderança, espera que haja uma inversão do caminho que tanto criticou?
É a minha expectativa. Desde que Passos Coelho começou a afastar o PSD da sua matriz social-democrata que me fui afastando. Hoje em dia tenho a perspetiva de que o partido possa ser recentrado, que possa retomar uma posição de centro/centro-esquerda. E ao mesmo tempo que possa proceder a alterações internas na sua organização, que afastem os problemas de natureza ética e organizacional que o caracterizam, é necessária uma limpeza do partido de processos e métodos que não o tornam recomendável. São duas missões fundamentais que o próximo líder deverá ter.
E qual dos candidatos está em melhor posição para fazer isso?
Sem prejuízo da admiração e da simpatia que Pedro Santana Lopes pode merecer, Rui Rio está em muito melhores condições. Pelas duas razões que apontei: em primeiro lugar porque foi ele que já tentou, enquanto secretário-geral, afastar algumas práticas menos recomendáveis, através de um processo de refiliação. E em segundo lugar porque é ele que está situado mais à esquerda dentro dos putativos candidatos do PSD e claramente mais à esquerda do que Santana Lopes.
Admite voltar ao PSD nesta nova fase?
Sempre disse que me manteria independente enquanto o partido estivesse neste rumo. A partir do momento em que possa voltar à sua matriz social-democrata, com Rui Rio, vou ponderar o regresso ao partido, admito que sim. Depende do resultado do congresso.
Mas então admite o regresso com Rui Rio, não com Santana Lopes?
Não, não creio que com Pedro Santana Lopes estivessem reunidas as condições. Salvo se a equipa e o programa que ele apresentasse me fizessem demover desta minha orientação, o que é praticamente impossível.
Mas será um regresso como militante ou admite um papel mais ativo?
Como militante. Não nego qualquer hipótese de vir a assumir um cargo de responsabilidade, mas pela minha idade e pela minha já longa passagem por todos os cargos possíveis no partido - com exceção do de líder - não tenho qualquer ambição.
Uma das críticas que têm sido feitas a Rui Rio é que representará um regresso ao passado, e que isso é visível nomeadamente nos nomes que o apoiam. Como é que vê essas críticas?
Se o regresso ao passado é recuperar a matriz social-democrata, ainda bem que é um regresso ao passado. Seria apropriado, no plano teórico, um maior rejuvenescimento da liderança? Muito bem, mas os dois candidatos que se apresentam são sexagenários e nem por isso deixam de ser competentes para exercer o cargo. Não me parece que a questão da idade seja marcante. O que é fundamental é que o próximo líder afaste aquilo que o governo de Passos criou, que foi um antagonismo entre velhos e novos, reformados e ativos, funcionários públicos e setor privado.
Falou num reposicionamento do PSD no centro-esquerda. Esse espaço não está já ocupado pelo PS?
Em primeiro lugar é fundamental que o PSD se distinga não apenas do PS, mas do CDS. Ou seja, não podemos permitir que nos encostem à direita, mas isso não nos inibe de nos distinguir do PS. Como Rui Rio disse, o PSD é um partido plural, que pode ir do centro-esquerda ao centro-direita, mas mantendo a matriz social-democrata, e nisso se distingue: por maior humanismo, por maior proteção nomeadamente ao trabalho. Durante todo este período de 40 anos o PSD soube distinguir-se.
Como vê a ideia de um bloco central, que muitas vezes é colada a Rui Rio?
É uma falsa questão. Uma coisa é uma coligação de governo com o PS, que é indesejável - os dois grandes partidos do cenário político português devem estar um no governo, o outro na oposição, para se tornar uma alternativa credível e válida. Outra coisa é o PSD aceitar entendimentos com o PS a propósito das grandes reformas estruturais, e aí acho que sim. Nenhum social-democrata consciente deve eximir-se à responsabilidade de procurar consensos na educação, na saúde, na segurança social, e enfatizo esta última. E a menina dos meus olhos - alterações profundas ao sistema eleitoral.
Rui Rio consegue bater António Costa nas próximas eleições legislativas?
Vai ser uma luta muito difícil, mas até lá passará muita água por baixo da ponte. É verdade que António Costa está num estado de alguma graça, na medida em que os indicadores económicos são favoráveis - só tenho pena de que não consiga ser um bocadinho mais comedido para poder amortizar com profundidade a dívida, que é um problema grave -, e portanto vai ser uma luta bastante difícil, mas não é uma luta perdida.
E se for Santana Lopes?
Com Santana Lopes será difícil. Comparando o que foi Rui Rio como executivo àquilo que Santana Lopes mostrou no governo... a experiência governativa dele não foi brilhante, pelo contrário. Por outro lado, foi pena que ele não tenha acedido ao convite que lhe foi feito e à insistência dos militantes no sentido de se candidatar a Lisboa, permitindo esta derrota estrondosa. A Teresa [Leal Coelho] fez o que pôde, teve os apoios que conseguiu angariar, mas de facto não era a candidatura ideal. Com Santana seria certamente muito diferente.
Acha que Santana tem responsabilidades no resultado do PSD em Lisboa?
Tem responsabilidades nesse sentido. Não o posso criticar por ele se ter mantido no lugar que ocupava [provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa], que é um lugar de grande responsabilidade. Mas se ele abdica desse lugar para a presidência do PSD porque é que não abdicou para se candidatar a Lisboa? Foi pena não se ter candidatado a Lisboa.
Que razões encontra para o resultado do PSD nas autárquicas?
Nas eleições autárquicas é sabido que há mais eleitores que vão às urnas e muitos votam no partido que está na mó de cima, digamos assim. Desta vez houve muitos socialistas a irem às urnas votar no seu partido e aconteceu o inverso com o PSD. Teriam ido votar muitos mais sociais-democratas não fosse o partido estar de rastos, a uma distância enorme do PS nas sondagens, e com uma liderança completamente desacreditada - por força não apenas da governação, que não deixou uma boa memória nos portugueses, mas também da postura, do comportamento e da estratégia do PSD e de Passos Coelho, durante o período em que foi oposição a António Costa que foi, no mínimo, desastrosa.
Porquê?
Passos Coelho não soube assumir a derrota. Ganhou as eleições, ficou em primeiro lugar, mas tinha de perceber que é preciso conseguir formar governo. Ele não conseguiu, o António Costa conseguiu. A partir daí teve a pouca sorte - os portugueses tiveram a sorte, e António Costa também - de a economia começar a mexer. Segundo Passos Coelho, graças a ele... Bom, graças a circunstâncias várias. A verdade é que ele assumiu uma posição derrotista, de que vem aí uma tragédia, e não soube sair deste discurso. Qual era a estratégia dele? Era dizer que estávamos a ir por um caminho mau quando os números diziam que era bom. Lamuriou-se, lamentou-se, não passou disto e, portanto, não teve crédito junto dos eleitores.
Na sua perspetiva, que legado deixa Passos Coelho?
Não quero ser muito derrotista, mas tenho alguma dificuldade em encontrar um legado. Ele teve um encargo que não posso esquecer: herdou um país destroçado pelo governo socialista anterior, foi ele que conseguiu evitar a bancarrota. Só que depois a terapêutica que aplicou, violentíssima, para lá da troika, foi absolutamente excessiva - matou o doente com a cura. Portanto, teve um percurso que não deixa boa memória. Foi muito para além do que era necessário e conduziu o país ao desastre que os números indiciam. Tendo começado a recuperar um pouco no final do mandato, também é preciso dizê-lo.
E no partido?
O partido está esfacelado. É um conjunto de oligarquias, a nível distrital e concelhio, que não funcionam. Funcionam apenas quando há eleições. Os militantes pagam as quotas - bom, parte deles não paga quota nenhuma, quem paga são interpostas pessoas, o que devia ser liminarmente proibido... E era relativamente fácil obstaculizar isso. Não reorganizou o partido e o partido está amorfo. Espero que agora acorde.
É uma questão de vontade política resolver esses problemas?
Claro que sim.
As coisas também não correram bem a Marco Almeida em Sintra. O que é que aconteceu?
Aconteceu que António Costa ganhou as eleições em Sintra. Descaradamente. Por outro lado, Marco Almeida teve um resultado espetacular nas últimas eleições, como independente, com uma lista de independentes, alguns provenientes do PSD, como eu... Ele foi ilegalmente afastado da lista do PSD - o PSD deu Sintra ao PS de bandeja, há quatro anos. Ele foi o cabeça-de-lista indicado pela secção local do PSD e, sem nenhum motivo, sem invocarem o que quer que seja, disseram "não, tu não vais, vai outro" - o Pedro Pinto, que teve o pior resultado de sempre do PSD. Desta vez a distrital teve um gesto inteligente, percebeu que tinha feito asneira há quatro anos. O problema é que o PSD estava em baixo, o PS em alta, o que beneficiou muito o Basílio Horta, e verificou-se que o parceiro PSD era um parceiro tóxico.