Hospitais estão a dever mais de 67 mil dias de folga aos enfermeiros
Ministério afirma que para minimizar a carência de profissionais tem "aprovado a generalidade" dos pedidos de contratação
Os hospitais estão a dever aos enfermeiros mais de 539 mil horas extraordinárias, correspondente a mais de 67 mil dias de folgas (tendo em conta turnos diários de oito horas), situação que se tem agravado com a não contratação de profissionais em número suficiente, apontam o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses e a Ordem. E este levantamento feito pelo sindicato só tem dados de 27 instituições, faltando ainda outras 18. O Ministério da Saúde afirma que tem procurado minimizar a carência "autorizando a generalidade dos pedidos de contratação". Já o presidente da Associação dos Administradores Hospitalares (APAH) diz que com as limitações financeiras as contratações poderão demorar mais que o desejável.
Patrícia trabalha há nove anos numa urgência de um hospital do norte do país. Estão a dever-lhe mais de 150 horas. "É um desgaste muito grande. Faltam muitos enfermeiros no serviço e continuamos a fazer muitas horas a mais. Há colegas que são contratados e desistem passado pouco tempo por causa da carga de trabalho e porque são contratos de substituição que não dão mais estabilidade." Para quem fica, a pressão é cada vez maior. "Estamos a dar tudo para que nada falte, para que as pessoas sejam bem tratadas e no final só nos dizem que temos de fazer mais. Somos pressionados a aceitar as horas a mais. E depois não temos as folgas devidas. Em nove anos nunca passei o que estou agora a passar. É muito desmotivante."

"Esta é uma situação que se tem agravado por causa da não admissão de enfermeiros em número suficiente, mas também por outros fatores. Quando se passou para as 40 horas semanais, muitas enfermeiras pediram flexibilidade de horário para acompanhamento de filhos menores, o que levou à diminuição de enfermeiros para fazer as tardes e noites. Como não há admissão suficiente, houve uma redução das folgas destes colegas", refere Guadalupe Simões, do SEP, lembrando também a subida da taxa de absentismo entre 2013 e 2014 de 9% para 11%. "Mensalmente estão a faltar nos hospitais 3854 enfermeiros para colmatar as 539 mil horas feitas a mais", diz, referindo que "só o hospital de Faro, segundo a administração, deve 112 mil horas". Já o Centro Hospitalar de S. João deve 40 mil. O DN questionou o hospital, mas não teve resposta. Segundo o sindicato, o total de horas em dívida corresponde a mais de 5 milhões de euros.
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Segundo o Inventário de Pessoal do Setor da Saúde, em 2014 (últimos dados disponíveis), existiam 39691 enfermeiros no SNS. Destes, 32 700 nos hospitais e Unidades Locais de Saúde (estas juntam hospitais e centros de saúde. Uma parte dos enfermeiros trabalha nos cuidados de saúde primários, dados não desagregáveis). O que significa em média duas folgas em dívida por enfermeiro a trabalhar nos hospitais.
A bastonária dos enfermeiros afirma que as horas em dívida "resultam da falta de enfermeiros". "Há hospitais a colocar nas escalas programadas horas extra. Os enfermeiros podem e devem recusar-se a fazer essas horas a mais. Os enfermeiros estão a trabalhar em stress elevado e exaustão, o que faz aumentar o risco de erro", aponta Ana Rita Cavaco, acrescentando que "todas as semanas o ministério recebe ofícios da Ordem a relatar situações de horas em dívida". Segundo um estudo, um em cada cinco enfermeiros está em exaustão emocional. A Ordem pediu ao ministério e a todos os partidos a contratação de 3 mil enfermeiros por ano.
Alexandre Lourenço, presidente da APAH, afirma que "não é desejável ter profissionais a executar um número de horas muito superior ao normal. Estamos a sobrecarregar recursos de forma desnecessária, o que leva à desmotivação, burnout e emigração. Este número [de horas em dívida] só pode ser resolvido com mais contratações. Apesar da sensibilidade do ministério para a questão, com as limitações financeiras, as contratações levarão mais tempo que o desejável", diz, salientando que o aumento de profissionais é fundamental para o combate às infeções hospitalares e para apostar em novos modelos de seguimento de doentes crónicos que levam à redução de internamentos.
A Administração Central do Sistema de Saúde refere ao DN que o "Ministério tem procurado minimizar a carência deste grupo de pessoal, autorizando a generalidade dos pedidos de contratação que lhe são apresentados pelos serviços e estabelecimentos de saúde do SNS." E dão como exemplo a evolução de enfermeiros com contrato de trabalho ativo entre junho, quando entraram em vigor as 35 horas semanais para contratos em função pública e novembro: passou de 39 217 profissionais para 40 060.