Governo olhos nos olhos com o país à procura de boas ideias
Os espetadores de um concerto de jazz e os visitantes de uma feira de produtos agrícolas foram os primeiros alvos de uma campanha do governo que vai percorrer o país
O destino do autocarro não faz parte de nenhum roteiro habitual, mas ele está escrito nas mesmas letras luminosas no topo: "Ideias para Portugal", anuncia. Pintado de vermelho-vivo, salpicado de muitas fotografias de caras sorridentes e frases provocadoras - "E se em cada parque houvesse um telescópio para ver estrelas? ou "E se os morangos crescessem nos telhados?" -, não passa despercebido. E é esse o objetivo deste autocarro que vai andar por todo o país a divulgar a iniciativa do governo com um nome sem sex appeal: Orçamento Participativo de Portugal (OPP). Há três milhões de euros para distribuir. É só passar do vulgar e muito português bitaite para a ideia e depois ao projeto, já com o apoio dos serviços do Estado.
"Apesar de vivermos num mundo de comunicação e tecnologia, no qual as pessoas têm acesso a muita, muita informação, acreditamos que é olhos nos olhos com as pessoas que temos de estar no terreno", sublinha Graça Fonseca, a dinâmica secretária de Estado da Modernização Administrativa, enquanto espera pelo ministro da Agricultura, Capoulas Santos, que fez questão em visitar todas as bancas do Agrofórum, uma feira de produtos agrícolas que está a decorrer em Lisboa.
A agricultura é, a par da ciência, da educação, da cultura e da formação para adultos, uma das áreas-alvo desta iniciativa. O autocarro estacionou à porta da FIL e a jovem equipa da Agência de Modernização Administrativa (AMA) deslizou lá para dentro, nos seus Segway, à procura das tais ideias.
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Tiago Vaz e Célia Pereira interrompem delicadamente algumas provas de vinho, queijos e outros produtos para distribuir os flyers coloridos, com toda a informação sobre o OPP. Há quem estranhe, revire, desconfiado, o panfleto, diga que não quer comprar nada. Mas a maior parte ouve. E fica a pensar. E até se lembram daquela ideia há muito a remoer na cabeça. É o caso de Luís Romano e Tiago Pereira, produtores de mirtilos em Mondim de Basto.
Têm "dois amores", como explica Luís, "a agricultura e o teatro", e contam que em Mondim fazem parte de uma companhia, o Teatro Amador Mondicense. "As salas estão sempre esgotadas", assinala Tiago. E têm "há algum tempo uma ideia que ainda não foi possível concretizar: organizar um festival de teatro, com espetáculos em toda a região, que tenha a participação de uma companhia de cada país da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa". Tiago Vaz acena em sinal de apoio e explica que "agora é só ir à página oficial e submeter a proposta".
Na quarta-feira, o autocarro OPP tinha estado com outra equipa na Margem Sul, junto ao festival de jazz do Seixal. Uma "clientela" mais seleta, que, apesar de algumas reclamações em relação ao roncar dos motores do autocarro, parou, ouviu e leu. Jorge Roque, empresário do Montijo, tem umas ideias para "levar cultura às pessoas, através das coletividades". Admite que "não tinha ouvido falar antes" no OPP, mas regista "com muito agrado". Idêntico aplauso vem do economista de Sesimbra Guilherme Ferreira, que é regular espectador do SeixalJazz. "Tudo o que sejam iniciativas para dar voz aos cidadãos são positivas", afirma.
Enquanto dentro do auditório se ouvem os primeiros acordes do saxofone, o autocarro estremece um pouco e para os motor. Um suspiro de silêncio enche a noite e a equipa decide ficar até ao intervalo, para prestar esclarecimentos a quem tivesse ficado a pensar no assunto enquanto ouvia o quinteto de Gonçalo Marques. "O que se quer nesta fase é que as pessoas, pelo menos, fiquem lá com o bichinho, a pensar no assunto, e depois apresentem as suas ideias", diz Sandra Silva, a chefe da equipa.
No site, à hora do fecho desta edição e com uma semana de estrada do autocarro OPP, estão registadas - o que quer já dizer que são consideradas exequíveis - quatro ideias: concertos participados por crianças, de Carlos Mendes; um roteiro das rotas do contrabando; um polo infantil de robótica, de Rodolfo Moreno; e um portal do professor, de Tiago Ferreira.