Formamos quatro vezes mais doutorados. E ainda é pouco

Qualificações. Entre o início do século e 2015 passámos de 551 para 2351 doutoramentos por ano. Ministro diz que ainda são poucos. Professores defendem mais investimento na ciência
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Em 1999/2000, Portugal tinha 868 estudantes inscritos em programas de doutoramento e 551 pessoas obtiveram esse grau. Quinze anos depois, em 2014/15, os números tinham disparado para 4492 inscritos e 2351 graduações. No último ano letivo, tiveram início 4559 doutoramentos. Será que tem razão quem diz que temos "doutores a mais"? Ou a questão que deveríamos estar a colocar-nos é: "O que temos de fazer para aproveitar os quadros altamente qualificados que estamos a produzir"?

Primeiro, a resposta à primeira pergunta: "Não, não temos doutores a mais nem estamos a formar doutores a mais", assegura Manuel Heitor, ministro da Ciência e Ensino Superior. "Há duas questões a analisar: o fluxo, número de doutorados que se formam por ano, e o stock", diz. "Aumentámos a capacidade de formar novos doutores, mas temos ainda um fluxo de 2,3 por cada 10 mil habitantes, relativamente baixo face às sociedades desenvolvidas. Estamos a par da Espanha mas é quase metade do valor da Irlanda, para não falar da Alemanha ou da Holanda", ilustra.

E pior ficamos quando analisamos o "stock", o total de doutorados: "Temos três doutores por cada mil habitantes, dois se considerarmos o número de empregados da população ativa. A Finlândia tem exatamente o dobro".

"Tivemos uma evolução muito positiva", defende António Cunha, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas. "O que não temos de facto é um stock de doutorados, porque esta formação é sobretudo uma questão da última década".

Assente que parece estar a conclusão de que continuamos carentes de doutorados, passamos à segunda questão: o que fazer para cativar mais jovens para estes níveis de formação e para mobilizar a sociedade, nomeadamente as empresas, para os aproveitar. E é aqui que as posições s já não são tão uniformes.

Para Gonçalo Velho, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), o país continua longe de ter capacidade quer para reter os seus quadros mais qualificados quer para atrair outros. "Num relatório da OCDE, produzido em 2013, Portugal aparecia como o país que dava condições mais precárias aos doutorados", recorda.

No referido relatório era referida a questão dos bolseiros de investigação, para os quais o governo, através do novo regime de emprego científico, prevê agora um sistema de contratação a termo, que pode chegar aos seis anos. Um sistema muito criticado pelo SNESup, que o considera "um péssimo exemplo" para o país. Gonçalo Velho defende que só com uma "inovação disruptiva", capaz de grandes saltos tecnológicos, o país poderá tirar partido da população qualificada. E para isso, defende, tem de haver "um grande investimento científico suportado pelo Estado".

inventar iphone ou as aplicações

"A Economia que consegue inventar o iphone consegue revolucionar o mundo. É diferente da pequena economia, que está apenas a desenvolver pequenas aplicações para o iphone, concorrendo com centenas de outras", ilustra.

Atualmente, assume, estamos muito longe da crista da onda: "Outro estudo de 2013, o Euroactive, apontava para a questão alarmante das diferenças entre o Norte e o Sul da Europa. As indústrias que estavam a ser criadas a Sul eram sobretudo orientadas para o consumo - restaurantes, bares, lojas de vestuário, turismo -, com pouco nível de valor acrescentado e de inovação". Para Gonçalo Velho, só com o Estado como "motor" Portugal conseguirá inverter a tendência.

António Cunha considera que, "felizmente, começam a aparecer sinais positivos de que o tecido económico e empresarial valorizam a inovação, dando o exemplo dos programas doutorais entre instituições e empresas (ver reportagem). É um processo que tem as suas dificuldades", assume, defendendo que "estas coisas não podem ser feitas por decreto e por imposição. Têm de corresponder a necessidades efetivas das empresas".

Manuel Heitor admite que "ter empresas que se baseiam no conhecimento é uma questão crítica (ver entrevista). Mas afasta a ideia de que não existam respostas para os doutorados, dando o exemplo do ensino: "Com a capacidade de formar doutores, aumentámos sobretudo os doutorados no Ensino superior. Mas ainda não chegámos aos 100%. Só temos 70% de docentes doutorados".

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