Fim de ciclo. Cavaco escreve a biografia e afasta-se da política
O mandato termina e a pergunta impõe-se: e agora, Cavaco? O que vai fazer a partir de amanhã - quando Marcelo Rebelo de Sousa tomar posse como 20.º Presidente da República - um dos políticos com o percurso mais longevo da nossa democracia?
Os que o conhecem bem asseguram, quase em uníssono, que vai ser "muito discreto" a partir do momento em que abandonar o Palácio de Belém. Não vai fazer comentário político na televisão ou assinar colunas de opinião em jornais ou revistas. Quer mesmo distanciar-se, dizer adeus.
O que fará então, depois, de tratar das "muitas coisas", dos "muitos papéis" - palavras do próprio Cavaco, ontem, após a visita ao Museu Municipal de Cascais - que tem para arrumar?
O ainda Chefe do Estado poderá vir a participar pontualmente em conferências (em Portugal ou além-fronteiras) ou até "dar uma ou outra entrevista", mas não tenciona levantar ondas ou ser um "elemento desestabilizador". Nem para o país nem para o partido de que foi líder, o PSD. Os tempos são outros e têm novos protagonistas: Marcelo em Belém, António Costa em São Bento e Pedro Passos Coelho na São Caetano. "Não vai ser interventivo, não se vai multiplicar em opiniões", diz fonte próxima do ainda Presidente.
O mesmo será dizer que, depois de mais de três décadas de política ativa, Cavaco não tenciona cultivar o estatuto de senador. Nem o assento no Conselho de Estado - a que, ao abrigo do artigo 142.º da Constituição, tem direito - fará que procure os palcos mediáticos. No entanto, já terá feito saber aos seus mais próximos que será esse o fórum indicado para dizer o que pensa. E que não se coibirá de o fazer.
Recato parece ser palavra de ordem do também ex-primeiro-ministro - que vai regressar à Travessa do Possolo, em Lisboa, onde antes habitava. E o princípio sagrado da estabilidade será para respeitar também no verbo. Mesmo no pós-Presidência.
Memórias passam ao papel
Porém, Cavaco poderá voltar a agitar as águas quando publicar a sua biografia. Se seguir a lógica do que fizera até aqui - já publicou dois volumes de Autobiografia Política -, o Presidente cessante vai debruçar-se apenas sobre a dimensão política da sua vida nos últimos anos.
E haverá tanto para contar. Desde o polémico caso das alegadas escutas ao Palácio de Belém por ordem de José Sócrates - Fernando Lima, o ex-assessor do Presidente também estará a preparar uma obra - à convivência desde então (final de 2009) com o primeiro-ministro socialista, passando pela queda desse executivo devido ao chumbo do PEC IV, em 2011, pela crise "irrevogável" no governo de Passos Coelho e Paulo Portas em 2013 - e os apelos ao consenso com o PS de António José Seguro - ou ainda o impasse político após as últimas legislativas.
"Só escreverei as minhas memórias depois de 9 de março de 2016", afirmava Cavaco em maio do ano passado, quando confrontado pelos jornalistas com alguns trechos da biografia autorizada de Passos - da autoria de Sofia Aureliano -, com críticas à atuação do Chefe do Estado no verão quente de 2013.
Fontes próximas de Cavaco Silva garantem que, se o professor assim entender, haverá ainda mais para revelar aos portugueses através das suas Memórias, até porque nos bastidores, dizem, fez muito para garantir a serenidade dos demais agentes políticos e a estabilidade do país em anos de chumbo.
Para já, Cavaco está a "reaprender" a conduzir - há 31 anos foi a "rodagem" de um Citroën que o pôs na estrada para a liderança do PSD -, como o Expresso adiantava. Vai voltar a estudar e trabalhar num escritório no Convento do Sacramento, em Alcântara - cujas obras ascenderam a 500 mil euros e arrastaram-se mais de um ano.