Eutanásia. Número de pedidos aumenta todos os anos
A discussão que Portugal faz agora em torno da morte assistida, e que no próximo ano terá tradução na Assembleia da República, leva décadas em alguns países. É o caso da Holanda e da Bélgica, que legalizaram a eutanásia e o suicídio assistido em 2002, duas experiências que estarão em foco no colóquio internacional que, na próxima terça-feira, encerra em Lisboa o ciclo de debates "Decidir sobre o final da Vida", promovido pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). Partindo desta perspetiva, o que se sabe sobre a implementação destas práticas nos países em que está legalizada?
Os dados mais completos conhecidos até hoje, no caso sobre o suicídio assistido, reportam-se ao estado norte-americano do Oregon, que legalizou aquele ato em 1997, depois de um referendo em que 51% dos votantes se manifestaram favoráveis à despenalização.
Contabilizados 18 anos de implementação da "Lei da Morte com Dignidade" (desde a entrada em vigor até ao ano de 2015), foram contabilizadas 1545 prescrições de medicamentos letais que vieram a resultar na morte de 991 pacientes (64%).
Quanto aos que não chegaram a concretizar o ato, os dados não permitem distinguir se desistiram ou se morreram antes de chegar ao fim do processo legal. Do número total de suícidios assistidos uma maioria não muito expressiva eram homens (51,4%), com uma média de idades de 71 anos (mas com uma amplitude que se estende dos 25 aos 102 anos). Aproximadamente 10% tinham menos de 55 anos. A esmagadora maioria - 94% - morreu em casa.
Um dos dados mais significativos dos números do suicídio assistido no Oregon prende-se com as razões que levaram os pacientes a escolher por termo à vida. O motivo mais apontado, por 91,6%, foi a perda de autonomia. Logo a seguir surge a perda de qualidade de vida (89,7%) dos pacientes, traduzida na incapacidade de apreciar os atos quotidianos. A perda de dignidade é outra razão comum apontada por quem requereu o suicídio assistido. A grande distância surge o sofrimento - "inadequado controlo da dor" - apontado por 25,2% dos pacientes.
A doença que mais levou os residentes no estado de Oregon a pedir suicídio assistido foi o cancro: 77,1% dos que tomaram um medicamento letal sofria desta doença. Entre estes, 17,9% sofria de cancro do pulmão. A esclerose lateral amiotrófica foi a segunda doença mais apontada, mas a grande distância (8%). Seguiram-se as doenças respiratórias e cardíacas.
Ainda no caso do Oregon, o detalhe dos dados chega a precisar que os pacientes que cometeram suicídio assistido demoraram, em média, quatro minutos a entrar em coma e 25 minutos a morrer. Seis pacientes acordaram do coma, o que representa uma taxa de eficácia de 94%.
Um estudo de 2016, de dois autores norte-americanos, um holandês e um belga (Joachim Cohen, que estará na conferência do CNECV) pegou nos dados do Oregon para os comparar com os do estado de Washington, da Bélgica e da Holanda.
A informação disponível para cada caso é substancialmente diferente (sendo que o próprio quadro legal tem variações), mas permite perceber, por exemplo, que em qualquer dos casos são os doentes com cancro a liderar os pedidos de eutanásia ou suicídio assistido. Na Holanda e Bélgica representam mais de 70% dos pedidos de morte assistida, enquanto as doenças neurodegenerativas rondam os 6% do número total.
Já os dados referentes ao estado de Washington relativos aos motivos que levam as pessoas a querer por termo à vida acompanham em toda a linha os de Oregon, com a perda de autonomia no topo. Nos países europeus não há dados desta natureza.
O estudo comparativo dos quatro académicos (Ezekiel Emanuel, Bregje Onwuteaka-Philipsen, John Urwin e Joachim Cohen) diz não ter encontrado evidências de que a prática da eutanásia seja mais frequente entre a população mais vulnerável. O "paciente-tipo" tem, aliás, escolaridade elevada. Quer no estado de Oregon, quer na Bélgica, a maior parte dos pacientes passou por cuidados paliativos.
Tendência de aumento
Uma tendência que os dados disponíveis têm vindo a apontar é um progressivo aumento dos pedidos de eutanásia ou suicídio assistido. Uma conclusão que é patente no caso do Oregon, que passou de 24 pedidos anuais em 1998, no ano da entrada em vigor da lei, para os 121 registados em 2014 ou os 218 de 2015. Um aumento que os investigadores atribuem a uma presumível maior aceitação social do suicídio assistido. Ainda assim, estes números representam menos de 0,5% da mortalidade no Oregon.
Na Bélgica, números divulgados pela Comissão Federal de Controle e Avaliação da Eutanásia apontaram 2025 casos de eutanásia em 2016. No ano anterior tinham sido 2021 e em 2014 foram 1924. Em 2002, data em que foi legalizada aquela prática, houve 24 pedidos. Cinco anos depois, em 2007, foram 500. Em 2011 foram registados 1133 casos.
Na Holanda, de acordo com números oficiais, em 2016 foram registadas 6091 mortes por eutanásia, número que representa 4% dos 148 973 óbitos registados no país. Em 2015 tinham sido 5516. Os dados do relatório anual sobre a prática da eutanásia apontam para uma significativa prevalência de pedidos de doentes com cancro, seguindo-se as doenças do sistema nervoso, ou patologias graves de pulmões e coração.
Em 32 casos a eutanásia foi praticada a pessoas com demência, a maioria em fase inicial da doença, e em 60 situações a morte assistida implicou pessoas com graves problemas psiquiátricos - um dos aspetos mais polémicos da lei holandesa.
A legislação deste país só permite a eutanásia em casos de sofrimento extremo e inultrapassável, mas não obriga a que o autor do pedido seja um doente terminal, o que tem motivado alguns casos polémicos.
O debate na Holanda passa agora pelo conceito de eutanásia por exaustão vital, ou seja, que aquela prática pode ser requerida por idosos a partir dos 75 anos que sintam que a sua vida está completa.
Segundo os dados relativos ao ano passado a eutanásia foi praticada maioritariamente em casa do paciente, com acompanhamento médico. Foram reportados dez casos em que as normas legais impostas pela lei holandesa não foram cumpridas.