Estabilidade fina como vidro: três candidatos podem vencer

<strong>Combate autárquico na Marinha Grande.</strong> De bastião comunista, a câmara passou a reduto do PS nos últimos 20 anos. E neste mandato esteve muitas vezes perto do ingovernável, nas contas baralhadas por um independente que cresceu politicamente e acredita que pode ganhar o município
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A governabilidade da Marinha Grande só é comparável à delicadeza do mais fino vidro que em tempos sustentou e fez crescer aquele concelho. Se há município onde o conceito de disputa eleitoral faz todo o sentido, é aqui.

Ainda a campanha eleitoral não começou (oficialmente, entenda-se) e já o PS apresenta queixas na comissão nacional de eleições contra a CDU. Mas também poderia ser o contrário, se pensarmos que, nos últimos 20 anos, o poder andou (quase) dividido entre estas duas forças políticas, que até há quatro anos discutiam entre si a liderança da câmara.

Mas as autárquicas de 2013 já deram sinais de que o vento mudara entre o Pinhal de Leiria e a entrada das fábricas. O PS conseguiu o maior número de votos (4745) mas ficou com os mesmos dois vereadores que a CDU no executivo, que contabilizou então 3925 votos. Ora, com a entrada em cena de dois movimentos independentes (Movimento pela Marinha e + Concelho), cada um deles conseguiu eleger um vereador.

A mesma sorte teve o PSD, que regista na Marinha Grande uma votação residual, em contraponto com a maioria dos outros concelhos do distrito de Leiria. De modo que foram quatro anos de guerrilha política, de negociações, avanços e recuos. "É por isso que é tão importante termos uma maioria clara", diz Cidália Ferreira, a vice-presidente da câmara, que corre como cabeça-de-lista do PS nestas autárquicas.

Vereadora desde 2005, acredita ser a mais bem posicionada para "continuar este desafio". E o último mandato revelou-se particularmente difícil, pois que o presidente da câmara eleito, Álvaro Pereira, renunciou (por razões de saúde) e foi substituído pelo vereador Paulo Vicente, que cedo se colocou de fora da corrida.

Entre os sete candidatos à Marinha Grande, três são mulheres. Do lado da CDU está Alexandra Dengucho, uma advogada que também leva oito anos na vereação (e na oposição). Mas, ao contrário da socialista Cidália, Alexandra não olha para a maioria clara como condição para governar a câmara e liderar o concelho. "Se o PS tivesse apresentado projetos - como a construção da piscina municipal e do mercado -, eu não ia votar contra. Eles não apresentaram porque são incompetentes. A mim não me assusta nada governar sem maioria. Sou uma pessoa de consensos", diz ao DN. E confiante: "Tenho a certeza de que vou ganhar a câmara."

Ora essa é uma certeza que parece assaltar pelo menos três candidatos neste concelho que cruza a beleza do mar de São Pedro de Moel com o desenvolvimento económico. Aurélio Ferreira, o independente que vai a jogo pela segunda vez, também está confiante. Recolheu mais do dobro das assinaturas a que estava obrigado por lei, para se candidatar, e diz que sente "um enorme apoio da população, de todos os quadrantes, desde os bairros sociais aos empresários". Não fosse ele um empresário, também.

Nas ruas da Marinha Grande as conversas também deixam perceber a carta fechada a que se assemelha o resultado destas eleições: o mais votado pode ser qualquer um destes três candidatos. Aurélio cresceu muito, politicamente, ao longo do mandato. Desde o princípio que decidiu "prestar contas" no final de cada reunião camarária, criou uma base de dados com milhares de endereços de e-mail e encetou uma forma de comunicação com os munícipes que não era usual. Entretanto, é ele também o presidente da AMAI (Associação Nacional de Movimentos Autárquicos), apontado como exemplo no país.

O retrato eleitoral na Marinha Grande faz-se ainda com a participação de um outro movimento independente, liderado por Carlos Logrado, o + Concelho; e duas coligações: +Marinha (que junta o CDS e o PPM), com Paulo Ferreira, e a coligação PSD+MPT, que tem ao leme Ricardo Galo.

Ao princípio, PSD e CDS corriam juntos, em coligação, mas desentenderam-se no processo de constituição de listas. E há ainda outra mulher pronta a entrar neste combate autárquico - Ilda Coelho, pelo Bloco de Esquerda. Na terra que a líder Catarina Martins conhece bem (por razões familiares), o BE sabe que é difícil mas vai lutar por ter voz nos diversos órgãos autárquicos, concorrendo a todos.

No discurso dos sete candidatos há temas que são transversais. Da direita à esquerda, todos querem uma nova piscina municipal, a construção do mercado, mas sobretudo o alargamento das atuais e criação de novas zonas industriais. Estamos na terra onde o desemprego tem o valor mais baixo do distrito, onde não falta trabalho e a remuneração nivela acima da média. "Mas falta-nos muita coisa, na Marinha", adverte Ilda Coelho, a professora de música que fala da pouca oferta cultural, do abandono das pessoas e da falta de condições para viver, "o que faz que as pessoas trabalhem na Marinha e vivam fora".

É certo que existem parques verdes como nenhum outro concelho vizinho tem, nem Leiria. "Mas faltam creches, por exemplo, que trabalhem 24 horas. Há muita gente a trabalhar por turnos", lembra. A comunista Alexandra Dengucho fala insistentemente da necessária expansão da zona industrial. "Há empresas que vão para fora do concelho porque não têm condições cá para se instalar. Da mesma maneira temos de trabalhar bem o dossiê do turismo, o desporto e a educação. Temos um movimento associativo que atualmente se substitui à câmara nas ações culturais e desportivas, deve ser olhado como parceiro", atira. Cidália também vinca o discurso na criação de uma nova zona industrial, mas vai mais longe: "A Marinha é um polo de desenvolvimento científico e tecnológico. É por aí que temos de ir."

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