"Para indemnizar é preciso apurar as responsabilidades exatas do poder público"

Entrevista ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. O assunto é a tragédia de Pedrógão Grande e os incêndios

Na relação difícil que parte do eleitorado de centro-direita tem neste momento consigo há um momento que pesou muito porque não se revê na atuação do Governo - quando em Pedrógão Grande se apressou a dizer que "o que se fez foi o máximo que se podia fazer". Que efeito procurou que acontecesse quando estava ainda o combate a ser feito, sabíamos ainda muito pouco sobre aquele acontecimento, o que é que pretendeu com essa declaração?

Antes deixe-me ainda, em complemento à primeira pergunta, dizer o seguinte: eu não dou grande importância às sondagens, acho que as sondagens vão e vêm e tão depressa se está nos setenta e tal por cento de popularidade como se deixa de estar, mas o que é facto é que mesmo no eleitorado centro-direita, porque falou nisso, não encontro sinais nas sondagens, até agora, de desgaste na relação direta do eleitorado com o Presidente. Não quer dizer que amanhã não aconteça, é a coisa mais natural da vida.

Agora o que se passou. O que se passou foi o seguinte: eu tenho uma prática que é a de estar em contacto com os presidentes de câmara - ainda hoje [terça-feira] aconteceu isso -, que têm problemas a enfrentar e, nas épocas de fogo, dos incêndios, são naturalmente os problemas dos incêndios. Isso aconteceu no ano passado durante o verão e aconteceu este ano. Eu, naquele sábado, tinha telefonado, antes de ir ao Porto a um compromisso que tinha com cuidadores de doentes de Alzheimer, e falado com vários presidentes de câmara para saber da situação nos respetivos municípios. No regresso voltei a falar e impressionou-me muito o agravamento, aparentemente brutal, que tinha havido concretamente em Pedrógão Grande; ao contrário do que me parecia pelo contacto que fiz com, por exemplo, a presidente da Câmara de Góis e o presidente da Câmara de Pampilhosa da Serra. Fiquei tão impressionado - sabe que isto é um problema de intuição - com aquilo que foi a reação do presidente, esta reação, diferente das conversas anteriores que decidi imediatamente seguir para lá.

Nessa altura ainda não sabia que havia mortos?

Não, naquela altura sabia-se que havia um ou dois desaparecidos, um ou dois mortos, imaginava-se que andasse por aí. O Sr. secretário de estado da Administração Interna ia à frente, tinha partido um pouco antes, e eu estive em contacto com ele. A Srª ministra da Administração Interna partiu um pouco depois e, portanto, chegou um pouco depois de mim. A chegada já foi muito atribulada porque tive de utilizar uma via de comunicação relativamente à qual a Guarda Nacional Republicana tinha dúvidas sobre a passagem, mas, enfim, foi possível passar, de uma forma complicada, mas foi possível passar; e no caminho para lá, de repente, o próprio número de vítimas aumentou substancialmente, a situação configurou-se de uma forma completamente diversa e saltou para 19 vítimas o número conhecido. Eu chego ao posto de comando que tinha sido ali montado, numa situação possível embora cheia de limitações, precisamente na sede do concelho e há aquele abraço que se vê na televisão ao Sr. secretário de estado da Administração Interna que estava muito emocionado porque tinha ele próprio também, ao chegar, percebido o salto que tinha havido no agravamento da situação. Isto é preciso contextualizar. Eu tenho uma reunião no posto de comando para perceber o que se passava, são-me dados determinados elementos, de facto, e vou falar com a comunicação social. Aí digo, primeiro, "com base naquilo que me foi descrito", tive esse cuidado de o dizer, o que passou nalguns casos na televisão, noutros não passou, o que ficou foi a frase seguinte, mas tive esse cuidado, quer dizer, isto não é uma invenção, cheguei agora de novo e fui saber o que se passava. Do posto de comando viam-se chamas praticamente em todas as direções e tinha-se a noção que mesmo saber o que se passava a poucos quilómetros de distância era impossível. Mais tarde soube-se que a poucos quilómetros de distância já tinha ocorrido bastante antes o que se passou naquela via de comunicação, naquela estrada que ligava a Castanheira de Pera, e, no entanto, era desconhecido. Portanto disse, "com base naquilo que me foi descrito o que eu posso dizer é que se está a fazer o máximo que é possível", o que correspondia àquilo que eu tinha recolhido ou melhor, com os meios disponíveis aquilo que sabíamos; e acrescentei: "Acho que o fundamental agora - e essa parte também passou pouco -, nesta fase que é muito complicada, é incentivar aqueles que estão a combater, a prioridade agora é fazer face aos incêndios, é uma situação difícil...", foi, portanto, uma palavra de estímulo. Se eu tivesse de repetir tinha dito exatamente a mesma coisa.

Mas isso também passou, a questão é que depois a tragédia era de maiores dimensões do que aquilo que se conhecia...

Mas isso não se conhecia naquele momento. De tal maneira que no dia seguinte eu falo ao país, na altura com outros dados, e digo expressamente "Trata-se de uma tragédia", como quem diz, não vale a pena desdramatizar porque não é passível de desdramatizar. Com este número de mortos é uma tragédia, e acrescento, "Há interrogações que, depois de ultrapassado este momento em que há a prioridade de combate ao fogo" - estava-se no dia seguinte, domingo -, "têm de ser respondidas".

Essa é a questão, porque entretanto passou mais de um mês e continuam muitas perguntas sem ter resposta. No entanto, nós vemos que há uma tentação do lado do Governo e do Partido Socialista de querer reduzir aquela tragédia a uma falha do SIRESP e eu pergunto-lhe se continua a pensar o mesmo, que se fez o máximo que era possível fazer naquela altura?

A questão para mim é a seguinte: eu, poucos dias depois num depoimento dado ao Expresso, menos de uma semana depois da minha intervenção, porque o depoimento foi dado na sexta-feira e foi publicado no sábado, eu digo que é preciso um apuramento cabal das razões estruturais e conjunturais que explicam esta tragédia em termos de apuramento de factos e de responsabilidades. Eu dizia que era preciso fazer esse apuramento e é preciso fazer esse apuramento. Portanto, eu nunca desdramatizei aquilo que se passou. Pelo contrário, chamei-lhe tragédia e, por outro lado, exigi o apuramento de factos e responsabilidades. Em função disso houve duas vias paralelas, chamemos-lhes assim, que começaram o apuramento de factos e responsabilidades.

A primeira, que demorou algum tempo a concretizar-se, foi proposta pelo Partido Social democrata na Assembleia da República e traduziu-se na criação de uma comissão independente; e eu promulguei o diploma e, na altura da promulgação disse duas coisas para ficar de bem com a minha consciência. A primeira, é que era uma solução inédita, nunca experimentada, não era uma comissão parlamentar de inquérito, não era uma comissão da responsabilidade do Governo, era uma comissão de iniciativa do Parlamento, mas independente, recorrendo-se a metade dos membros designados por partidos e outra metade por reitores das Universidades. A segunda observação que fiz foi que era um prazo longo, porque eram 60 dias prorrogáveis por mais 30, o que significava que o Parlamento tinha, mas por iniciativa do partido liderante da oposição, escolhido uma via razoavelmente longa. Mas eu não podia deixar de promulgar porque era a via que estava ali escolhida pelo Parlamento e porque admiti que para se apurar tudo, isto é, o que é que tem a ver com causas estruturais, estrutura fundiária, estrutura de aplicação ou não da legislação existente, suficiência ou insuficiência, estrutura administrativa, estrutura da proteção civil, atuação naquelas circunstâncias, comunicações, tudo o resto, provavelmente para ser cabal precisava de tempo; e essa está a correr, já passou praticamente um mês, as pessoas não notam porque o tempo corre, mas já passaram vinte e tal dias desde que iniciou funções.

A segunda via é o Ministério Público. Pelo próprio facto de haver vítimas, nomeadamente vítimas mortais, e também pelo facto de ter aparecido um responsável a dizer que estava convencido de que tinha havido mão criminosa, duplamente portanto, cabia ao Ministério Público abrir inquéritos correspondentes àquela situação, àquela tragédia que tinha ocorrido.

Houve uma terceira via, que foi a utilizada pelo primeiro-ministro e que foi a de fazer uma série de perguntas a organismos que são tutelados por diferentes ministérios na procura de perceber o que se passou.

Sim, sim, mas digamos que estas são as duas que estão no terreno. O Ministério Público e a Comissão Parlamentar Independente. Esta naturalmente tratará de tudo o que houver a tratar, mas o Ministério Público tratará essencialmente da componente jurídica ou, se quiser, legal. O Ministério Público, no dia em que nós estamos a falar que é terça-feira, está a ouvir quem diz que tem elementos adicionais a fornecer aos processos, nomeadamente quanto a vítimas, para além daquelas de que se tinha falado já, e, naturalmente, a cruzar a informação. Irá falar com os familiares das vítimas e depois estará em condições de dar resposta a uma condição que tem sido muito suscitada que é, por um lado, o número de vítimas e por outro lado, a identificação das vítimas. Como esta conversa está a acontecer na terça-feira veremos se até á publicação da entrevista essa é a situação ou se será outra.

Seja esta a polémica, seja a polémica do controlo da informação, que agora está centrada na proteção civil, será que todas estas polémicas não diminuem a autoridade do Estado, no sentido em que colocam junto da população uma dúvida sobre se a informação que temos é verdadeira ou não, se há algum controlo de informação?

Por isso é que eu sou muito rigoroso naquilo que digo sobre as duas pistas de investigação. Sou muito claro quando digo que tem de haver um apuramento total, não é parcial, é total; até onde for possível o apuramento, pelo Ministério Público por um lado e, por outro lado, pela Comissão Independente. Tem de haver.

Em segundo lugar, também digo que se deve manter a cabeça fria, eu sei que é difícil, sei que é muito difícil numa questão tão trágica como esta, mas deve-se manter a cabeça fria. É verdade que há debate político, em democracia há debate político, há período pré-eleitoral, estamos a dois meses de eleições autárquicas. É um facto particularmente relevante e grave, agora, deve haver cabeça fria. Quando falo em cabeça fria, vou dar dois exemplos: por um lado, não passa pela minha cabeça que quem quer que seja possa, a pretexto de desdramatizar, minimizar a importância do apuramento cabal dos factos e responsabilidades. Não pode haver dúvida nenhuma sobre isso, nenhuma. Do outro lado, também, as pessoas têm de ter presente que estamos em democracia. Eu pertenço a uma geração que testemunhou, antes da democracia, situações críticas graves, incêndios graves ou cheias gravíssimas, e em que se vivia com censura e, como tal, relativamente a alguns dos factos não só nunca houve nenhum inquérito independente, como ficou sempre uma dúvida enorme quanto ao funcionamento da máquina da justiça; porque havia a perceção de que a máquina da justiça não era própria de um Estado de Direito democrático, quer dizer, não havia um Ministério Público autónomo, não havia juízes independentes. Portanto, ainda agora, quando se fala de alguns desses factos não se sabe o número total de vítimas, volvidos 50 anos; mas nós estamos em democracia, em democracia não há desaparecimento de vítimas, não há, como se contava de algumas ditaduras estrangeiras, aviões que lançam no mar corpos, não há enterrar corpos, isso não existe.

Se houvesse algum fundo de verdade no número de vítimas que não é real, as consequências teriam de ser...

Há matérias que são polémicas, aquele ato foi criminoso ou não foi? É um problema de qualificação jurídica. Qual a gravidade? Agora, há, ou está vivo ou está morto, quando muito pode estar desaparecido e a família diz, olhe está desaparecido, vamos apurar onde é que estava e tal... Portanto, ou está vivo ou está morto, não pode haver uma terceira qualificação.

Em democracia tem de haver a serenidade, mesmo no meio do debate político, para que não se fique com a sensação de que, por razões políticas, se minimiza o que não deve ser minimizado ou de que, por razões políticas, se maximiza e se lida com uma tragédia de uma forma que pode correr o risco de ser considerada desrespeitosa para as próprias vítimas e para os familiares.

Sr. Presidente, o país continua a arder no dia em que estamos a fazer esta entrevista, as reportagens, o que nos mostram todos os dias é uma população residente no interior que vive permanentemente com o coração nas mãos. Terminado o verão, terminada a época dos fogos, será tempo de rever de cima a baixo o sistema de combate aos fogos que temos?

Eu não queria estar a pronunciar-me antes das conclusões do inquérito.

Mas o inquérito é sobre Pedrógão...

Eu sei, eu sei, mas agora há uma relação necessária com aquilo que está a ser objeto de inquérito. É evidente que, pelo próprio facto de ter estado naquela madrugada onde estive, de ter estado dois dias depois lá outra vez quando ainda se estava na fase de combate aos fogos que se tinham agravado entretanto noutros municípios limítrofes, eu próprio tenho interrogações, como qualquer cidadão eu tenho interrogações e espero que venham a ser naturalmente esclarecidas em geral, umas estruturais outras conjunturais, mas que venham a ser esclarecidas por estas cuidadosas investigações em curso.

Agora, recordo o seguinte: quando foi do incêndio do ano passado, eu já estava em funções como Presidente da República, além de estar em contacto com os presidentes de câmara fui visitar áreas ardidas, e lembro-me que havia como que um consenso nacional no sentido de que era preciso equacionar certas medidas e certas soluções, algumas delas foram postas a debate em outubro do ano passado, e depois foi um longo processo sobre o qual eu não quero pronunciar-me agora porque nenhum dos diplomas objeto de votação na Assembleia da República chegou ainda, no dia de hoje, à Presidência da República.

O Sr. Presidente pediu aos deputados que não fossem de férias sem serem capazes de aprovar no Parlamento o pacote do regime florestal, com o resultado de ver que uma das medidas não foi aprovada porque não havia deputados.

Eu falei muito pouco sobre essa matéria, mas de facto atribuíram-me na comunicação social muitos pensamentos sobre ela. Eu posso esclarecer qual era o meu pensamento sobre essa matéria, porque se forem à procura daquilo que eu disse rigorosamente, terão dificuldade. Já muito depois da época de incêndios do ano passado, em março deste ano, tive uma intervenção sobre incêndios florestais. Admito que não tenha tido o eco que porventura merecia, mas foi num encontro organizado na Universidade de Lisboa com especialistas para olharem precisamente para as causas estruturais. Na altura disse que se aproximava o final de março, que diplomas que tinham estado em debate desde outubro estavam agora para ir, até disse, ao Conselho de Ministros de 21 de março, e que esperava que o debate público feito e que o debate subsequente no Parlamento fossem em termos de se perceber se era necessária ou não aquela legislação, se ela era fundamental, se não era fundamental, em que pontos era utilíssima e em que pontos era menos utilíssima. Depois referi aqueles pontos que normalmente eram mencionados. Isso foi o que eu disse em março deste ano.

Depois assistiu-se a que o Conselho de Ministros aprovou os diplomas, aquilo que veio sobre a forma de decreto-lei, eu promulguei imediatamente, o que seguiu para o Parlamento, seguiu para o Parlamento. Eu não comento os trabalhos parlamentares, eles decorrem num órgão relativamente ao qual o Presidente da República, em termos de solidariedade institucional, deve ter o cuidado de não estar a discutir se concorda ou se discorda, se é muito rápido ou se é pouco rápido. Portanto, espero agora pelos diplomas para perceber o conteúdo final desses diplomas, comparar com aquilo que foram as propostas iniciais colocadas a debate, e perceber o que é que está para ser sujeito a promulgação do Presidente da República. Quando eu digo eu, imagino que todos os portugueses também estarão interessados em perceber.

Alguns diplomas não vão chegar já, um deles percebe-se que tem a ver com questões fiscais e, obviamente, com benefícios fiscais para quem tratar da terra, o outro tem apenas um problema político, o PCP não se entendeu com o Partido Socialista...

Pois, mas eu não me vou pronunciar sobre essa matéria.

Gravamos esta entrevista na terça-feira e atualizamo-la este sábado. De Mação a Niza voltou a arder uma área significativa. Multiplicam-se as queixas dos autarcas à Proteção Civil. O tempo passa e não há forma do combate correr bem. Isto é o destino?

Não. Por isso é que eu disse na terça-feira e repito hoje que é muito importante retirar as lições desta época de fogos. Tem que se apurar o que aconteceu e não apenas no caso específico de Pedrogão porque para isso há uma comissão, mas o que aconteceu ou virá a acontecer - infelizmente ainda nos falta um mês, um mês e tal de época de fogos. E é depois dessa época que tem de se fazer seriamente um balanço, o que é que estava mal estruturalmente, o que é que podia ter sido feito e não foi feito, o que é que correu menos bem na resposta aos fogos, não apenas prevenção mas também combate.

Depois de tiradas as lições, ver se há uma convergência, um consenso nacional relativamente aos próximos anos. Temos ainda dois anos de legislatura, era importante que, no caso que espero que não aconteça das condições naturais serem tão adversas como este ano, podemos poupar a experiência do ano que está em curso e isso passa por aproveitarmos todo o tempo, a partir de setembro/outubro, até à primavera do ano que vem para em conjunto ver o que é que é possível. Há coisas que não é possível fazer imediatamente...

Isso quer dizer que avalia muito negativamente o combate aos fogos este ano?

Eu não vou fazer avaliação nenhuma, acho que é prematuro estar a fazer essa avaliação. Aliás, penso que é como quando estamos na guerra, quando estamos na fase aguda da guerra não devemos estar a discutir a tática e a estratégia no meio dos acontecimentos, eu sei que a política passa um bocadinho por aí mas é de bom tom guardar essas apreciações para depois. Agora, essas avaliações não podem deixar de ser feitas e essa é a grande lição adquirida, é de que ao menos desta vez não se vai esperar uma eternidade para se retirar lições.

Há um outro fator a revelar uma grande desconfiança dos portugueses em relação ao Estado. Mais de um mês depois de Pedrogão, o Estado não dá sinais de estar pronto para ressarcir as famílias das vítimas. É aceitável esta demora?

Vamos lá a ver. Há aqui duas componentes, uma componente é a reconstrução e outra é olhar para as vítimas no sentido mais amplo, os mortos, já lá vamos a essa situação mais grave. Há toda uma reconstrução de vidas a fazer, essa reconstrução começou e é preciso que vá por diante e que seja acelerada. Eu próprio já disse que tencionava não só lá ir, e irei dentro de dias outra vez, mas desejava muito que pelo Natal fosse possível a todos os que perderam casa...

O Sr. Presidente lá estará?

Eu lá estarei... que fosse possível que todos estivessem nas suas casas, a tentar tanto quanto possível retomar a normalidade das suas vidas.

Outra questão mais complexa é a da indemnização e é mais complexa por duas razões. Primeiro porque tem de se esperar pelo apuramento de factos e responsabilidades. Segundo porque tem de se ver em que termos é que legalmente é possível. Muitas vezes se tem feito o paralelo com Entre-os-Rios, mas em Entre-os-Rios o que aconteceu foi que derrocou uma obra pública, sabendo-se logo de imediato que foi por, de forma determinante, incúria do Estado. Até podia ter sido por um fator natural irremovível, mas não. Apurou-se que havia razões acumuladas ao longo dos anos para as quais tinha sido chamada a atenção, nomeadamente por técnicos, que permitiu dizer que o Estado não tinha cuidado daquilo que era seu. Aqui estamos perante uma situação diferente, porque não estamos perante uma obra pública propriamente dita e, portanto, tem de se provar em que pontos e em que medida houve ou não falha do poder público que possa justificar uma responsabilidade objetiva. E as pessoas compreenderão que esse apuramento tem que ser feito com muito cuidado porque no futuro qualquer situação de caráter como esta, uma tragédia, e que não é apenas tragédia em relação a vidas, mas depois naturalmente também àqueles que ficaram feridos, mas também àqueles que ficaram com danos matrimoniais, o apurar exatamente por onde passa a responsabilidade do poder público é fundamental, porque senão teremos inevitavelmente uma multiplicação dos pedidos de indemnização em todas as circunstâncias.

Quer dizer que para si não faz sentido uma ação judicial coletiva contra o Estado, como revela o Expresso deste fim-de-semana, para apressar essa decisão?

Eu acho que em Portugal os cidadãos têm direitos e legitimamente podem e devem exercê-los. Eu vou receber daqui a dias, precisamente, a líder da associação de vítimas para mostrar a minha disponibilidade total para ouvir as razões. Depois, terá de se julgar à luz da lei que estiver em vigor e pelos meios jurídicos adequados até que ponto é possível ou não é possível, sobretudo dentro de que limites é possível, poder falar numa responsabilidade. Portanto, eu como é fácil de entender, neste momento não tomo posição sobre essa matéria, vou ouvir a posição da associação de vítimas, tenho muito presente, até porque sou professor de Direito Administrativo, muito presente quais são os pressupostos legais para haver uma indemnização, percebo que haja uma organização familiar das vítimas, percebo que haja advogados disponíveis para esse tipo de causas. Agora, penso que é inevitável, e também já não falta tanto tempo assim, porque o tempo vai correndo, é inevitável ter que esperar pelo apuramento do Ministério Público e da comissão independente, apuramentos que devem ocorrer dentro de um mês e meio, máximo dois meses.

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