"Os partidos da área do governo têm de decidir se querem durar até ao fim da legislatura"
Por pertencer à União Europeia e à zona euro, Portugal tem obrigações a vários níveis, mas na matéria económica e financeira é onde elas mais claramente se revelam. Voltámos a ser vistos como bons alunos, quer com o Governo anterior, quer com o atual Governo. No entanto, a tentativa de ter um acordo para fechar o Orçamento de 2018 antes do verão, para não contaminar o debate autárquico, falhou. Falhou porque há claras divergências entre o Partido Socialista, no governo, e o PCP e o Bloco de Esquerda; e há uma tentação muito grande de, como há bons resultados, folgar um bocadinho, gastar mais dinheiro. É necessário resistir a esta tentação?
Eu penso que tem de haver um grande equilíbrio. Isto é, eu admito que os quatro anos e meio de crise foram muito penalizadores e daí uma preocupação de repor rendimentos e de reequilibrar a vida das pessoas em setores que tinham sido muito duramente atingidos. Por outro lado, também admito que haja injustiças sociais e assimetrias e que haja mesmo necessidade em alguns setores, quanto a sistemas sociais ou quanto a necessidades de investimento público prioritário de qualidade, de ir mais longe do que se foi obviamente durante quatro anos e meio e mesmo no Orçamento para 2016 e no Orçamento para 2017.
Agora, como diz, tem de haver aqui sempre uma grande preocupação porque, embora saibamos que o crescimento económico é que é crucial para dar sustentabilidade ao controlo das finanças públicas - é completamente diferente crescermos 1, 1,5, 2, 2,5, perto de 3 ou mais de 3 - é evidente que tem de haver permanentemente uma preocupação de finanças sãs. Não apenas pelo cumprimento de certos imperativos europeus, mas também por uma questão de conquista cívica. Em Portugal, a importância do défice não era uma evidência nem merecia consenso na opinião pública portuguesa há dez, há vinte ou há trinta anos, falávamos com alguns estrangeiros e, para eles, era uma evidência que era muito importante ter finanças sãs.
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Mesmo hoje entre o PCP e o Bloco há afirmações públicas de desvalorização sobre a importância do défice.
Mas não se pode esquecer que a juntar às prioridades que eu referi para este ano de 2018, e para os anos seguintes, há uma outra que tem estado a conhecer uma evolução mais favorável, mas que não deixa de ser uma preocupação pesada, que se chama dívida pública. Ela está lá e, embora esteja estabilizada e com passos muito importantes como foi o pagamento substancial do empréstimo do Fundo Monetário Internacional para melhorar a taxa de juro e, portanto, para melhorar as condições que oneram as nossas finanças e, logo, a nossa economia, muitas vezes quando se olha para a dívida pública bruta ou líquida não se tem a noção exatamente de que não é a mesma coisa um montante com prazos X ou com prazos Y e com juro A ou com juro B, mas é uma preocupação. A única maneira de enfrentar esta preocupação é, por um lado, o crescimento económico obviamente mas, por outro lado, é a manutenção de finanças sãs, porque isso permite a credibilidade que justificou, nos últimos meses, da parte dos mercados financeiros terem uma reação muito mais favorável a colocações de dívida pública portuguesa do que o que se passava há um ano, ou há nove meses, ou mesmo há sete meses.
Para sairmos do lixo onde nos colocaram vamos precisar de reduzir o valor da dívida.
Nem é apenas o problema do rating das agências que, obviamente, também é significativo, é a reação dos mercados. Quando os mercados começaram a admitir, para a dívida pública a curto prazo portuguesa, taxas de juro negativas, isto era um mundo novo, nunca tinha acontecido em Portugal. Eu ainda me lembro, não como responsável político, mas como gestor numa instituição que por ter alguma ligação indireta, em termos de tutela, ao Estado, à qual foi pedido que comprasse dívida pública portuguesa em plena crise, do que era comprar dívida pública portuguesa numa altura em que ninguém queria ter dívida pública portuguesa e do que era a impossibilidade de o Estado ir ao mercado. Depois passou a ir ao mercado, mas com taxas muito mais elevadas do que aquelas verificadas recentemente. Portanto, aqui não é uma mania dos economistas, não é uma mania dos financeiros, é uma realidade importante para as finanças e para a economia portuguesas.
No entretanto, a paz social, que o Sr. Presidente já referiu várias vezes, foi muito evidente no primeiro ano, ano e meio, do Governo e agora começou a complicar-se. Já houve greves, há greves anunciadas, há greves marcadas e, na maioria dos casos, são as corporações do Estado que, vendo que a economia está a correr melhor, querem obviamente ter melhores condições de trabalho, melhores remunerações. Esse é outro fator de pressão sobre as contas públicas. Não teme que Portugal vá entrar definitivamente de novo numa fase em que vamos ter greves permanentemente porque não há dinheiro para satisfazer o que toda a gente pede?
Não, espero que não. Espero que não porque as pessoas são realistas e, portanto, há reivindicações justas, umas mais justas do que outras.
Para quem as faz, são...
Claro, para os próprios são justas e a greve é um direito. Agora, uma coisa é perguntar-me se eu acho que pode ou não existir greves - obviamente que pode, é um direito dos portugueses -, outra coisa é se eu acho que se vai entrar num período de turbulência social e em que se torne impossível haver aquela estabilidade social básica para a própria estabilidade económica e financeira, aí eu não sou pessimista.
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Acha que a greve - estava a falar do direito à greve e é professor de Direito Constitucional -, também se aplica aos juízes?
Sabe que, nessa matéria, para mim os juízes são titulares de órgão de soberania. Foi isso que aprendi como constituinte e foi isso que ensinei como professor de Direito Constitucional. São titulares de órgão de soberania e, sendo titulares de órgão de soberania e que está integrado num poder diverso daquele a que corresponde o Presidente da República, é uma matéria sobre a qual eu não me pronuncio. Há um órgão, o Conselho Superior da Magistratura, que naturalmente tem uma palavra a dizer sobre a sua interpretação. Tradicionalmente, e eu vejo isso como Presidente da República, mas tenho visto também em relação ao Parlamento e em relação ao Governo, há um grande pudor, e bem, em imiscuírem-se em matéria que é matéria do chamado poder judicial. Há um órgão que tem uma posição muito relevante em termos de poder judicial no que respeita ao acompanhamento daquilo que é a vida do dia a dia dos magistrados judiciais portugueses e, portanto, o Presidente da República, por uma questão de sensatez e de respeito à Constituição, não deve opinar e olha com muita atenção para aquilo que é a interpretação do Conselho Superior da Magistratura, para o que é que ele entende relativamente ao que está em causa. Certamente que acompanharei sempre com muita importância e com muita atenção, e há um diálogo constante, nomeadamente com o Presidente do Conselho Superior da Magistratura, que é o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
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Há uma clara dificuldade acrescida face ao que tínhamos visto até aqui também nas relações do Governo com o PCP e com o Bloco de Esquerda que lhe dão suporte parlamentar. Pode ter muito a ver com o facto de estarmos em campanha eleitoral para as autárquicas, mas a verdade é que diminuíram as condições de governabilidade. Isso significa que o Sr. Presidente terá de aumentar a sua capacidade de influência para fazer pontes também junto da maioria parlamentar?
Bom, eu há bocado tive ocasião de dizer que o que me parecia e parece essencial no quadro do sistema político português é que, assim como as oposições devem ser fortes e vigorosas, também a área da governação deve ser coesa em termos de viabilizar a governação do país. Portanto, aproxima-se o Orçamento do Estado para 2018, o que eu espero é que haja, como resultado final das conversas sobre este Orçamento, um tipo de conclusões quanto ao entendimento dos vários parceiros que seja idêntico ao que houve no Orçamento do Estado para 2016 e para 2017. Seria bom para o país que não houvesse a introdução de fatores críticos do ponto de vista político, mas como imagina não depende do Presidente da República. A palavra final pertence aos partidos. Os partidos que fazem parte da área do Governo têm de decidir em cada momento ao longo da legislatura se querem ou não durar até ao fim da legislatura, se quiserem, naquilo que depender deles, têm mais hipóteses de durar, se não quiserem, não há ninguém que possa substituir-se a eles. O Presidente da República não é líder de nenhum partido, nem da área do Governo nem da área da oposição.
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