Centeno considera que é devido um pedido de desculpas às vítimas de Pedrogão

Na segunda parte da entrevista, Mário Centeno fala de temas desligados do orçamento. É duro com o governador do Banco de Portugal a propósito da polémica criada com a reforma do sistema de supervisão financeira e considera que o Estado já devia ter pedido desculpa às vítimas e aos familiares das vítimas de Pedrogão. É o primeiro governante a dizê-lo.
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Leia a primeira parte da entrevista:

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No próximo ano o Eurogrupo vai ter de escolher um presidente e Mário Centeno é um dos candidatos. Se isso acontecer vai ter de andar cá e lá - não deixa de ser ministro das Finanças português, acumula as duas funções. Terá de haver um reforço na equipa ministerial para garantir o mesmo desempenho, tendo em conta que a sua disponibilidade será menor?

Eu tenho uma equipa ministerial absolutamente fora de série. Deixe-me usar esta oportunidade extraordinária que me está a dar. Somos uma equipa muito coesa e os meus secretários de Estado têm desempenhado os seus papéis de uma forma extraordinária. Mesmo pelas suas qualificações próprias, temos vários secretários de Estado que são doutorados nas melhores universidades do mundo, temos pessoas que conhecem muito, muito do que fazem e do que tratam. São absolutamente extraordinários na prossecução destes resultados. Isso se calhar já era tautológico, mas eu quero reforçar esta tautologia porque nunca foi tão verdade como é hoje, ou pelo menos é assim que eu o sinto. Posto isto, é evidente que o lugar de presidente do Eurogrupo retira tempo a quem o ocupa, retira parte da sua atenção para um conjunto de tarefas. Teremos de pensar nessa dimensão - e só comecei por esta resposta para aproveitar a sua deixa, para dizer: não é que eu tenha falta de confiança nos meus secretários de Estado mas seria uma maldade deixar-lhes mais trabalho.

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O que faz de si um bom candidato? Ter sido capaz de dominar uma geringonça que começou por assustar as instituições europeias e os mercados e que agora já não assusta ninguém? É essa a sua grande qualidade?

Tomei esse desafio de explicar quais eram as intenções desta solução governativa muito a peito e com o objetivo de clarificar qual é a posição que vemos para Portugal no contexto da construção europeia. Projeto-me muito nesse processo de construção europeia, acho que o euro foi das melhores instituições que a Europa conseguiu inventar. Inventou-o de forma apenas parcial, infelizmente. Tem muito ainda para progredir e (seria bom) se pudéssemos ser parte desse caminho e termos uma visão - que aliás o Sr. PM refere, o Sr. ministro dos Negócios Estrangeiros também, eu próprio - de completar essa instituição que é absolutamente crucial para a paz na Europa e para os equilíbrios económicos e sociais que a Europa precisa e que tem deles tanto beneficiado. Esquecemo-nos frequentemente do que foi a história da Europa até à criação destas instituições europeias e o que permitiu aos povos da Europa progredirem por causa destas instituições. Se quer a minha opinião, o saldo é enormemente positivo.

E acha que pode ter aí um papel de ajudar a fazer o caminho que falta na construção do euro? Como presidente do Eurogrupo, pode dar esse sinal de que é possível fazer o que falta e fazer de modo diferente?

Se eu um dia vier a ocupar esse lugar e se isso representar uma importância para Portugal e para a forma como nós nos projetamos na Europa, o contributo será o de seguramente permitir completar esse caminho.

[destaque:Reforma do sistema de supervisão avançará, goste Carlos Costa ou não goste]

O governador do Banco de Portugal, a propósito da reforma do sistema português de supervisão e dos mercados de capitais e dos seguros, fez declarações em que insinuava a existência de uma alegada intenção do governo, deste e de outros, de procurar sempre pôr em causa a independência dos bancos centrais. O ministério das Finanças reagiu em vários órgãos de comunicação social, considerando essas afirmações lamentáveis e sugerindo que Carlos Costa se retratasse. Publicamente, do Banco de Portugal seguiu-se o silêncio. Em privado foi-lhe dita alguma coisa? Este é um assunto que está esquecido ou resolve-se com ações concretas? Gosta ou não gosta do governador do Banco de Portugal?

(ri-se) A reforma vai avançar e se quiser completar a frase (risos) Não é uma questão de gostar porque eu posso gostar ou não gostar. A reforma vai avançar, a independência dos bancos centrais diz respeito, do ponto de vista interno, à condução da política monetária. Enquanto regulador financeiro, como qualquer outro regulador, a independência do banco central é muito importante face aos que regula, aos regulados. Na dimensão financeira, obviamente a Constituição atribui ao ministro das Finanças o papel de responsável pela estabilidade financeira do país e, portanto, não poderia ser de outra maneira, que os supervisores financeiros não tivessem uma relação institucional com quem tem a responsabilidade da estabilidade financeira do país. No contexto do eurossistema, o banco central português tem atribuído um conjunto de responsabilidades que não estão no banco central porque ele é um banco central. Porque noutros países elas não estão no banco central, por exemplo a supervisão financeira do sistema bancário não está no banco central em todos os países na área do euro. A independência que está nos tratados e que é plenamente cumprida e respeitada por todos é aquela que diz respeito à condução da política monetária. Para o demais, há independência face aos regulados, há um quadro institucional e uma relação institucional que se deve manter.

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Defende a existência de um super regulador que depois se sobreponha aos reguladores setoriais, e que dessa forma consiga aumentar a eficácia...?

Um dos problemas do reflexo da crise que vivemos em Portugal foi a falta de coordenação entre reguladores. Isto é óbvio no caso do BES, também no Banif. É preciso que a coordenação entre reguladores, entre quem supervisiona que produtos, quem supervisiona a relação entre os clientes e os bancos, seja muito clara e isso faz-se num modelo que pode ser próximo daquele que está em discussão pública. O órgão já existe, ainda não está dotado das competências técnicas nem decisórias para executar a sua função, porque já temos o conselho nacional de supervisores financeiros. Portanto, não há a criação de mais um órgão. Este órgão fará a coordenação. Ele tem de ter capacidade técnica e capacidade decisiva. É evidente que desse órgão têm de fazer parte os diferentes supervisores, é ali que se coordenam as questões e penso que é uma matéria bastante simples de entender e que não é no sentido de perturbar a atribuição de funções que neste momento existem no sistema financeiro português, antes pelo contrário.

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Mas não respondeu à minha pergunta: Em privado foi-lhe dita alguma coisa sobre essa polémica?

Não, não, não...

Marcelo Rebelo de Sousa, em Pedrógão, convidou o Estado a acelerar a avaliação jurídica, tendo em conta o relatório da comissão independente, num conceito jurídico que é difícil de explicar, que é a culpa funcional não personalizável. O que significa que não é preciso esperar, na ótica de alguns juristas, que o Ministério Público determine a responsabilidade ou não do Estado. O Presidente falava obviamente das indemnizações às vítimas e aos familiares. A esquerda, no Parlamento, tem dito que é preciso que essas responsabilidades sejam apuradas cabalmente. A si, que tem a chave do cofre: não acha que, perante a dimensão da tragédia e o tempo que já passou, não era tempo de avançar rapidamente com a indemnização às vítimas?

É fácil ter respostas rápidas do prisma que colocou a questão.

Aquilo existe.

É verdade mas a chave do cofre, vou-lhe dizer com toda a franqueza, é o que menos relevância tem. Sem querer participar nesse debate sobre o qual não tenho toda a informação, seguramente que do lado do governo estão criadas todas as condições para que, existindo clareza e transparência no processo, essa celeridade se poder materializar. Isto é uma afirmação de princípios sem estar próxima sequer do processo jurídico que relatou, mas não há ninguém que possa não comungar desse ressarcimento e compensação, que vem sempre depois de um lamento que todos comungamos se possa fazer. O que é preciso é termos condições para que tudo isto se faça em igualdade de circunstâncias e com a preservação do que seja a estabilidade futura destes eventos.

Perante que diz o relatório da comissão independente, que foi aceite por todos os partidos do Parlamento como sendo a chave para determinar responsabilidade, e não estou a falar de responsabilidades individuais... não é devido um pedido de desculpas às pessoas que foram vítimas do incêndio?

O relatório saiu no dia 12, muitos colegas meus estão a ler e a trabalhar nele. Eu não faço parte desse grupo, não tenho informação suficiente para lhe poder responder a essa questão associada ao relatório em si. Se me pergunta se, perante uma evidente e identificada falha de serviços que estão acometidos ao Estado, devesse existir essa reparação, diria que obviamente sim. Não consigo é associar a minha resposta ao relatório em si.

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Mas acha, mesmo sem ler, que era um devido um pedido de desculpa à população daquela zona?

Se houve essas falhas, se elas resultaram do deficiente funcionamento de funções que estão acometidas ao Estado, isso pode resultar de questões estruturais que podemos resolver ou de mero erro na condução de um processo... ou nas duas coisas. E portanto a conclusão que daí podemos tirar também é diferente. Todos sabemos como são difíceis as decisões que têm de se tomar naquele contexto. Temos de esperar, já não muitos dias porque o relatório já está disponibilizado, tem de haver um pensamento sobre isso.

O PR diz que já esperámos tempo de mais.

É verdade. Em matérias desta natureza e com esta sensibilidade, qualquer tempo é sempre tempo de mais.

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