Engenharia Civil e Psicologia são os cursos com mais desempregados

Os alunos não deixam de escolher em função do gosto. Mas muitos acabam por só encontrar trabalho fora da sua área de formação.

Mais por vocação e gosto do que por expectativas de boas saídas profissionais. Boa parte dos estudantes portugueses escolhe o curso académico com este critério. No entanto, à medida que o final do curso se aproxima, as preocupações com o mercado de trabalho aumentam, sobretudo nos setores em que a oferta de emprego está longe de escoar a procura existente. Psicologia é o caso mais evidente entre as licenciaturas que geram mais desempregados. Ana Baptista está ciente disso mesmo, mas a vocação falou mais alto.

"Optei por Psicologia porque acho que tenho propensão para esta área, apesar de saber que as saídas profissionais, infelizmente, são poucas. Neste momento, seria uma hipótese tirar doutoramento, mas o ideal seria já estar a trabalhar para poder suportar os custos das propinas. Depois de concluir o curso, pretendo encontrar um emprego fixo, de preferência em algo ligado à formação que tenho. Gostaria de estar na área das organizações, algo relacionado com os recursos humanos", diz ao DN esta estudante do 3.º ano da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.

Perspetiva semelhante tem o colega de curso João Fernandes: "Não consegui entrar num mestrado em Música e decidi entrar em Psicologia para não ficar um ano parado. Tinha a ideia de tentar entrar em Música no ano seguinte, porém, com o decorrer do tempo, comecei a gostar deste curso e optei por não mudar. Tenho o objetivo de ter trabalho fixo, que me dê alguma estabilidade profissional e financeira, apesar de ser um pouco difícil nos dias que correm. Talvez trabalhar em recursos humanos. Mas, mesmo que tenha alguma saída de emprego, gostaria de terminar a minha formação em Música, que encaro também como uma alternativa profissional."

Rita e Pedro reconhecem que durante a licenciatura o emprego não é um tema abordado regularmente no curso. "É raro ouvir um professor a falar em saídas profissionais. O essencial do apoio à transição do meio académico para o mercado de trabalho faz-se mais durante o mestrado pelos próprios orientadores", afirma Pedro, com Ana a corroborar: "Informações sobre saídas profissionais não é um tema muito abordado pelos professores. Há uma reunião no primeiro semestre do terceiro ano para esclarecer algumas dúvidas que temos relativamente às áreas de mestrado, em que falamos sobre saídas profissionais de cada área, mas de forma superficial. Talvez durante o mestrado exista um apoio maior por parte dos orientadores."

Desemprego: um em cada dez

Segundo dados divulgados pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), quase um em cada dez diplomados no ano letivo 2014-15 estavam desempregados um ano depois. Detalhando os números, 7199 dos 81 953 alunos graduados ao nível académico estavam, em junho do ano passado, inscritos no Instituto do Emprego e Formação Profissional.

De acordo com os dados oficiais, a grande maioria pertence à área das ciências sociais e do comportamento, com 9,7%, correspondendo a 704 inscritos, sobretudo em cursos de Psicologia. Seguem-se as Engenharias, com 9,4% (683) e a Arquitetura (6,8%, correspondente a 521).

Psicologia é, como referido, o curso que gera mais desempregados. Contactada pelo DN, a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) salienta que "as dificuldades de ocupação profissional na área não são de agora", mas, ainda assim, sublinha que, "lamentavelmente, continua a não existir um sensato e total aproveitamento dos recursos existentes em áreas necessitadas como a saúde, a educação, a vertente social e a justiça, onde não estão assegurados os mínimos necessários".

Psicologia com menos cursos

"Se estivéssemos a ter aproveitamento dos recursos existentes em áreas necessitadas e se já tivessem avançado algumas das propostas da ordem, como a criação do psicólogo do trabalho ou o significativo reforço de psicólogos nos sistemas de saúde, educação, justiça e segurança social, estaríamos noutra situação", garante ao DN Teresa Espassandim, membro da direção da OPP responsável pela área da empregabilidade, que acrescenta: "No sentido de inverter o atual paradigma, a ordem tem feito uma forte aposta em programas de apoio à empregabilidade individual, inovadores ao nível das ordens profissionais e mesmo no panorama europeu."

Apesar da redução do número de cursos de Psicologia de 38 para 31, da parte da ordem existe a convicção de que a oferta atual continua a ser muito significativa, sendo expectável que decresça nos próximos anos.

"Não temos dados específicos sobre as alternativas profissionais dos diplomados em Psicologia, mas, na sua grande maioria, os mestres em Psicologia acabam por se inscrever na OPP, realizar está-gio e tornarem-se psicólogos. Por exemplo, neste momento, temos mais de mil estágios profissionais a decorrer.

Em pouco mais de cinco anos, já se realizaram mais de cinco mil estágios", afirma Teresa Espassandim.

Engenharia Civil é exceção

As engenharias aparecem como segundo curso com mais desempregados inscritos, segundo os dados do DGEEC. No entanto, neste caso, a falta de empregabilidade está sobretudo relacionada com a Engenharia Civil.

Este cenário, segundo a Ordem dos Engenheiros, é decorrente da crise económica recente e da falta de obras públicas.

"Em termos de mercado de trabalho, a esmagadora maioria dos cursos e especialidades não chegam para as encomendas tanto para o mercado interno como externo. A absorção do mercado de trabalho é total; a exceção a este panorama é a Engenharia Civil", explica ao DN o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Mineiro Aires, esclarecendo: "No setor energético, por exemplo, os licenciados não chegam para as encomendas. Ainda recentemente uma empresa alemã (Bosch) não encontrou engenheiros em número suficiente para preencher as 200 vagas de trabalho que oferecia. Há empresas da Noruega, Dinamarca, Bélgica, Reino Unido que fazem regularmente ações de recrutamento de engenheiros por cá. Isto já para não falar daquelas que fixam centros de competência em Portugal. No caso da engenharia civil existe procura sobretudo na Europa, mas também na América do Sul, no Médio Oriente, nos PALOP. Em Portugal, houve um período recente muito negativo, mas a reabilitação urbana e algumas obras públicas vão ajudando a mitigar um pouco a situação."

A qualidade da formação e custo de contratação relativamente baixo comparativamente com outros países leva a que os engenheiros civis portugueses tenham janelas de oportunidade noutros mercados.

No entanto, a reanimação do mercado interno e a diminuição de cursos de Engenharia Civil levam a ordem lançar o alerta: "Houve uma diminuição de cursos substancial, talvez em demasia. De tal forma que um dia destes vamos ter défice de engenheiros civis e vamos ter de importá-los."

Perspetivas diferentes

Apesar dos números de empregabilidade terem diminuído no mercado interno, ao longo dos últimos anos, Ana Freitas, que frequenta o 5.º ano do curso de Engenharia Civil da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), confia nas possibilidades que encontrará no mercado de trabalho.

"Apesar de a minha área ter estado em dificuldades, Engenharia é sempre um curso que nos permite algumas opções de emprego. No meu caso, gostaria de trabalhar na reabilitação de edifícios, que é um setor em crescimento, sobretudo nos centros históricos das cidades portuguesas, ou trabalhar numa empresa de fiscalização de obras. Na eventualidade de não encontrar trabalho na minha área no imediato, acho que ainda assim vou manter-me ligada ao setor, possivelmente como comercial de produtos de construção", afirma a finalista, salientando o apoio da universidade em termos de empregabilidade: "Ao longo da licenciatura a FEUP dá-nos a conhecer diversas feiras de emprego, pitchcamps, até workshops sobre como nos apresentamos no mercado de trabalho."

As perspetivas de emprego são, contudo, diferentes quando mudamos de área, mesmo quando falamos com pós-graduados.

Pedro Morais, 23 anos, licenciou-se em Ciências da Comunicação e entretanto está a terminar o mestrado em Jornalismo na Universidade do Porto. Depois de dois estágios num órgão de comunicação social nacional, não vê como fácil a tarefa de encontrar emprego na sua área. Mas quer continuar a tentar.

"Escolhi o meu curso por vocação. Se tivesse tido em conta as saídas profissionais, provavelmente não teria ido para Jornalismo. A falta de saídas profissionais é sempre um tema nas aulas com os professores ou entre colegas de curso. As humanidades em geral e o meu curso em particular têm um mercado de trabalho muito saturado, mas, para já, não me vejo a fazer outra coisa que não seja ser jornalismo.

Alguns colegas tiraram o curso e entretanto estão a trabalhar como assessores ou em departamentos de comunicação. Não é uma área assim tão diferente, pelo que a encaro como alternativa possível", afirma.

Turismo e restauração

Tiago Valente, amigo de Pedro e dois anos mais velho, tem uma trajetória bastante diferente. Licenciado em Línguas, Literaturas e Culturas, na vertente Português--Francês, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, já conheceu várias ocupações desde que terminou o curso em 2013 e, de momento, trabalha num McDonald"s na Baixa.

"Já fiz um part-time num centro de estudos na Boavista. Dava explicações, mas o dinheiro que ganhava era muito pouco porque ganhava à hora. Trabalhei entretanto num hipermercado em Espinho e tive uma experiência de três meses no ano passado como guia de francês numa cave de vinho do Porto. Mandaram-me embora no fim do verão e então encontrei este emprego num restaurante de fast food em novembro último. É um trabalho mais duro do que nas caves, mas o ambiente é muito melhor e as condições salariais são semelhantes", explica o jovem de 25 anos, que todos os dias vem de Esmoriz para trabalhar no Porto numa função que só admite deixar se lhe aparecer coisa melhor na sua área.

"Primeiro, tenho de acabar o mestrado em Teoria da Literatura, que deixei a meio no ano passado, mas só saio se me aparecer algo mais seguro. Sempre tive objetivo de ensinar literatura. Foi para isso que estudei."

Se a oportunidade não aparecer, sair do país pode ser uma solução, explica Tiago Valente: "Não faço planos a longo prazo, mas claro que já pensei em emigrar. Talvez para França, por dominar a língua, conhecer a cultura e ter lá família, o que me daria maior aconchego."

Há também casos bem-sucedidos de quem encontra emprego na sua área e acaba por ter melhores perspetivas de salário e progressão na carreira.

Sónia Martins tem um percurso semelhante ao de Tiago Valente, mas leva alguns anos de avanço. Também tirou o curso de Línguas e Literaturas, na vertente de Português-Francês há quase uma década. Chegou a dar aulas durante o ano de estágio, mas decidiu não se inscrever no concurso para colocação de professores logo no primeiro ano por ter tido uma proposta de trabalho na área do turismo, também nas caves de vinho do Porto, em franca expansão nos últimos anos.

"Trabalhava em part-time como guia turística e propuseram-me um contrato de trabalho a full-time no ano em que me licenciei. Passei ao quadro da empresa e não muito tempo depois surgiu uma vaga e fui convidada para integrar o departamento de exportação da empresa", recorda, antes de concluir que terá feito uma boa opção de carreira: "Gostava de dar aulas, mas considerando o transtorno de todos os anos ter de concorrer e ser colocada em diferentes sítios do país, acho que fiz a escolha certa, não só em termos profissionais como também em termos pessoais. Acabei por não trabalhar na área em que me licenciei, mas reconheço que a minha profissão me dá uma estabilidade maior."

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