É para o menino,para a menina e para o governo: Marcelo tem afetos para dar e vender
Mal chega à Escola Portuguesa de Maputo, Marcelo Rebelo de Sousa é engolido pelos 1700 alunos que ali aprendem. O Presidente da República é patrono deste projeto educativo e criador de um prémio de ensino que tem o nome do pai, Baltazar Rebelo de Sousa, antigo governador-geral de Moçambique entre 1968 e 1970. Os alunos mais pequenos gritam pelo Presidente que, de sorriso rasgado, começa a maratona de fotografias e selfies deste dia. "Vamos lá tirar uma fotografia", há de repetir vezes sem conta ao longo da jornada que ainda estava a começar.
Ainda junto à porta de entrada, uma dança de boas-vindas. Uma das alunas agarrou na mão do Presidente, que não resistiu e juntou-se ao grupo. Marcelo dançou, uma e outra vez, de braços no ar e joelhos fletidos, enquanto a multidão de crianças delirava com a dessacralização presidencial. "Estou velho. Não é a minha vocação", acabaria por confessar a quem estava por perto.
Já dentro da escola, ouviam-se gritos de "Presidente, Presidente", que Marcelo rapidamente transformou em "Portugal, Portugal" e "Moçambique, Moçambique", ou não estivesse naquela que é, confessadamente, a sua "segunda pátria". A segurança, portuguesa e moçambicana, está com a cabeça em água. O Presidente da República desconstrói-se de tal maneira que não há protocolo que lhe resista. "Senhor Presidente, estamos 40 minutos atrasados", avisa o embaixador de Portugal em Maputo que é também adjunto diplomático de Marcelo. "40 minutos? Ó homem, o que é isso na vida?", diz, desconcertante e perante a resignação do diplomata. O Presidente quer ver tudo e cumprimentar toda a gente. Ninguém poderá queixar-se de não o ter visto, de não lhe ter tocado, de não o ter ouvido. Entra pelo laboratório de física dentro onde estão expostas algumas experiências feitas pelos alunos mais velhos. O Presidente recorda que teve "um grande professor, Rómulo de Carvalho, o poeta António Gedeão". "E estes matulões o que é que estão a fazer?", pergunta, provocador. O ensaio é simples: um copo de água a transbordar e uma corrente de clipes que, um a um, são mergulhados sem que transborde uma única gota. Marcelo não desperdiça a oportunidade e fala de política caseira. "Tenho de explicar ao governo como é que isto se faz. Isto é [os clipes a entrar na água] despesa, despesa, despesa e o défice nunca aumenta. Isto é sensacional", remata, arrancando uma gargalhada geral.
Quase de abalada, passa pelo bar para as despedidas. Ouve a diretora da escola falar de algumas necessidades que estão por satisfazer. Mais uma vez, o Presidente dispara: "Está aqui a senhora secretária de Estado [dos Negócios Estrangeiros e Cooperação] muita atenta, mas com falta de verba", e, num repente, dá um abraço e um beijo a Teresa Ribeiro. É assim Marcelo que, em matéria de distribuição de afetos, não quer que haja quem tenha do que se queixar. Nem sequer no governo.
Já com atraso significativo, Marcelo Rebelo de Sousa partiu para a Escola Secundária da Ponta Vermelha, no bairro da Mafalala, onde nasceram Eusébio ou o poeta José Craveirinha. A euforia foi ainda maior e mais sonora. À chegada as danças e cânticos habituais ao som dos batuques africanos.
O Presidente está feliz, "sente-se em casa", como haveria de repetir uma e outra vez durante a visita. Sorri, acompanha o ritmo com palmas e dá à perna ao som da música. "Vamos lá tirar uma fotografia", é a primeira de muitas vezes que se ouve a frase mais repetida nesta etapa. Quando sobe as escadas, a multidão de alunos perfilados em alas à esquerda e à direita grita "Presidente de Portugal, a nossa escola lhe saúda!" num coro interminável. Marcelo distribui centenas de beijos e outros tantos abraços, ninguém lhe escapa. Percorridos alguns metros, um oficial de segurança português chama a atenção de Marcelo. "Senhor Presidente, é por aqui". Mas o Presidente ignora e prossegue na sua demanda por mais beijos e mais abraços. Ao ponto de os moçambicanos encarregues de proteger o Presidente da República de Portugal sorrirem e se interrogarem: "O que é que estamos aqui a fazer? O Presidente não precisa de nós para nada."
Antes de entrar na sala de aula para uma conversa com 120 alunos, ainda ouve um novo cântico: "Woza, woza, Presidente!" repetido a plenos pulmões. Quer dizer "Viva, viva o Presidente". Marcelo está visivelmente encantado, feliz e emocionado.
É já na sala de aula pintada de fresco para a ocasião que Marcelo Rebelo de Sousa se entrega à conversa. Quer saber quem é bom e mau aluno, recorda a sua vida de professor, fala de futebol e democracia. "Um país forte é aquele em que cada um pensa pela sua cabeça", afirmou depois de fazer a apologia da liberdade de expressão e de imprensa.
Na fase de perguntas e respostas, uma aluna quis saber se Marcelo sonhava chegar a Presidente da República. "Não. Não, senhora. Eu de vez em quando vejo nos jornais amigos meus dizerem que eu quando era pequenino queria ser Presidente. Mas eu não me lembro nada dessa ideia maluca", garantiu arrancando gargalhadas na sala. Foi aliás assim durante toda a conversa. Mesmo quando falou de coisas sérias como a importância da educação e do estudo ou das razões que o levam a sentir-se em casa em Moçambique. "Chego e conheço as ruas, chego e conheço os edifícios, chego e conheço o mercado. O povo moçambicano é muito doce ao contrário de outros povos que são muito chatos." Marcelo não nomeou nenhum porque "não posso, sou Presidente da República de Portugal". Mas não resistiu a mais uma tropelia presidencial: "O povo português também é muito caloroso, mas o moçambicano é mais caloroso. O português às vezes é chato. É raro, mas há um ou outro português muito chato." E a sala voltou a gargalhar.
Já no fim ofereceu 300 livros vindos de Lisboa aos alunos da Ponta Vermelha. Como retribuição, entre outras ofertas, uma revista temática sobre Moçambique entregue pelo escritor moçambicano Nelson Saúte. "Tem aqui um artigo inteiro escrito pelo nosso ministro da Educação, senhor Presidente." Marcelo volta a não resistir. "E está bem escrito?", pergunta o Presidente. A resposta de Nelson Saúte é inequívoca: "Muito bem escrito." "Eh pá, é raro encontrar um ministro que escreva bem." A sala, como seria de esperar, volta reagir em gargalhada.
Em Maputo