Duarte Caldeira: Queimadas são "um problema cultural"
Ex-presidente da Escola Nacional de Bombeiros e da Liga dos Bombeiros Portugueses, Duarte Caldeira dirige o Conselho Diretivo do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil (CEIPC). Esta associação privada sem fins lucrativos realizou um relatório sobre a tragédia de Pedrógão Grande - "integralmente suportado pelos relatores", sublinha - que vai ser apresentado amanhã.
Porque é que no dia 15 de outubro se registou o maior número de incêndios do ano?
Ao longo dos últimos 20 anos não é a primeira vez que ao dia 15 de outubro existe tão elevado número de incêndios, sobretudo com as condições meteorológicas reunidas, como as que se verificaram. Há uma prática ancestral de uso do fogo na preparação dos espaços florestais para os gados, práticas utilizadas no meio rural, nesta época, porque é o período para regeneração dos pastos. Não é nada que não tenha sido já constatado em anos anteriores. Apesar de todas as campanhas, nalgumas zonas do país continua a ser feito uso do fogo numa altura completamente desadequada ao perfil meteorológico que estamos a viver. É um problema cultural.
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Numa situação de seca severa e extrema que afeta 80% do território, e com as previsões do estado do tempo, foi correta a desmobilização de meios no final de setembro?
A nossa opinião foi expressa há um ano: está completamente ultrapassada a catalogação do dispositivo de combate aos incêndios florestais em fases, nomeadamente definir que a fase Charlie, a altura crítica, fique circunscrita ao período entre 1 de julho e 30 de setembro. Esta definição tem que ver com o custo de alocação de meios ao dispositivo, mas é preciso pensar que isto hoje não faz sentido. A variável das alterações climáticas continua a ser surpreendentemente ignorada em muitas decisões. Com a alteração do perfil meteorológico, um incêndio pode ocorrer com severidade em março ou em outubro. Porventura fará sentido que, de novembro a fevereiro, haja uma fase de prontidão do dispositivo diferente dos restantes meses.
No relatório sobre Pedrógão Grande o CEIPC aponta para "insuficiência ou inexistência de planeamento". O que se pode melhorar?
Quando apontamos para a necessidade de uma reestruturação da Autoridade Nacional de Proteção Civil [ANPC] apontamos quer para a estrutura quer para o nível do modelo de gestão de operações. É neste nível que consideramos necessário reforçar os instrumentos de planeamento de modo a que seja possível prever a evolução dos incêndios tendo como base a tomada de decisões em tempo útil. Por exemplo, dotar os postos de comando com técnicos de meteorologia que, pela sua especialidade, façam uma previsão da evolução dos incêndios. O mesmo acontece em relação aos técnicos florestais. O comportamento de um incêndio num eucaliptal não é o mesmo que numa zona de folhosas. É necessário robustecer as decisões dos comandantes de operações de socorros com informações atempadas.
O relatório aponta também para o colapso das comunicações como um dos réus da catástrofe.
É evidente que não há operação alguma que possa ter sucesso sem a devida comunicação entre intervenientes. Tomando como referência o incêndio de Pedrógão, mas também em incêndios em anos anteriores, verificamos que há insuficiências na rede SIRESP que comprometem a decisão operacional. Portanto, é preciso aprofundar de forma definitiva o sistema de comunicações que serve a Proteção Civil. Não é o sistema que está completamente em causa. A sua infraestrutura, está comprovado, é que tem falhas. Falhas em comunicações em operações de grande envergadura podem resultar em males maiores, como é uma das constatações em relação à catástrofe de Pedrógão Grande.