Direção do PS desafiada a ter projeto de lei sobre eutanásia
A moção que a deputada socialista Maria Antónia Almeida Santos quer discutir no congresso do PS sobre eutanásia não se limita a propor um "aprofundamento do debate" sobre o assunto.
Vai mais longe e desafia o partido a promover a "adoção das medidas legislativas adequadas [...] para dar mais um passo na garantia do princípio da autonomia individual e na afirmação dos direitos dos doentes em fase de fim de vida". Porque "o PS não pode ficar alheio ao debate que se ampliou particularmente neste ano acerca da eutanásia e da morte assistida".
O texto, intitulado "Eutanásia: um debate sobre a vida", já foi entregue à comissão organizadora do congresso do partido (que ocorrerá em Lisboa de 3 a 5 de junho).
A deputada, vice-presidente da comissão parlamentar de Saúde, mobilizou para a acompanhar na subscrição do texto um conjunto transversal de personalidades do PS: apoiantes da atual direção mas também críticos (por exemplo João Galamba e Sérgio Sousa Pinto); militantes permanentes das chamadas causas fraturantes mas também militantes sem nenhum ativismo nessas causas, pelo contrário (as deputadas Isabel Moreira e Isabel Santos).
O grupo de subscritores inclui ainda personalidades do PS como Porfírio Silva, Pedro Delgado Alves, Edite Estrela, Joaquim Raposo, Diogo Leão, Vanda Guimarães, Pedro Bacelar de Vasconcelos, João Torres (deputado e líder da JS), Manuel Pizarro (médico, vereador no Porto), Tiago Barbosa Ribeiro, Elza Pais (deputada e candidata única à presidência do Departamento das Mulheres Socialistas), Duarte Cordeiro (vice-presidente da Câmara de Lisboa) e Marcos Sá (antigo deputado, que há muito defende a despenalização da eutanásia).
Na moção lê-se que o objetivo é "interpelar o PS", desafiando o partido a "integrar o debate" em curso na sociedade sobre a despenalização da morte assistida - debate desencadeado pela petição "Direito a morrer com dignidade", que já está no Parlamento e, um dia, será discutida em plenário.
Assume-se que se pretende que esse debate dê um "amplo conforto" ao objetivo de se "avançar para a despenalização da morte assistida e para a legalização da eutanásia em Portugal". Assim, "o ato médico de retirar a vida a um doente terminal a seu pedido reiterado e com o seu consentimento deve deixar de ser punível como o é atualmente nos termos do artigo 134.º do Código Penal".
Ou seja, "pretende-se que não seja punível administrar uma injeção a um doente para lhe tirar a vida, na verdade, a única forma de eutanásia punida pela lei" - e isto sabendo que "já não é ilegal" o ato de "administrar uma dose terapêutica para alívio da dor de um doente terminal e replicar essa dose, mesmo que ela possa provocar a morte" ou quando um médico desliga a pedido de um doente terminal a máquina que lhe suporta a vida.
Segundo os subscritores, "viver é um direito e proteger a vida é um dever do Estado" e "ninguém o contesta". O que se "contesta" é que "não haja o direito à renúncia de uma vida que para o habitante dessa vida é a forma de proteger a dignidade da mesma até ao seu termo."
E "nada disto é redutor ou adesão a uma alegada cultura da morte", antes "é expansivo na humanidade da não imposição da padronização moral" e "a fundamentação do que nos torna únicos e irrepetíveis num mundo secular que, precisamente em nome da definição individual e autónoma de vida digna, não pode ter a crueldade de fazer uma remissão para a utilização confessional da dignidade da pessoa humana".
"Ouvir todas as vozes"
A complexidade do debate é assumida: "Sabemos que é difícil discutir uma matéria que exija de todos o desprendimento das conceções éticas, religiosas, sociais ou morais de cada um." É aliás exigível que a discussão se faça no "respeito pelas convicções éticas e religiosas de cada um e da sua autonomia". Porque "sem esse desprendimento dificilmente se poderá ouvir as vozes de todas e de todos".