Deputados querem prevenir consumo excessivo de ritalina

BE recomenda ao governo que reforce psicólogos nas escolas e acompanhe a evolução da prescrição. PAN também terá proposta
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O Bloco de Esquerda vai avançar com uma recomendação ao governo para que tome medidas no sentido de prevenir o consumo excessivo de ritalina - um estimulante do sistema nervoso central para tratar a hiperatividade com défice de atenção, e que tem tido um crescimento galopante nos últimos anos. Os bloquistas não vão estar sozinhos: também o PAN está a ultimar uma resolução no mesmo sentido. Já o PSD está a avaliar a questão "em termos técnicos", não tendo ainda uma decisão.

De acordo com um estudo do Infarmed, a venda anual de embalagens de metilfenidato (que tem a designação comercial de ritalina) situava-se em cerca de 50 mil embalagens em 2006, subiu para as 133 mil em 2010 e atingiu as 276 mil em 2014. De janeiro a março de 2015, já segundo números enviados ao parlamento pelo Ministério da Saúde, foram vendidas 85.292 embalagens. Já quanto à divisão etária há numa clara prevalência no grupo dos dez aos 14 anos, seguindo-se a faixa etária dos 15 aos 19 e, logo a seguir, dos cinco aos nove anos. O relatório "Saúde Mental 2015", da Direção-Geral de Saúde, especifica que as crianças portuguesas até aos 14 anos estão a consumir mais de 5 milhões de doses por ano de metilfenidato.

A análise do Infarmed conclui ainda que a prescrição de ritalina é feita sobretudo nos cuidados privados de saúde (39%) e nos hospitais públicos (37%), seguindo-se os cuidados de saúde primários (22%).

Mais psicólogos nas escolas

No projeto de resolução que já deu entrada no parlamento o BE recomenda ao governo que reforce o número de psicólogos e técnicos especializados nas escolas, por forma a permitir "uma melhor e mais rápida identificação, e consequente acompanhamento, dos alunos com perturbação de hiperatividade com défice de atenção [PHDA]". Por outro lado, os bloquistas pedem "estudos regulares" que permitam acompanhar a evolução do diagnóstico da PHDA entre os estudantes do ensino básico e secundário, e o tratamento com medicamentos estimulantes como o metilfenidato ou a atomoxetina. A proposta aponta ainda para uma maior divulgação, junto das escolas e da família, das "possíveis consequências a longo prazo" do uso de medicamentos estimulantes inespecíficos. Ao DN a deputada bloquista Joana Mortágua diz que o objetivo desta iniciativa passa por garantir um "despiste tão precoce quanto possível" destas situações, bem como "perceber o fenómeno" que está por detrás do crescimento na toma destas substâncias. Sendo este um tema onde há opiniões divergentes, há um aspeto que ressalta: "Todos os dados apontam para um consumo esmagadoramente atribuído a crianças em idade escolar. Isso leva-nos a crer que existe uma relação".

Ao Bloco vai juntar-se o PAN, que está também a ultimar uma proposta de resolução. André Silva, deputado do partido, já levou aliás a questão ao primeiro-ministro, questionando António Costa no parlamento sobre se tem conhecimento de que há alunos a tomar ritalina para melhorar o rendimento escolar. Na resposta, o líder do executivo adiantou que o diretor nacional de saúde mental "ordenou a criação de um grupo de trabalho para analisar o perfil da subscrição e confirmar se há ou não utilização abusiva destas substâncias".

Entre os restantes partidos não há mais iniciativas previstas. Pelo PSD, Miguel Santos diz que o partido está por agora a analisar a questão "em termos técnicos". Já o PCP, pela voz da deputada Carla Cruz, defende que a via legislativa "não será a mais adequada" e que, num tema desta complexidade, o papel do parlamento deve ser, pelo menos num primeiro momento, o de palco para o debate entre especialistas.

Nem 8 nem 80

Para o pediatra Mário Cordeiro, o aumento das vendas deste psicofármaco não significa, por si, que há um consumo excessivo de ritalina. "A questão não é se existe um consumo maior ou menor do que antes, é saber se é adequado no sentido de quem precisa estar medicado e quem não precisa não estar. Não se pode medir a eficiência e adequação de qualquer medicamento pelo número de embalagens vendidas, mas sim se o diagnóstico e a terapêutica estão corretos!", afirma ao DN.

O médico sublinha que "o metilfenidato e a ritalina não se prescrevem apenas nas situações de síndroma de hiperatividade e deficit de atenção", mas também em muitos casos "em que há uma dispersão (sobretudo nos rapazes) que interfere com o comportamento (que pode ser disruptivo) e também com a autoestima, levando a uma deterioração do sucesso educativo. " "A ritalina não é, como a determinada altura nos EUA, a "pílula mágica" que "produzia génios", mas também não se pode cair no extremo de ser considerada um "veneno"", diz Mário Cordeiro, defendendo que a prescrição deve ser feita por " pediatra ou neuropediatra, pedopsiquiatra ou neurologista em geral, na ausência do neuropediatra".

Quanto à questão de um maior acompanhamento por psicólogos em meio escolar, o pediatra defende que "o psicólogo na escola deve ser o "psicólogo da escola", para as situações escolares, tal e qual há psicólogos das empresas". "Os casos individuais ficam melhor servidos fora da escola, até pelo estigma, salvo situações pontuais e facilmente resolúveis com uma terapia ou intervenção breve", diz Mário Cordeiro. Pelo que o que se deve fazer é "uma análise da adequação da prescrição e não restrições avulsas" - "Tal e qual antibióticos ou sedativos", estes fármacos "devem ser dados a quem precisa e não a quem deles não necessita".

"Passar-se de um hipotético 80 para um 8 pode lesar o percurso de vida e a felicidade de muitas crianças e, como sempre, as mais desfavorecidas é que pagarão a fatura, até porque não têm tantos fatores protetores, apoios, explicações, etc", alerta o pediatra, para concluir: "Cuidado com as boas intenções".

[Atualizado com as declarações do pediatra Mário Cordeiro]

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